Brasil

Brasileiros ilegais nos EUA acabaram sequestrados por "coiotes"

Torturados e extorquidos, só conseguiram sair do cativeiro com ajuda do FBI. O destino deles está nas mãos do governo norte-americano

Daniel Antunes
postado em 09/08/2010 07:00
Governador Valadares e Ladainha ; 11 de junho de 2010. A pequena Ladainha, no Vale do Mucuri, respirava o clima de abertura da Copa do Mundo. As ruas estavam enfeitadas em verde e amarelo. Em meio à festa, R.O., de 23 anos, e o amigo H.C.V., de 26, se despediam dos parentes. Estavam partindo para uma viagem (1) que não tinha dia certo para terminar. Os jovens embarcaram para a Guatemala, onde eram aguardados por homens que os ajudariam na arriscada tentativa de atravessar a fronteira com o México dentro de embarcações e de lá, pretendiam entrar ilegalmente nos Estados Unidos. Faziam planos de trabalhar e juntar dinheiro. Sonhavam comprar casas e dar uma condição de vida melhor aos parentes no Brasil.

Uma semana depois, fizeram o primeiro contato com a família. Contaram que estavam presos em Houston, nos EUA, e precisavam de dinheiro para pagar fiança no Departamento de Imigração. Os parentes enviaram US$ 2 mil. Alguns dias depois, outro telefonema. Dessa vez, assustados, contaram que haviam sido sequestrados por coiotes (pessoas que ajudam migrantes ilegais a entrar nos EUA) que os abordaram ainda no aeroporto da Guatemala e só sairiam vivos do cativeiro se fosse enviado mais dinheiro. O pedido foi prontamente atendido e, na conta de um homem, cuja identidade não foi revelada, foram depositados US$ 3 mil. No dia seguinte, mais uma extorsão. O valor era de US$ 5 mil, o que também foi atendido.

Os rapazes passaram 41 dias como reféns, até que agentes do FBI conseguiram estourar o cativeiro. ;Eles apanhavam com pedaços de madeira. Os sequestradores falavam, a todo momento, que se a gente não atendesse as reivindicações deles, iriam matá-los;, contou I., ex-mulher de uma das vítimas, que preferiu não mostrar o rosto com medo de represálias. ;Tenho medo de que aconteça algo comigo e com o meu filho;, disse.

A dupla só foi libertada depois que a família denunciou o caso à polícia brasileira. Informações foram repassadas ao FBI, que, por meio de escutas telefônicas, conseguiu localizar o cativeiro. Os coiotes fugiram antes da chegada dos policiais. ;Eles (sequestradores) ligaram três vezes pedindo dinheiro. No total, enviamos US$ 10 mil, que conseguimos juntar vendendo uma moto e pegando dinheiro emprestado com amigos, mas os coiotes não cumpriram o combinado;, afirmou I.C., 30, irmão de uma das vítimas, que trabalha como motorista na zona rural da cidade.

Agora, R. e H. estão sob custódia da polícia nos Estados Unidos e são pressionados pelo FBI a revelar os nomes e a fazer o retrato falado dos dois coiotes, suspeitos de sequestrarem outros brasileiros. Se colaborarem com as investigações, têm a promessa de poderem ficar nos EUA. Caso contrário, serão deportados. ;Os dois não sabem o que fazer. Contraíram dívidas por causa desse sequestro e aqui no Brasil teriam que batalhar por um emprego para pagar os amigos. Mas, por outro lado, se ajudarem a identificar os coiotes, as pessoas que financiam a imigração ilegal podem fazer algo de ruim pra gente aqui no Brasil;, explica I., com medo.

Tortura psicológica
O sofrimento narrado pelos parentes dos dois moradores de Ladainha está longe de ser exceção. Há duas semanas, a Polícia Federal prendeu no Espírito Santo um homem, natural de Governador Valadares, acusado de chefiar uma organização criminosa especializada em levar pessoas clandestinamente para os EUA, passando pela Guatemala. As investigações da PF revelaram um detalhe sórdido: além de intermediar a entrada ilegal de imigrantes nos EUA, o suspeito extorquia os parentes no Brasil, mantendo as vítimas em cativeiro e submetidas à tortura psicológica e física.

A Guatemala, assim como Honduras, Porto Rico e até Cuba, se transformou em rota alternativa para migrantes ilegais tentarem entrar nos Estados Unidos a partir de 2005, quando o governo mexicano, sob pressão dos EUA, passou a exigir visto de entrada no país. Até então, os moradores do Vale do Rio Doce seguiam até o México e de lá tentavam atravessar a fronteira para o Texas ou o Arizona. Muitos tinham de cruzar o deserto e o Rio Grande para tornar realidade o sonho de morar e ganhar dinheiro na América.

Agora, a rota é mais longa, mais penosa e, em razão da ação das quadrilhas de coiotes, mais perigosa. A pessoa sai do Brasil, desembarca na Guatemala ou em outro país da região e fica à mercê dos bandidos. Em muitos casos, como contaram os amigos e parentes dos dois moradores de Ladainha, os planos de fazer a independência financeira fora do Brasil se transformam em pesadelo, com agressões, dívidas cada vez maiores e uma cela de prisão.

1 - Aventura cara
O custo da viagem não é nada barato. À medida que Estados Unidos e México adotaram medidas mais rígidas para impedir a entrada de imigrantes ilegais, o ;serviço; prestado pelos ;cônsules; e coiotes ficou mais caro. Enquanto nas décadas de 1980 e 1990, quando ainda não era exigido visto para entrada no México, o preço era de US$ 10 mil, em média, hoje, chega a custar US$ 20 mil.

O valor, de acordo com quem trabalha na ilegalidade, é para pagar a passagem de avião até a Guatemala, a hospedagem e a alimentação.

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