Em maio de 1989, queixas da vizinhança com relação a gritos e relatos de maus-tratos contra os internos levaram a prefeitura a intervir no local, que foi fechado anos depois. A imprensa designou o episódio como o ;fim da Casa dos Horrores;.
[SAIBAMAIS]Além da superlotação, faltavam médicos e enfermeiros. Os pacientes eram tratados com doses de remédios hoje consideradas excessivas e com terapias violentas, como o eletrochoque. Na época foi investigada a morte de três pacientes do manicômio: dois enforcados e um espancado.
De acordo com um ex-interno ouvido pela Agência Brasil, os doentes que, mesmo dopados, não se portavam bem eram punidos com o isolamento nos ;chiqueirinhos;, celas de pouco mais de 1,5 metro por 1 metro com uma pequena janela. Os demais passavam a noite em dormitórios úmidos, muitas vezes em colchões espalhados sobre o piso já que, segundo o interventor municipal, o psiquiatra Roberto Tykanori, o número de camas era insuficiente.
A intervenção é considerada o marco prático inicial da reforma psiquiátrica brasileira, substituindo a internação e o tratamento, em muitos casos desumano, por terapias que procuravam diminuir a prescrição de medicamentos.
A principal proposta era que, com o devido acompanhamento médico, os internos pudessem voltar ao convívio social. Para humanizar ainda mais o atendimento, alguns passaram a frequentar oficinas de teatro, pintura, jornal e de confecção de bijuterias e de camisetas.
Um programa de rádio feito pelos próprios pacientes contribuiu para que a iniciativa santista ganhasse projeção e notoriedade internacional. Pensada para ser veiculada internamente, a programação da Rádio Tam Tam logo chegou às ondas de rádios AM, onde alcançou audiência suficiente para despertar o interesse de uma emissora FM. Além disso, o orientador das atividades culturais, o artista plástico Renato Di Renzo, e os ;pacientes-locutores; foram convidados a participar de inúmeros programas de TV.
;Da perspectiva de quem trabalhava lá na época, estávamos transformando o mundo;, comenta o psicólogo Luiz Cancello. ;Que eu saiba, nunca antes neste país um governo municipal esteve envolvido nesta causa. Esse pioneirismo cabe, sim, a Santos.;
Para o psiquiatra Roberto Tykanori, interventor do Anchieta, a maior ousadia santista foi encarar os doentes mentais como cidadãos dotados de direitos, provocando entre os internos e os funcionários do local a reflexão quanto ao controle absoluto que se exercia sobre os internos.
;Os funcionários foram proibidos de trancar ou agredir os pacientes, além de não poderem mais recorrer a qualquer forma de violência sob a alegação de estarem ;tratando; os internos. Isso não significa dizer que se um paciente estivesse agitado não se poderia usar a força para contê-lo, mas todos tinham que ter clareza de que isso não era tratamento, mas, sim, uma contenção;, explica Tykanori.
A iniciativa, contudo, enfrentou resistências. Após a intervenção, quem não era de Santos ; a maioria dos internos ; começou a ser mandado de volta para suas famílias. Já os pacientes santistas passaram por um período de reabilitação, durante o qual a prefeitura deu início à criação dos cinco núcleos de Assistência Psicossocial (Naps) que existem até hoje.
Cada núcleo passou a atender os internos de uma determinada região da cidade, também dividida em cinco polos. Na prática, o antigo prédio ainda funcionou por mais alguns anos. Com o fim da internação para os casos mais brandos, começaram as críticas em relação à presença de pessoas com problemas mentais nas ruas. ;As evidências de maus-tratos contra os pacientes eram tão notórias que logo o trabalho foi aceito, mas tivemos que convencer algumas pessoas de que não se resolvem os problemas deste tipo apenas ;limpando as ruas; e de que se aquelas pessoas causassem algum distúrbio isso teria que ser tratado da mesma forma que um playboy
incomodando a vizinhança com o som alto de seu carro;, argumenta Tykanori.
Moradores antigos da Rua São Paulo lembram os conflitos causados pela intervenção. Os pacientes ficavam por ali pedindo cigarro, dinheiro e até água. Para o ex-interno que pediu para não ser identificado e que ainda hoje se trata em um Naps, as críticas à presença dos ;loucos; eram fruto do preconceito contra os doentes mentais.
;Essa discriminação depende também da classe social. O rico não é taxado como louco, mas como alguém estressado. Aqui [no Naps], por exemplo, só vem quem não tem condições de pagar, então o equipamento é malvisto. Os ricos vão para clínicas particulares e, apesar de tomarem os mesmos remédios que [tomamos] aqui, têm um outro status.;