postado em 19/08/2010 07:33
O maior processo por trabalho escravo no Brasil resultou ontem na condenação ao pagamento de R$ 5 milhões pela utilização de trabalho forçado de cerca de 180 trabalhadores ; entre eles nove adolescentes e uma criança. A Construtora Lima Araújo Ltda., sediada em Alagoas, foi condenada à indenização por dano moral coletivo pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). O crime ocorreu nas fazendas Estrela de Alagoas e Estrela de Maceió, de propriedade da construtora.O Tribunal Regional do Trabalho da 8; Região (PA) definiu o valor da multa em resposta a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho ; que inicialmente havia pedido uma indenização de R$ 85 milhões. A construtora acionou o TST para a revisão do valor, mas ele foi mantido por unanimidade pela 1; Turma. Por meio de nota, a construtora definiu a ação como ;absurda;, e informou que irá recorrer à decisão devido à improcedência da acusação. ;Na verdade, nossa defesa está substanciada com farta documentação, que não deixa dúvidas que em momento algum praticamos ;trabalho escravo;. Na verdade por trás desta cortina de acusação existem outros interesses;, afirmou a empresa.
Esta, porém, não é a realidade observada pelas políticas de combate ao trabalho escravo (1). De acordo com o TST, as fazendas, localizadas em Piçarra, no sul do Pará, foram alvo de cinco fiscalizações de equipes do grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, entre 1998 e 2002, que geraram 55 autos de infração. Ao confirmar a condenação, o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, relator do processo no TST, ainda destacou que as ;empresas reclamadas; também foram fiscalizadas pela Delegacia Regional do Trabalho e que, em todas elas, foram constatada a existência de trabalhadores em condições análogas à de escravo. ;A punição estabelecida pelo tribunal tem sentido pedagógico. Em pleno século 21, não se pode conceber esse tipo de tratamento ao ser humano. E de acordo com nossa documentação, era indiscutível a caracterização do trabalho forçado;, afirmou ao Correio o ministro Vieira de Mello Filho.
De acordo com o processo, as infrações cometidas pela construtora incluem: não fornecer água potável; manter empregados em condições sub-humanas e precárias de alojamento, em barracos de lona e sem instalações sanitárias; não fornecimento de materiais de primeiros socorros; manter empregado com idade inferior a 14 anos; existência de trabalhadores doentes sem assistência médica; limitação da liberdade para dispor de salários; ausência de normas básicas de segurança e higiene; não efetuar o pagamento dos salários até o quinto dia útil do mês; deixar de conceder o descanso semanal remunerado de 24 horas consecutivas; e venda de equipamentos de proteção individual.
A Construtora Lima Araújo já foi alvo de outras duas ações coletivas, que resultaram no pagamento de indenização moral coletiva de R$ 30 mil. Já o ministro do TST Lelio Bentes Corrêa enfatizou a importância do julgamento de ontem: ;Fica a expectativa de que essa situação sirva de exemplo a outras pessoas, no sentido de que a Justiça do Trabalho não vai tolerar esse tipo de situação. Estamos em um país desenvolvido economicamente, com condições tecnológicas que poucos países do mundo possuem. Precisamos aprimorar nossas relações sociais;, disse.
1 - Servidão
O Tribunal Superior do Trabalho estima que 40 mil pessoas estão submetidas ao trabalho escravo no Brasil. Já a Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego informa que, de 1995 a 11 de maio deste ano, 37.205 trabalhadores foram resgatados de situações de trabalho forçado, servidão por dívida, jornada exaustiva e/ou trabalho degradante.
Ouça trechos das entrevistas com os ministros Vieira de Mello Filho e Lelio Bentes Corrêa
; O que diz a lei
O artigo 149 do Código Penal determina uma pena de reclusão, de dois a oito anos, além de multa e pena correspondente à violência, o ato de ;reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto;. A penalidade ainda é atribuída a quem: cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador e mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, ambos com o fim de retê-lo no local de trabalho. A pena ainda deve ser aumentada se o crime foi cometido contra criança ou adolescente, ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
O Brasil também é signatário da Convenção n; 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1930, que define sob o caráter de lei internacional o trabalho forçado como ;todo serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.; A convenção proíbe o trabalho forçado em geral, incluindo, mas não se limitando à escravidão. De acordo com a organização, o trabalho escravo se configura pelo trabalho degradante aliado ao cerceamento da liberdade.