Brasil

Dúvida sobre o período que um bebê pode ficar com a mãe na cadeia sem prejuízo à criança persiste

postado em 10/08/2010 07:00
Entre as 17 mães que vivem no bloco C da penitenciária feminina do Distrito Federal, Adama Djalo pode se considerar uma privilegiada. Se, por um lado, não conhecer absolutamente ninguém no país faz a pena da africana de Guiné Bissau, presa por tráfico internacional de drogas, mais dura e solitária, por outro ela se beneficia de ficar ao lado do filho por um tempo maior. O rechonchudo Mohamed é o único bebê com mais de seis meses, idade-limite permitida no presídio, entre o grupo. Como Adama não tem com quem deixar o garoto de oito meses, ele permanece com ela. E a mãe é só alegria. Porém o caso suscita um dilema entre profissionais que lidam com a questão, dos operadores do direito a médicos e educadores: por qual período uma criança deve ser mantida dentro de um presídio em nome do vínculo com a mãe?

[SAIBAMAIS]Para o presidente do departamento científico de comportamento e desenvolvimento da Sociedade Brasileira de Pediatria, Ricardo Halpern, quanto mais tempo, melhor, mas desde que haja condições adequadas no estabelecimento. ;Se existem creches, possibilidade de convivência com outras crianças, um ambiente saudável e sem ameaças, diria que a convivência com a mãe deveria se estender no maior período possível. Infelizmente sabemos que as unidades prisionais são muito precárias;, afirma Halpern. O pediatra destaca que a mulher não pode ser penalizada, ao ser privada de ter o filho por perto, por estar presa. ;Ao contrário, ela está sob a tutela do Estado, então o Estado tem obrigação de oferecer as instalações adequadas;, critica o médico.

Um ano, na avaliação do diretor da subsecretaria do sistema penitenciário do DF, Adiel Teófilo, seria a idade ideal para o bebê ser retirado do presídio. ;Nesse período, a criança não tem tanta consciência do que se passa;, explica Adiel, que também é policial civil e conhece as dificuldades pelas quais os estabelecimentos passam. Na avaliação de Ana Cristina Alencar, coordenadora-geral de Reintegração Social e Ensino do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), é preciso avaliar caso a caso. ;Temos que pensar na saída menos pior para a mãe e para a criança. Claro que, mesmo que a criança seja retirada do ambiente prisional, o vínculo com a mãe em visitas e atividades diversas deve ser sempre preservado;, defende.

Estigma
Na opinião de Luciano André Losekann, juiz auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é utópico imaginar que os presídios brasileiros terão condições de oferecer um espaço adequado para as necessidades de crianças. ;Se nem das celas onde as mães cumprem a pena o Estado consegue cuidar, imagine fazer creches, com profissionais preparados para lidar com o desenvolvimento infantil. Além do mais, deixar meninos e meninas crescendo dentro de unidades prisionais, por melhores que elas sejam, é estigmatizá-los;, diz. O juiz destaca que a norma aprovada em 2009, ao estipular a data-limite de 7 anos para crianças permanecerem com as mães presas, choca-se com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que estabelece a alfabetização a partir dos seis. ;Essa é a minha interpretação e um exemplo de como as leis são feitas de forma atabalhoada no nosso país;, lamenta o magistrado.

Enxoval
As grades da penitenciária do DF fazem parte da vida de Ana Paula Barbosa desde que ela soube que ia ser mãe. ;Descobri que estava grávida numa terça. Na quarta, eu rodei;, conta a jovem de 23 anos, presa por tráfico de drogas. Na ala C da Colmeia, ela viu a barriga crescer, aprendeu com as colegas alguns truques da maternidade improvisada dentro de celas transformadas em quartos e preparou, na medida do possível, o enxoval.

Em aulas oferecidas por uma instituição de caridade para mães e gestantes presas, uma vez por semana, Ana Paula faz bordados e enfeites nas roupas de Yan, hoje com quase seis meses. Em poucos dias, o garoto terá de deixar o presídio e a companhia permanente da mãe. Para Ana Paula, o consolo vem da expectativa de sair do regime fechado no próximo mês. ;Aí vou poder ficar com ele;, explica.

No caso de Adama Djalo, a perspectiva é ser extraditada para Guiné Bissau em dezembro. Mas até lá ela tem garantia de que Mohamed, cujo pai não sabe de sua existência, ficará sempre perto. Flagrada transportando cocaína no aeroporto de Brasília, no início da gravidez, a africana nem imagina qual será a reação do namorado e da própria família quando ela retornar ao país de origem com o bebê nos braços. ;O pai de Mohamed é muçulmano e, por causa da religião, eles não aceitam filhos antes do casamento. Não sei o que vai acontecer;, preocupa-se a jovem de 20 anos, há um ano e sete meses presa na capital federal.

Nesse tempo, Adama fez amizades com as colegas de ala e aprendeu a apreciar o carisma das brasileiras. No bloco C, específico para gestantes e mães, quase todo mundo se ajuda. ;A roupinha que perde de um passa para o outro;, conta Ana Paula. Quando um bebê chora muito, mães mais jeitosas tentam acalmar a cria alheia. O clima é naturalmente mais leve que no restante da penitenciária, pela própria estrutura diferenciada até na parte arquitetônica.

A retirada da criança ao completar seis meses significa, além de saudade e preocupação, a ida das mães para as celas comuns ; mais apertadas, menos iluminadas. O policial Ney Robert Macedo, um dos funcionários responsáveis pela penitenciária, ressalta que a intenção da direção é melhorar ainda mais o espaço dedicado às mães. ;O projeto mais imediato que temos é construir uma área dentro do bloco onde incida luz durante o dia todo para que o bebê tenha acesso ao sol sem depender do horário do banho de sol.;

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