Brasil

Código de Ética prevê a possibilidade de paciente terminal abrir mão de certos procedimentos

postado em 27/08/2010 09:30

No país há apenas dois hospitais especializados no atendimento paliativo de pacientes com doenças crônicas sem possibilidade de cura, o Hospital de Apoio de Brasília (HAB) e o Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE). Juntos, eles têm capacidade para apenas 29 leitos. Nessas instituições os pacientes recebem tratamento permanente de profissionais que permitem a essas pessoas viver seus últimos dias sem dor, sem procedimentos invasivos e com dignidade. Diferente da realidade da maioria das unidades de saúde do país.

Sandra acompanha sua mãe de leite, diagnosticada com câncer no pâncreas em estado avançado, no Hospital de Apoio: O Conselho Federal de Medicina, por meio do novo Código de Ética Médica, que entrou em vigor em abril deste ano, quer ampliar o uso do tratamento paliativo. Para o vice-presidente do Conselho, Carlos Vital, o instrumento chama a atenção dos profissionais para a possibilidade de, se for essa a vontade do paciente, abrir mão de procedimentos extraordinários, desproporcionais e incompatíveis com a dignidade humana. Chefe da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital de Apoio de Brasília, Anelise Pulschen defende que a vontade dos pacientes deve ser atendida. ;As pessoas podem ter autonomia de optar por não querer sofrer intervenções cirúrgicas que não vão curar sua doença, ou passar por exames dolorosos e invasivos que apenas dariam sobrevida, sem conforto;, conta. Para discutir esse tema e incentivar o uso do documento conhecido como testamento vital no Brasil, o CFM organizou o I Fórum sobre Diretivas Antecipadas de Vontade. O evento, que teve início na tarde de ontem, reúne profissionais da área médica e jurídica em São Paulo.

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Diaulas Ribeiro é a favor da viabilidade legal do documento com as diretivas antecipadas de vontade, o testamento vital. ;Não há nenhuma barreira jurídica para a execução do recurso, mas existe dificuldade cultural no uso desse instrumento tanto pela população quanto pela equipe médica;, esclarece. De acordo com o especialista, para a elaboração do documento é necessário apenas formalizar os desejos de limitação de tratamento por escrito e assinar. ;O ideal é converter com antecedência essa declaração em escritura pública com firma reconhecida em cartório e colher a assinatura de duas testemunhas, mas, se não for possível, o simples registro dessas informações no prontuário médico já funciona como documento legal;, explica.

A médica Anelise: %u201CAs pessoas aceitam a morte como um fim inevitável%u201DPulschen defende que o tratamento paliativo, com procedimentos médicos, suporte familiar e espiritual, tranquilidade, carinho e a presença de um médico para transmitir segurança, oferece melhor condição de qualidade de vida para os pacientes com diagnóstico terminal. ;Insistir na cura da doença dessas pessoas prolonga o sofrimento delas. Em muitos casos os pacientes morrem com dores derivadas de inúmeras intervenções, sozinhos numa unidade de terapia intensiva;, lamenta. Vital esclarece que esse tipo de tratamento nada tem a ver com eutanásia ou suicídio assistido. ;Com o testamento vital, o paciente vai poder optar por não ser submetido a métodos desproporcionais que prolongam a vida, transformando o direito à vida em um dever de sobrevivência;, conta.

;Mas também não é uma desistência. As pessoas simplesmente aceitam a morte como um fim inevitável e geralmente aproveitam esse momento para resgatar valores que se perderam ou resolver questões pessoais que estavam pendentes. É uma possibilidade de despedida;, diz Pulschen. A especialista já acompanhou diversas histórias de pacientes e acredita que o luto da perda sofrido pela família, quando protegido pela estrutura de acolhimento do hospital, se torna um rito de passagem mais humano e menos doloroso.

A servidora pública Sandra Rodrigues, 42 anos, acompanha sua mãe de leite e tia de sangue no Hospital de Apoio de Brasília. Depois do diagnóstico de câncer no pâncreas já em estado avançado e sem possibilidade de cura, a tia-mãe de Sandra ficou uma semana internada em hospital comum. ;Ela chegou a passar dois dias recusando comida, estava triste e disse que preferia morrer logo a ficar sofrendo no leito coletivo do hospital, onde era submetida a exames periódicos e medicamentos que não queria tomar;, conta. ;Depois que viemos para cá ela se alimenta, não sente dor e espera em paz a hora dela chegar;, diz. O HAB atende cerca de 30 pacientes por mês com quadro de irreversibilidade atestado. Além dos idosos, a instituição cuida de crianças com câncer em fase terminal.

Carlos Vital, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, explica as mudanças previstas no Novo Código de Ética Médica, já em vigor


"O princípio do nosso trabalho é a aceitação da morte e a valorização da vida;, conta Pulschen. Para a especialista os médicos são formados com base na ideia de salvar vidas, então encaram a morte como uma derrota. ;É fundamental trabalhar melhor esse conceito, para que a morte deixe de ser um tabu na comunidade médica;, diz. Outro problema enfrentado pelos doentes crônicos terminais é a reação da família. ;Muitas vezes o paciente não está em condições de fazer as próprias escolhas, seja por impossibilidade de fala ou fraqueza extrema. Nessa hora o testamento vital garante a autonomia desse paciente e indica as diretrizes para a forma de como a equipe médica pode agir, respeitando suas vontades;, diz Vital.

Proposta para encerrar greve
A Associação Nacional dos Médicos-Residentes (ANMR) apresentou ontem ao Ministério da Educação uma proposta de reajuste da bolsa auxílio de forma parcelada. Para encerrar a greve, que dura nove dias, os profissionais estão dispostos a aceitar o aumento imediato de 28,7% e 10% em setembro do ano que vem, o que totaliza a porcentagem de 38,7% exigida pela categoria. Na semana passada, a categoria rejeitou o reajuste de 20% oferecido pelo governo. Segundo o presidente da ANMR, Nívio Moreira Júnior, a nova proposta é um sinal de que a categoria está aberta à negociação e quer terminar a greve. O Ministério da Educação informou que não tem um prazo para tomar a decisão, já que precisa consultar os representantes do Ministério da Saúde.

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