Brasil

Músicas lembram dias de isolamento em hospital pernambucano

postado em 29/06/2010 12:02
Camaragibe (PE) - ;As portas já vão se abrindo, a gente pensa que é prá ir simbora, é as coleguinhas que vem chegando prá ficar presa nessa gaiola [sic].; Os versos cantados pela pernambucana Maria da Conceição Buarque Negromonte de Lima, 59 anos, remetem aos dias de sofrimento vividos no Hospital Psiquiátrico José Alberto Maia, em Camaragibe, a 10 quilômetros de Recife.

;Estamos todos emagrecendo, lavando roupas de pés no chão. Cadê a boia do pessoal, há o duro feijão sem sal e mais atrás vem um macarrão, parece cola de colá caixão, mais atrás vem a sobremesa, banana podre prá botá na mesa e mais atrás vem a batatinha, parece chumbo de matá galinha [sic];, completa Maria da Conceição, que sempre gostou de cantar.

A música era direcionada ao então diretor do hospital e rendeu a Maria da Conceição um longo castigo. Ela ficou isolada em um quarto sem café da manhã, almoço e jantar e apanhou muito.

Apesar das lembranças ruins, Maria da Conceição canta músicas que ironizam, com bom humor, a própria vida. Ela explica que nunca se casou porque não podia tomar conta de uma casa. Teve a primeira crise ainda na escola e, agora, aos 59 anos, diz que está muito velha para casar.

;Pirapó, vitalina bota pó, moça velha se chama de caritó. Moça velha quando faz de confessar, o padre diz: minha filha, vá rezar porque moça velha não precisa se casar [sic];, canta Maria da Conceição que hoje vive em uma residência terapêutica com mais seis ex-internos do hospital pernambucano.

Lígia Costa faz parte do grupo. Filha mais nova de uma família de três irmãos, ela conta que foi levada ao José Alberto Maia aos 12 anos de idade e só saiu de lá 40 anos depois. A mãe morreu quando ela era pequena. O pai era o único que a visitava.

;Eu nasci doente. Fiquei mais de 40 anos no hospital. Perdi toda a minha mocidade lá. Depois pedi a Deus para me libertar. Eu sofri muito. Foi uma benção essa casa [residência terapêutica]. Aqui é uma paz;, afirma.

Ela relata que sofria violência física frequentemente e que não tinha roupas para vestir. No hospital, Lígia teve duas filhas: uma, com um primo que a visitava e outra, com um paciente. ;À minha primeira filha dei o nome de Fabiana, mas a levaram logo que nasceu. A segunda, a Tatiane, a última vez que a vi, ela tinha 12 anos. Depois me disseram que ela não queria mais me ver. Eu chorei tanto;, lamenta.

No armário do quarto que divide com a melhor amiga, Lígia guarda uma boneca loira a quem deu o nome da filha mais nova. ;Eu adoro esta boneca é o meu bebezinho.;

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