Brasil

Projeto do Executivo prevê tratamento psicoterápico e advertência pública a pais que dão palmadas em crianças

Ao defender a alteração no ECA, presidente Lula diz que "se chicotada resolvesse, não tinha tanto bandido no país"

postado em 15/07/2010 07:00
Obrigação de frequentar grupos de apoio, submeter-se a tratamento psicológico ou até sofrer uma advertência pública são algumas das consequências para pais que derem um tapa no filho, causando dor ou lesão. A novidade está em projeto de lei, encaminhado ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso Nacional, que pretende alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A ideia é punir castigos físicos aplicados por adultos a meninos e meninas, tornando a legislação ; que já fala em ;maus-tratos; ; mais específica. Ao defender a proposta, apelidada de Lei da Palmada, o presidente Lula escorregou: ;Se punição e chicotada resolvesse o problema, a gente não tinha corrupção no país. Não tinha tanto bandido no país;, disse Lula, destacando que nunca bateu nos próprios filhos.

Embora o teor da proposta seja apoiada de forma unânime por especialistas da área infantil, muitos destacam a dificuldade de colocar as regras em prática. Fundador da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia) com 35 anos de serviço na pediatria do Hospital Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, o médico Lauro Monteiro considera a modificação no ECA inócua. ;Vamos pegar o artigo primeiro do estatuto e veremos que os direitos básicos, como educação e saúde, não são cumpridos. Então, ainda que eu seja totalmente contra qualquer castigo físico, para que mudar, se na retaguarda pouco foi feito ainda?;, questiona o pediatra. De acordo com Monteiro, é preciso ter atenção aos propósitos verdadeiros do presidente Lula ao enviar tal projeto na semana em que se comemora os 20 anos do ECA. ;Acho meio performático, para não dizer que é eleitoreiro;, diz Monteiro.

Procuradora de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Maria Regina Azambuja comemora a iniciativa, mas destaca as dificuldades de colocá-la em prática. ;É claro que o fato de existir uma lei não significa que o problema desaparecerá. Sabemos que muitas crianças apanham muito dentro de suas casas e, para mudar isso, é preciso fazer um investimento na educação dos responsáveis. Eles têm de compreender que a violência física na vida do filho tem consequências graves. Provavelmente ele reproduzirá o comportamento;, diz a procuradora. Conforme os dados do Disque 100, central telefônica do governo federal, desde maio de 2003 até abril de 2010 houve 123,3 mil registros de agressões contra crianças e adolescentes. Historicamente, quase 40% das denúncias são de maus-tratos físicos e terror psicológico.

Monteiro destaca, porém, que diante de tantos casos, a estrutura para lidar com eles ainda é falha. ;O ECA diz que os conselhos tutelares devem receber a denúncia e fazer o encaminhamento. Primeiro que nem todos os municípios têm conselheiros. Depois que muitos conselhos funcionam precariamente, sem apoio das prefeituras;, afirma. Para o pediatra, fundador do disque-denúncia de onde derivou a atual Central 100, assumida pelo governo federal em 2003, o texto do projeto enviado pelo presidente ao Congresso também deixa a desejar. É que o conceito de castigo físico, por exemplo, vem descrito como ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente. ;Ora, parece-me algo que os Estados Unidos tentam fazer. Nas nádegas pode, mas com mão aberta, para não ficar marca. Aqui, no Brasil, pode, desde que não cause dor. Eu sou contra qualquer reprimenda física, porque ela é covarde e não educa;, defende Monteiro.

A chamada Lei da Palmada é na verdade um projeto de lei apresentado pela deputada Maria do Rosário (PT-RS), que liderou a CPI da Exploração Sexual e tem atuação forte na área da infância. Em 2006, a Câmara chegou a aprovar o texto em caráter conclusivo, mas diante da polêmica ideia de punir pais e educadores que usam a força física para educar, houve recurso, solicitando que a votação fosse feita no plenário. Desde então, a matéria não voltou à pauta.

O pediatra Lauro Monteiro, editor do Observatório da Infância, fala sobre a lei da palmada

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