postado em 06/08/2010 09:02
Fortim (CE) ; O empreendimento espanhol Playa Mansa Living & Life Resort era esperado como a redenção econômica e social da pequena Fortim, distante 130km de Fortaleza, com 16 mil habitantes. O custo estimado era de R$ 400 milhões ; oito vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do município. O projeto previa quatro hotéis de alto padrão de frente para o mar, chalés, bangalôs, campo de golfe e marina, com a geração de 500 empregos diretos e mil indiretos. O grupo Confide comprou, destruiu casas de pescadores e chegou a desmatar e nivelar o terreno, mas, em 2009, sete anos após o início da iniciativa, desistiu do negócio e abandonou as obras sem dar explicações, deixando para trás um rastro de destruição e de decepções.;Nós estávamos sonhando com esse empreendimento para trazer geração de emprego e de renda para o município;, lembra o procurador da Prefeitura de Fortim, Elias Paiva Feijó. ;Apostamos tudo nesse projeto, vestimos a camisa para conseguir as licenças que eles precisavam na Secretaria do Meio Ambiente e no Ibama. A prefeita foi até Brasília para conseguir tudo isso. Depois que estavam de posse de todas essas licenças, eles simplesmente fecharam o escritório e disseram que não iriam mais realizar o empreendimento;, relata Feijó, em tom desolado.
O procurador diz que não foram apresentados motivos formais para a desistência. ;O que ficamos sabendo foi nos bastidores. Eles não comunicaram o motivo oficialmente. Uma das razões seria a instalação de um parque eólico bem em frente ao empreendimento, nas dunas. A distância não chega a um quilômetro. Os estrangeiros estão fugindo desses parques eólicos na Europa, pois alegam que gera radioatividade. Quando chegassem aqui e vissem esses parques em frente à área do empreendimento, rejeitariam o projeto. Então, os responsáveis pelo empreendimento resolveram cancelar tudo.; O parque eólico, com dezenas de cataventos, está localizado em uma das margens do Rio Jaguaribe.
O secretário estadual de Turismo do Ceará, Bismark Maia, no entanto, afirma que o motivo é outro: ;Foi a crise financeira internacional de 2008 e a falta de capacidade de investimento. Na Espanha, estavam com problemas decorrentes da crise financeira e estão tentando negociar com um grupo inglês para repassar o projeto;. Questionado sobre a destruição da vegetação costeira denunciada pela prefeitura, o secretário comentou que o governo local estudará as providências a serem tomadas. ;Se, de fato, aconteceu alguma destruição, veremos o que deve ser feito.;
O fracasso do projeto turístico traz outra ameaça, segundo avaliação da Prefeitura de Fortim. Os donos do negócio teriam outro plano para o terreno, segundo informações do procurador. ;Eu soube que, já que não vão mais fazer o empreendimento, vão arrendar o terreno para construir um parque eólico.;
Área de marinha
Apesar de o projeto ter começado em 2002, o Playa Mansa Living & Life Resort só foi registrado no cartório de imóveis local em abril de 2007, em nome da empresa ;brasileira; Fide XXI Participações. Na Junta Comercial do Ceará, aparece outro nome: Confide Brasil, outra companhia ;nacional;, apesar de o capital ser de origem estrangeira. O terreno registrado tem área de 295 hectares, o que equivale a cerca de 3km;. No registro em cartório, a Fide XXI informa que requereu à Superintendência do Patrimônio da União (SPU) no Ceará o aforamento de áreas de marinha e acrescidas de marinha com um total de 25,8 hectares ; uma faixa de terra de 100 metros de largura por 2,5km de extensão.
O superintendente do SPU, Clésio Jean Saraiva, explica o que é o aforamento e o que o empreendimento ganha com isso. O chamado ;terreno de marinha; mede 33m a partir do continente, pela preamar (nível máximo de uma maré cheia) de 1831. Se o mar recuar, surgem os ;acrescidos de marinha;. Quem construiu um imóvel em terreno de marinha até 2006, pode fazer uma inscrição de ocupação. Tem o direito de usar esse terreno. Se construiu depois daquele ano, o imóvel é demolido. O aforamento é diferente. Quem tem título de propriedade anterior a 1943, tem o direito de preferência ao aforamento, que é um contrato feito com a União. O ocupante adquire 83% daquela área e passa a pagar o foro anual, que corresponde a 0,6% do valor do empreendimento.
A taxa anual de ocupação é de 5%. ;É uma grande diferença para o foro. Quando você vai fazer um empreendimento com ocupação de terreno de marinha, tem que adotar ou um ou outro sistema;, explica Saraiva. Ele observa que é preciso ver se o empreendimento de Fortim tem esse título de propriedade anterior a 1943. O superintendente também responde se é permitido construir nessa área de marinha. ;Se não for área de praia, pode. Área de praia é aquela coberta e descoberta pelo movimento das ondas do mar. A praia é móvel, o mar é móvel. A área de praia é não edificante. Mas isso é com o Ibama. Se for terreno de marinha e não área de praia, pode construir. Isso depende da prefeitura.;
Saraiva acrescenta que há uma preocupação extra em relação à área desse empreendimento, que fica entre o mar e o Rio Jaguaribe: ;Ali é complicado, porque é um estuário (parte de um rio que faz contato com o mar). E não se pode ocupar as margens dos rios. E o rio tem influência de maré. E, até onde se der a influência de maré, é um acrescido de marinha. Ali é um lugar lindo. Então, é claro que as pessoas querem ganhar dinheiro explorando o local turisticamente. Mas tem que se ver a questão ambiental. O que tem a ver com questão ambiental cuida o Ibama. O que tem a ver com área acrescida de marinha, cuidamos nós;, informa o superintendente do SPU.