Brasil

Vidas e sonhos interrompidos

A estupidez de uma desavença tola nas ruas tirou os filhos de duas mulheres que convivem com a saudade diária e até hoje ainda esperam por justiça

postado em 01/08/2010 10:14
A revolta pela perda dos filhos, assassinados em razão de desavenças no trânsito - em princípio muito simples - aproximam as histórias de Mariana Morais de Assis, de Goiânia, e Tereza Bogas de Lima, que vive em Sobradinho. As duas esperam a punição dos assassinos. Luís, filho de Mariana, foi atropelado e morto por um engenheiro. Recursos travam o processo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). André, filho de Tereza, morreu com uma facada nas costas, desferida por um ajudante de pedreiro. A família espera que o acusado do crime permaneça preso até o julgamento, ainda sem data marcada. Mariana, 72 anos, deixa claro no início da conversa: "Meu filho não morreu num acidente de trânsito. Ele foi covardemente assassinado". Naquela manhã de outubro de 2005, o metalúrgico Luís Sérgio Morais Ribeiro não apareceu para o café da manhã com os pais, como fazia todos os dias, porque há poucos metros dali, no setor mais nobre de Goiânia, o guidon direito de sua moto esbarrou no retrovisor esquerdo do Pólo guiado pelo engenheiro Sílvio Martins dos Reis. Luís e Sílvio discutiram, e o estrago de um retrovisor terminou de forma trágica. A denúncia do Ministério Público (MP) de Goiás informa que Luís se desculpou. Sílvio, exaltado, iniciou uma discussão e passou a perseguir o metalúrgico. O Pólo bateu na traseira da motocicleta e, com a força do impacto, Luís foi arremessado para cima. O homem caiu sobre o capô do carro. Depois, foi lançado ao asfalto por meio de movimentos de ziguezague do veículo conduzido por Sílvio. Luís ainda tentou se agarrar ao carro. No asfalto, teve o crânio esmagado pelo veículo, segundo a denúncia do MP. Sílvio fugiu e não prestou socorro. A verdade Pouco antes das 8h, quando a mãe esperava o filho para o café da manhã, quem apareceu foi um policial militar, informando Mariana e o marido sobre o "acidente" sofrido pelo filho. "Eu só soube da verdade à tarde", lembra. O policial ouviu Luís pedir desculpas, segundo a mãe, e anotou a placa do veículo, o que possibilitou a investigação do assassinato. "A moto do meu filho nem arranhou o carro. Só esbarrou no retrovisor." [SAIBAMAIS]Naquele exato momento, o carro se transformou numa arma. "Se há uma discussão no trânsito, se há um esbarrão, o que se espera é que os motoristas parem e se acertem ali. Mas esse homem é um assassino", revolta-se mãe de Luís Sérgio. Ela reclama da demora da Justiça em punir o suposto agressor. Sílvio conseguiu reverter a decretação da prisão temporária e recorreu contra a decisão de mandá-lo a júri popular. A Justiça decidiu pelo júri, mas entendeu que não houve motivo fútil, em razão da forte discussão entre os dois. Assim, o crime cometido não seria um homicídio qualificado. O MP e a defesa do acusado recorreram. Os recursos foram apreciados pelo Tribunal de Justiça (TJ) de Goiás e, agora, são avaliados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Casa própria Tereza perdeu o único filho homem, André Bogas de Lima, que desde a morte do pai havia tomado para si a incumbência de cuidar dela e das duas irmãs. Não fosse uma discussão banal por conta de vaga em um estacionamento, o rapaz de 30 anos estaria hoje vidrado na televisão para assistir ao jogo do Palmeiras. Torcedor do Verdão, cujo símbolo tinha tatuado nas costas, André chegou, numa manhã de sábado de março passado, a uma loja de material de construções em Sobradinho. Quando estacionou, foi alertado que um caminhão aguardava a vaga. Ele retirou seu veículo e parou em outro espaço. Ao entrar na loja andando tranquilamente, segundo consta no inquérito policial, o representante comercial foi abordado por Jaílson Vidal de Mendonça, que o chamou de folgado. André revidou a ofensa verbal e seguiu. Menos de três minutos depois, levou uma facada na altura do rim direito. Estava acabado o casamento de menos de um ano, os planos de ter um filho em breve, a alegria do emprego recém-conquistado em uma indústria farmacêutica e o sonho de concluir a construção da própria casa. O homem que matou André se aproximou da vítima falando: "Eu não disse que ia voltar?". Com o cartão de crédito na mão, aguardando para pagar pelo galão de massa corrida e dois quilos de gesso comprados, André nem se deu conta da presença do algoz. A única facada desferida por Jaílson pelas costas do rapaz de 1,86cm e 105kg foi o suficiente para matá-lo. "Meu Deus, eram 8h30 da manhã. Se ele estivesse bebendo, fazendo farra, tudo bem, podíamos pensar numa discussão grave. Mas o André sempre foi tranquilo. A única vez que esteve em uma delegacia foi para registrar ocorrência por ter sido roubado", lamenta a mãe, de 55 anos. Os vendedores da loja que testemunharam o assassinato, de acordo com o inquérito, relataram que a troca de xingamentos na porta do comércio havia sido banal. Numa reação desproporcional, Jaílson afirmou, diante dos agentes que o prenderam, que sua vontade era dar vários golpes em André. Em tratamento psicológico, Tereza espera por justiça. "Depois que eu fiquei viúva, ele veio morar perto da gente, para cuidar de mim e das meninas. Dizia que qualquer coisa ele chegaria aqui em menos de cinco minutos. Agora, olha por nós lá de cima", resigna-se.

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