Luciane Evans, Luiz Ribeiro/Estado de Minas - Enviado especial
postado em 18/08/2010 07:00
;O que mata é o cobre, não a pinga.; A velha desculpa dos apreciadores da cachaça é também argumento e motivo de alerta na saúde pública. Com base em resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que proíbe o uso de utensílios de cobre na produção alimentícia, a Vigilância Sanitária de Minas Gerais, além de estar de olho na produção de doces mineiros no tacho, também está atenta à fabricação de outro patrimônio do estado: a cachaça artesanal. A bebida é produzida tradicionalmente em alambiques de cobre. Mas, de acordo com as autoridades sanitárias, o metal em contato com a bebida representa risco ao organismo se o teor ficar acima de cinco miligramas por litro, limite tolerado pelo Ministério da Agricultura. Ainda este ano, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) fará nova análise das aguardentes que estão no mercado mineiro, para avaliar a presença da substância. Mas as restrições ao mais tradicional método de destilação preocupam sobretudo pequenos produtores, como os da capital da cachaça, Salinas, no Norte de Minas, onde a proibição pode levar a maioria à falência.A proibição do uso de utensílios de cobre na produção alimentícia, presente em resolução da Anvisa de 2007, afeta praticamente todos os 8 mil produtores informais de cachaça em Minas, que respondem por um mercado estimado em 240 milhões de litros ao ano. Segundo a Associação Mineira dos Produtores de Cachaça de Qualidade (Ampaq), o volume é equivalente à produção anual dos 900 fabricantes registrados no estado, que por sua vez respondem por 60% de toda produção formal no Brasil da cachaça de alambique artesanal. Segundo a Ampaq, 99% de todos os produtores no estado, formais ou informais, usam alambiques feitos com o metal. A diferença é que, no caso das aguardentes registradas, processos industriais de filtragem garantem que o teor de cobre fique dentro do limite permitido.
;O que a Anvisa recomenda é que o cobre seja revestido por níquel, ouro ou prata. Em 2004, fizemos análises no mercado e constatamos que muitas cachaças estavam com teor de cobre acima do estabelecido. A pesquisa foi repetida em 2005, 2006 e 2007. Este ano, já fizemos algumas análises e, naquelas examinadas, o teor está dentro dos limites. Até o fim do ano vamos analisar outras marcas em uma região do estado;, afirma, sem revelar detalhes, a coordenadora de Registro e Cadastro de Alimentos da Secretaria de Estado da Saúde, Joana Dalva de Miranda, explicando que, as marcas que estão irregulares são interditadas e o Ministério da Agricultura é avisado.
Ainda que a resolução da Anvisa permita o uso de utensílios de cobre, desde que eles sejam revestidos, produtores de cachaça garantem que, pela forma tradicional de fazer a bebida, o alambique tem que ser de cobre e sem revestimento. ;O recomendado para uma pinga de qualidade é que o alambique seja feito com esse material, pois é ele que dá o aroma e o sabor ideais da bebida. Dos 8 mil produtores em Minas, há 900 registrados no Ministério da Agricultura, ou seja, são produtores com preocupação com a qualidade do produto que estão oferecendo;, afirma o presidente da Ampaq, Alexandre Wagner da Silva, para quem a fiscalização deveria recair sobre o mercado informal.
A alma do negócio
O professor de tecnologia de alimentos José Benício Chaves, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), diz que o uso de cobre nos destiladores de cachaça e de outras bebidas é importante para dar qualidade às doses, já que há no processo reações químicas que produzem substância aromáticas que conferem o gosto característico que o consumidor aprecia. ;O grande problema é que, em muitas fábricas, o pessoal tem dificuldade de fazer a higiene do destilador. E, se formos fazer um levantamento da situação, o índice de higienização inadequada será alto;, diz, explicando que muitos produtores usam um filtro de resina de troca iônica depois que a pinga é passada pelo alambique.
;Mas esse recurso visa a corrigir os defeitos, ou seja, retirar o excesso de cobre da bebida. Em uma cachaça com 15 miligramas do metal, por exemplo, com a filtragem ficam 2,3 miligramas;, exemplifica o professor, acrescentando que o grande segredo para reduzir a presença da substância na cachaça é, assim como é feito nos tachos pelas doceiras, a limpeza com alguma solução ácida. ;Tem que haver o mesmo cuidado que uma cozinheira de quitetutes tem ao usar o tacho, que deve estar sempre limpo. Há muitos produtores responsáveis, mas há aqueles que têm um sistema precário de produção. Por isso, essa resolução da Anvisa é extremamente importante, pois estamos falando de saúde pública;, afirma.
Há 25 anos no mercado, a tradicional cachaça mineira Vale Verde foi uma das primeiras a usar a filtragem no momento da produção, sem abrir mão do alambique de cobre. ;Não temos revestimento nenhum no alambique, pois é ele que favorece a produção de compostos que dão aroma às pingas;, defende o gerente operacional da Vale Verde, Rafael Horta. Segundo ele, mesmo sem o filtro de resina, há condições de trabalhar a cachaça para que o cobre do alambique não seja absolvido por ela. ;Tem que estar bem lavado o alambique. Aqui, a lavagem é feita todos os dias. O nosso teor de cobre é de 0,1 miligrama por litro, muito abaixo do recomendado pelo ministério.;
Hemorragia
Em nota, a Anvisa esclarece que cobre é um micronutriente essencial e efeitos adversos à saúde são relacionados tanto à deficiência quanto ao excesso. A primeira situação estaria relacionada à anemia, neutropenia (diminuição do número de neutrófilos, a célula branca mais importante no sangue) e alterações ósseas, mas as evidências clínicas de deficiências desse micronutriente são pouco frequentes em humanos. ;Os efeitos relacionados ao excesso desse nutriente são: gosto metálico na boca, dor na parte alta e central do abdômen, dor de cabeça, náuseas, tonturas, vômitos e diarreia, taquicardia, dificuldade respiratória, anemia hemolítica, hematúria (sangue na urina), hemorragia digestiva maciça, insuficiência renal, insuficiência hepática e morte.;