postado em 27/06/2010 08:15
Vale do Mundaú (AL) ; Já era tempo de retomar a partida de vôlei entre Brasil e Rio de Janeiro, interrompida na semana passada por conta das fortes chuvas que atingiram Branquinha. A escolha do nome dos times não tem uma explicação muito lógica. A pátria comprova o orgulho e a esperança na vitória. Já a Cidade Maravilhosa depende exclusivamente das imagens da televisão. ;É um lugar muito bonito. Cheio de gente, né? Você já foi lá?;, questiona o curioso Marcelo, de 10 anos. Na última sexta-feira, ele e os amigos improvisaram uma quadra, em meio aos escombros, com um pedaço de arame e duas traves de madeira. Não era a primeira vez que precisavam usar a imaginação.As famílias desses meninos fazem malabarismo para sobreviver desde sempre. Falta emprego, dinheiro, comida, casa, saúde... Só não esperavam uma tragédia tão grande no pequeno e pacato município, a 67km de Maceió, para piorar ainda mais a realidade. Como as aulas foram suspensas pelas prefeituras e o governo de Alagoas, meninos e meninas passam o dia nas ruas devastadas. Acompanham de perto o trabalho das Forças Armadas, Corpo de Bombeiros. Aprendem também a conviver com o novo cenário, que ;é horrível;, e procuram voltar a ;ser apenas crianças;. Aos olhos das pequenas vítimas, o real e o fantasioso travam uma batalha diária na tentativa de compreender o que aconteceu. E o futuro ; por incrível que pareça neste momento ;, para eles, é promissor.
;Minha mãe queria pular no rio quando viu a nossa casa;, confidencia, ainda assustado, Henrique, de 14 anos. Da residência, que fica bem próxima à quadra improvisada, sobrou apenas o telhado e parte da parede da casa amarela onde a família vivia. Ele e o irmão Armando, de 12, transformaram-se nos ;homens da casa; e, além de acalmar a mãe e as irmãs, ajudam a localizar objetos pessoais perdidos na tempestade. Amadureceram alguns anos em uma semana. ;Parece que você tem que virar gente grande;, explicam os meninos. Os dois lamentam que a força da água tenha levado a escola, o campinho de futebol e a quadra de esportes. Agora é que eles não terão mesmo o que fazer na cidade que para uns é o Haiti, devastado por um terremoto em janeiro, e para outros, o Iraque. ;Ou uma cidade fantasma dessas que já vi em filme;, completa Paulo, de 7.
Responsabilidade
Com apenas 12 anos, Luciele também ganhou responsabilidade de adulta. A mãe lhe pediu que tirasse os irmãos de casa enquanto os pais tentariam salvar móveis, roupas e brinquedos dos 11 filhos. A casa dela na Rua do Jatobá, em União dos Palmares, foi toda coberta pelas águas do Rio Mundaú. Sobrou apenas o quadro com a imagem de Nossa Senhora do Bom Parto, Santo Antônio e Sagrado Coração de Jesus, pregado na parede. ;Peguei a bebê no colo e dei a mão para os meus outros irmãos. Fomos lá para o beco, que fica no alto. Tava chovendo muito e forte. A água ia cobrindo nosso pés;, relata, sem o menor sinal de heroísmo.
;Só fiz o que a minha mãe pediu. Também estava com medo.; O dia ficou marcado para as crianças. Maria, de 8 meses, não dorme mais. Na pele, apareceram brotoejas. A bebê era quieta. Agora, chora o tempo todo. Os pais não entendem as mudanças no comportamentos dos meninos. ;O de 5 anos pede para voltar para casa. Explico e ele não entende que não temos mais casa;, lamenta Lauriceia da Conceição, de 34, ainda em estado de choque. Na quarta-feira, ela levou as crianças até a antiga moradia. Apenas de cueca e com uma botina que ganhou de doação, o garoto sentou na lama e ficou brincando com o caminhãozinho. Não conversava. Já o irmão de 7 anos não quer ficar ali. Reclama muito e não sai de perto da mãe. Tem medo que a água volte.
Manoela, de 4 anos, só queria poder brincar na casa da avó. ;Caiu.; Diariamente, ela e a mãe visitam a avó no ginásio onde vive há uma semana. Para a garota, a explicação está no céu: ;a água veio lá de cima e encheu toda a cidade;. Ela não é a única a apresentar razões para aquilo que os adultos apenas se conformam. ;Tinha um muro lá em Pernambuco e ele quebrou. Aí a água veio descendo até aqui;, justifica Vitor, de 6 anos. ;Foi a cheia. Já tinha visto isso;, garante Pedro, de 6. Ele estava em casa com a família quando a ;onda; chegou. Saíram todos correndo sem levar nada. Foram buscar refúgio na casa da prefeita, que estava há horas ilhada no telhado de uma casa. ;Pensei que ia morrer;, resume o menino.
Já Danilo, de 10, não dorme mais. Tem medo de ficar longe da mãe. Se pudesse, mudava até de cidade. E não adianta convencê-lo de que uma nova casa será construída em outro lugar. O garoto quer distância do rio em que passava as tardes. Não consegue entender como as águas do Mundaú sempre tão respeitosas ; ;nunca passaram daquele barranco; ; invadiram os dois únicos cômodos da sua casa. ;Levou tudo. Nosso som, nossos discos, carrinhos.; Nos escombros estão pedaços das histórias dessas crianças. Bonecas, carrinhos, material escolar, videogames, panelas, sandálias, roupas...;Não é uma coisa que a gente sente saudade porque a gente perdeu foi tudo;, retruca Marcela, de 10. Mesmo assim, ainda há um sopro de esperança naquela terra. ;A cidade vai é melhorar. Branquinha vai ficar mais bonita;, aposta Luis, de 9. Luana, de 6, concorda. ;Vai ter mais escola e até uma orla na beira do rio.;
PREJUÍZO NAS ESCOLAS
O Ministério da Educação prepara um levantamento detalhado das necessidades das secretarias de Educação de Alagoas e Pernambuco. Até agora a pasta repassou R$ 53 milhões para os estados trabalharem na recuperação de escolas. Entretanto, estima-se que o maior prejuízo esteja na rede municipal, que ainda não conseguiu contabilizar o tamanho da destruição. Na próxima semana, algumas prefeituras pretendem retomar as aulas em ;escolas; improvisadas no meio da rua.
A cidade vai é melhorar. Branquinha vai ficar mais bonita