postado em 25/08/2010 08:38
Por trás dos episódios de envio de lixo doméstico para o Brasil, a partir de países da Europa, está um esquema que vem se aproveitando da grande demanda brasileira por plástico para reciclagem e das facilidades para o polímero de etileno ; termo industrial do produto ; entrar no país. Nos casos de exportação de lixo para o Brasil descobertos até agora, resíduos que não são reaproveitados pela reciclagem foram colocados no lugar de plástico reciclável dentro dos contêineres transportados por navios da Europa aos portos brasileiros.Apenas 20% do plástico consumido pelos brasileiros é reciclado e, por isso, a indústria da reciclagem prefere importar o material. Por falta de matéria-prima, a indústria trabalha com 30% de sua capacidade ociosa. Ao importar plástico, em vez de polímero de etileno, contêineres chegaram carregados de lixo.
O último carregamento, produzido provavelmente na República Tcheca e exportado da Alemanha para o Brasil, foi mandado de volta à sua origem no sábado, 21. Um contêiner lotado de resíduos descartáveis chegou ao Porto de Rio Grande (RS), num esquema muito semelhante ao do ano passado, quando 89 contêineres ; carregados com 1,64 mil toneladas de lixo ; aportaram em três cidades brasileiras. O lixo era proveniente da Inglaterra.
Nos dois casos, a carga deveria ser de plástico para reciclagem, como declararam os exportadores e os compradores responsáveis pelo negócio. Técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ouvidos pelo Correio suspeitam que o contêiner devolvido à Alemanha na semana passada pode ter sido um teste, uma forma de saber se, depois do episódio com o lixo da Inglaterra, novos carregamentos voltariam a entrar no Brasil.
A exportação de lixo doméstico para o Brasil só é possível por causa da conjunção de alguns fatores. O primeiro deles é a incapacidade de os municípios brasileiros estimularem a coleta de resíduos que podem ser reciclados, em especial o plástico. O produto tem um dos menores índices de reciclagem: apenas 21,2% foram reaproveitados em 2008 ; latas de alumínio, por exemplo, são quase 100% recicladas no Brasil. O índice eleva os preços da matéria-prima para a indústria, que prefere importar o plástico. Em 2006, foram importadas 297,2 toneladas de plástico, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. No ano passado, a importação subiu para 2,2 mil toneladas, um aumento de 631%.
Esse interesse maior pelo plástico motivou empresas de reciclagem de outros países ; principalmente da Europa ; a colocarem em prática um esquema que vai bem além da venda de polímero de etileno para o Brasil. Com o plástico, ou até mesmo sem a presença do material, são exportados resíduos inúteis para a reciclagem. O que aparece na descrição do produto é ;desperdícios, resíduos e aparas de polímeros de etileno;. Pelo menos nas cargas oriundas da Alemanha e da Inglaterra, o que havia era lixo produzido por europeus.
A Receita Federal não confere um tratamento específico para o plástico importado, segundo os técnicos do Ibama ouvidos pelo Correio, o que estaria facilitando a entrada de lixo doméstico no Brasil. A Receita fiscaliza contêineres por amostragem. O Ibama é acionado quando há alguma suspeita de irregularidade. ;Material para reciclagem sempre desperta alguma desconfiança;, diz um desses técnicos.
Toneladas
O plástico não é o único produto importado pelas indústrias de reciclagem. Somente em 2008, o país importou 20 mil toneladas de aparas de papel, enquanto exportou apenas 3,5 mil toneladas.
O diretor-executivo do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), André Vilhena, sustenta que ;não há problema; na importação de plástico, desde que não seja enviado lixo com o material reciclável.
O presidente da Plastivida Instituto Socioambiental dos Plásticos, Francisco de Assis Esmeraldo, atribui a origem do problema às falhas da coleta seletiva no Brasil. ;A falta de coleta seletiva e, portanto, de matéria-prima a ser reciclada é que abre espaço para a importação ilegal de lixo.;
Jogo que cheira mal
A interceptação de uma carga de 22 toneladas de lixo no Porto de Rio Grande (RS), no início deste mês, resultou em notificação e multa, no último dia 13, no total de R$ 1,9 milhão. A multa foi aplicada pelo Ibama à transportadora Hanjin Shipping (R$ 1,5 milhão) e à empresa importadora de Esteio (RS) Recoplast Recuperação e Comércio de Plástico (RS 400 mil). A carga veio irregularmente da Alemanha, com lixo doméstico urbano ; no lugar, eram esperadas ;aparas de polímeros de etileno;, os resíduos de processos industriais reutilizados por empresas de reciclagem. Ao aplicar a multa à importadora, o Ibama deixa claro que considera a hipótese de as importadoras estarem recebendo dinheiro para acolher o lixo alheio.
;A importadora vai entrar na defesa dizendo que pediu uma coisa e recebeu outra. Mas não sei se ela não está recebendo dinheiro justamente por receber o lixo;, disse ao Correio o Diretor de Qualidade Ambiental do Ibama, Fernando Marques. A justificativa oficial da multa, no entanto, foi ;por importar resíduos sólidos domiciliares de origem estrangeira, produtos perigosos à saúde pública e ao meio ambiente, em desacordo com a legislação vigente;.
O proprietário da Recoplast, Daniel Marcon de Carvalho, afirma que a multa aplicada pelo Ibama foi arbitrária: ;Em momento algum, a empresa teve intenção de trazer resíduo que a legislação não permitisse. Vamos recorrer;. Na carga, foram encontradas embalagens de produtos de limpeza, fraldas descartáveis e diversos resíduos contaminados.
Inglaterra
O caso mais notório de exportação ilegal de lixo para o Brasil aconteceu em junho de 2009, quando cerca de duas mil toneladas de lixo vindas da Inglaterra foram interceptadas nos portos de Rio Grande, Caixas do Sul (RS) e Santos (SP).