postado em 23/06/2010 08:14
Enquanto as chuvas castigam os estados de Pernambuco e Alagoas, números do próprio governo federal mostram que o uso político das verbas públicas resultam em tragédia. De 2004 a 2009, a Defesa Civil reservou R$ 933 milhões no Orçamento da União para obras preventivas de desastres. Desse total, apenas R$ 357 milhões foram pagos. Mas 37% desse dinheiro foram parar na Bahia, estado do então chefe da pasta de Integração Nacional, o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA). Ele foi oficializado anteontem como candidato ao governo baiano, em solenidade que contou com a presença da pré-candidata a presidente Dilma Rousseff (PT). Os dois estados mais afetados pelas enchentes desta semana receberam poucos recursos. Pernambuco ficou com 8,9% do total, enquanto a Alagoas foram destinados escassos 0,3%. Em 2010, a situação se mostra ainda pior. A Bahia ganhou mais dinheiro que todos os demais estados juntos (56% do total). Pernambuco ficou com 0,24% e Alagoas não recebeu um único centavo.Os números constam de auditoria operacional do Tribunal de Contas da União (TCU), aprovada há dois meses, e são reforçados por levantamento da ONG Contas Abertas, a partir de dados do Siafi (sistema informatizado que registra os gastos do governo federal). A auditoria concluiu que ;há falta de critérios técnicos para distribuição de recursos relativos às obras de prevenção, gerando concentração em poucas unidades da Federação;. Não há correlação entre os municípios que mais recebem recursos e aqueles onde há maiores riscos de ocorrência de desastres. Os estados da Bahia, Mato Grosso, Pernambuco, São Paulo e Mato Grosso do Sul receberam 81,8% dos recursos financeiros transferidos pela Secretaria Nacional de Defesa Civil.
Na outra ponta, os 10 estados que menos receberam recursos somaram apenas 2,6% do total. Eles tiveram que se contentar com R$ 9 milhões, enquanto somente a Bahia recebeu R$ 133 milhões. Alagoas contou com R$ 1 milhão no período de seis anos. Em 2010, os baianos ficaram com R$ 40 milhões dos R$ 70 milhões já liberados pelo governo federal. Pernambuco recebeu R$ 172 mil e Alagoas ainda não viu a cor do dinheiro.
Contradições
Geddel tentou justificar a concentração de recursos na Bahia quando foi divulgado o resultado da auditoria do TCU. Ele afirmou que a prioridade do seu ministério seria o Nordeste: ;É ululante que o Nordeste recebe mais verbas do que o Sul da Integração Nacional, porque um dos objetivos desse ministério é a redução das desigualdades regionais. Não se pode tratar de forma igual os desiguais;. Lembrado de que estados como Ceará e Alagoas, igualmente nordestinos, haviam recebido bem menos recursos, afirmou que a Bahia tem área muito maior, com um número superior de municípios.
Mesmo considerando os dados de área e população, fica claro o privilégio para os baianos. Com 1,8% da população e 0,3% da área, Alagoas ficou com 0,3% dos recursos. A Bahia tem 14,6% da população e 6,6% da área do país, mas abocanhou 37,2% da verba federal. Geddel contestou a recomendação do TCU para que sejam definidos critérios técnicos para a distribuição dos recursos: ;O único critério técnico que eu conheço é a apresentação de projetos. Quem apresenta o projeto recebe os recursos;. Mas admitiu que o seu cargo pode ter sido um estímulo especial aos prefeitos baianos: ;A Bahia apresentou mais projetos, talvez até por ser eu o ministro;.
Qualquer período analisado pelo TCU apontou esse favorecimento. No ano passado, por exemplo, dos R$ 419 milhões inicialmente previstos, apenas R$ 58,9 milhões foram liquidados. E só quatro estados haviam recebido dinheiro, sendo 90% para os baianos. Na soma dos orçamentos de 2008 e 2009 (efetivadas até 24 de março de 2010), dos R$ 175 milhões previstos, 65% foram destinados ao estado da Bahia e aos seus municípios.
Transferências
O secretário-geral do Contas Abertas, o economista Gil Castelo Branco, salienta que, em consequência da baixa execução do programa de Prevenção a Desastres, os gastos com o programa Resposta a Desastres e Reconstrução acabam sendo sempre de seis a sete vezes maiores. Neste ano, enquanto consumiu só R$ 70 milhões com prevenção, o governo já aplicou R$ 542 milhões em auxílios após os desastres. Só o Rio de Janeiro levou R$ 118 milhões. O Ceará recebeu R$ 49,6 milhões e o Piauí ficou com R$ 43,7 milhões.
O TCU apontou também deficiências na estrutura física e gerencial da Defesa Civil. Os principais fatores que atrasam a análise e conclusão das transferências obrigatórias referem-se às deficiências no quadro de pessoal, à limitação dos sistemas de informação e à ocorrência de falhas nos processos, que apresentam informações pouco confiáveis.
Procurados pela reportagem, o Ministério da Integração Nacional e o ex-ministro Geddel Vieira Lima não quiseram se pronunciar.
Lula saiu em defesa
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu em defesa de Geddel Vieira Lima quando o ex-ministro foi acusado de privilegiar o estado onde mais tarde disputaria o governo. ;É uma leviandade de quem falou. O que eu acho pobre neste país é que as pessoas esperam acontecer uma desgraça dessa magnitude para ficar tentando fazer um joguinho político pequeno;, afirmou o presidente, que falava dos desmoronamentos no Rio de Janeiro. Ele sugeriu que o ex-ministro questionasse o tribunal. ;O Geddel, como é deputado agora, tem que chamar esse cidadão que fez a denúncia para ele explicar como é que pode dizer uma coisa dessas;, afirmou o presidente à época. (LV)