Brasil

Congresso discute PEC que transforma agentes penitenciários em corporação

Tema é polêmico e causou até pancadaria

postado em 18/08/2010 08:11
No último esforço concentrado do Congresso Nacional antes das eleições, um acordo entre os líderes partidários pode garantir a votação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) recheada de polêmicas. Prevista para entrar hoje na pauta da Câmara dos Deputados, a PEC n; 308/2004, que transforma agentes penitenciários em policiais penais no Brasil, causou tumulto e até pancadaria ontem nas dependências da Casa. Onze ônibus trouxeram profissionais dos quatro cantos do país para reivindicar a aprovação da matéria. Em outra frente, pelo menos 25 entidades ligadas ao tema da Justiça e dos direitos humanos no país divulgaram manifesto contrário e fizeram contato com parlamentares para dissuadi-los da votação. Ao governo federal, que já tornou público seu descontentamento com a proposta, só resta lamentar.

[SAIBAMAIS];Já nos manifestamos contrários, mostramos que essa ideia é absurda e representa um atraso institucional. Não existe nada parecido no mundo. Então, se mesmo assim vão votar, fazer o quê?;, resigna-se Airton Michels, diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça. Apesar das lamentações, o relator do projeto, deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), garante que existe acordo para aprovar a matéria hoje, com a apresentação de um novo texto. É que a proposta original trazia, além da criação da Polícia Penal, suas atribuições, entre elas investigação dentro das prisões, captura de foragidos e combate ao narcotráfico direcionado às cadeias. ;Não havia consenso, então fui procurado por agentes de várias cidades para fazer uma nova redação, que apenas cria a Polícia Penal. O funcionamento será resolvido por lei complementar;, afirma o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), autor do novo texto.

Para Teixeira, que concordava com a redação anterior, a saída foi a possível. ;Em busca do ótimo, a gente perde o bom;, filosofa o parlamentar. Não é essa, entretanto, a avaliação do presidente da Associação Brasileira de Ciências Criminais (IBCCrim), Sérgio Mazina Martins. ;Se dentro do próprio Congresso não há consenso sobre as atribuições dessa nova polícia, por que criá-la? A questão tem que ser debatida não só com os agentes, em âmbito corporativista. Mas sim com os operadores da Justiça, com as universidades, com as outras polícias.;

João Rinaldo, presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional de São Paulo (Sifuspesp), onde estão quase 30 mil dos 100 mil agentes penitenciários do país, pensa diferente. ;Sermos reconhecidos na Constituição nos dará força para exigir uma capacitação melhor. Hoje, o curso que recebemos ao ingressar na carreira é muito fraco;, alega Rinaldo. Presidente do Sindicato dos Técnicos Penitenciários do Distrito Federal, Gustavo Alexim defende a aprovação da matéria, enfatizando que o trabalho seria feito de uma forma melhor. ;Hoje, ficamos muito amarrados e dependendo das forças policiais para atividades simples, como recaptura de presos e questões disciplinares;, enumera.

Agentes da lei
Conheça as atribuições das corporações existentes no país:

Polícia Militar
Faz o policiamento ostensivo para prevenir a ocorrência de crimes e manter a ordem pública. Cada estado e o Distrito Federal tem a sua corporação.

Polícia Civil
Tem a tarefa de apurar crimes, por meio de inquéritos, exceto as infrações de natureza militar. Também é ligada aos estados e ao Distrito Federal.

Polícia Federal
Mantida pela União, apura infrações contra a ordem política e social de interesse da União. Ou ainda crimes de repercussão interestadual e internacional. Cuida também do tráfico de drogas, contrabando e infrações tributárias. Emite passaportes e atua nas fronteiras.

Polícia Rodoviária Federal
Faz o patrulhamento das rodovias federais, atuando na questão do ordenamento do trânsito e também no combate ao contrabando, ao tráfico de drogas e à prostituição.

Polícia Legislativa
Trabalha no Senado e na Câmara dos Deputados em atividade ostensiva para manter a ordem e zelar pelo patrimônio. Também apura infrações penais ocorridas nas dependências das duas Casas.

Polícia do Exército
Responsável por zelar o cumprimento dos regulamentos militares. Atua apenas no âmbito das Forças Armadas.

Polícia Ferroviária Federal
Atua no patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.

Acampados no salão

A decisão de suspender a sessão no plenário da Câmara dos Deputados, ontem, foi o estopim para uma confusão entre os agente penitenciários e a Polícia Legislativa da Casa. Frustrados com a paralisação dos trabalhos pelos parlamentares ; que devem retomar a discussão hoje à tarde ;, os manifestantes que vieram de diferentes estados para acompanhar a votação da PEC n; 308/2004 decidiram acampar no Salão Verde, apesar da tentativa da polícia de impedi-los.

;O bicho pegou. Houve empurrões. Fernando Anunciação, presidente do sindicato de Mato Grosso do Sul, levou uma gravata da polícia daqui. Está com dores no pescoço. Mas vamos permanecer;, diz João Rinaldo, presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional de São Paulo. Segundo ele, os agentes chegaram ao extremo devido ao cansaço. ;Estamos fazendo caravanas aqui regularmente. Só neste mês, é a segunda. Então nos desanimamos ao saber da suspensão da sessão;, explica.

Além dos agentes penitenciários, policiais e bombeiros acamparam nas dependências da Câmara dos Deputados ontem, totalizando cerca de 600 pessoas. Isso porque há uma outra PEC, a de n; 300, de 2008, propondo um piso salarial para as duas categorias. Além disso, a matéria define a criação de um fundo com recursos da União para ajudar os estados a custearem o aumento nas remunerações.

A despeito de toda a confusão de ontem, Tamara Melo, advogada do ONG Justiça Global, engrossa o coro dos contrários à criação da Polícia Penal. ;Não é assim que terão condições melhores de trabalho. Além disso, abre espaço para tortura e corrupção. Só agravará a natureza fechada e corporativista do sistema prisional;, diz. Gustavo Alexim, sindicalista do DF, não concorda: ;Essas questões vão da índole. Queremos um controle externo do MP forte e apurações rígidas para eventuais desvios de conduta;.

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