postado em 04/09/2010 07:00
No país onde dentadura virou símbolo de promessa eleitoral, há uma legião de pessoas castigadas por doenças bucais graves. A falta de todos os dentes, que atinge 15% da população brasileira, é consequência de um problema bem anterior: a cárie. Seis entre 10 crianças de até cinco anos têm pelo menos um dente cariado. Nos adolescentes, a média é de 6,2 dentes, subindo para 20,1 nos adultos. Idosos apresentam praticamente toda a dentição afetada: 27,8. Tais informações foram debatidas ontem, em Salvador (BA), durante evento (1)intitulado Aliança global para um futuro sem cárie. Embora o Ministério da Saúde aguarde com otimismo a conclusão de um novo levantamento sobre a situação, Gilberto Pucca, coordenador nacional de saúde bucal da pasta, reconhece que ainda há um grande ;passivo; a ser atendido. Gilberto Pucca, coordenador nacional de saúde bucal do Ministério da Saúde, fala sobre o Programa Brasil Sorridente
;A falta de serviços nessa área é histórica no Brasil. Até pouco tempo, as pessoas achavam comum que idosos não tivessem nem um dente na boca. Então teremos que trabalhar muito para lidar com esse passivo;, afirma Pucca. O principal programa do governo federal, Brasil Sorridente, colocou 19.100 equipes de saúde bucal, integradas ao Programa Saúde da Família, na ativa. O índice de cobertura gira em torno de 75 milhões de pessoas. ;Como nossa meta é oferecer atendimento a 100% da população, ainda temos cerca de 60% para expandir;, diz Pucca. O principal fator para garantir essa ampliação, segundo ele, está no financiamento ; em torno de R$ 700 milhões anuais. ;Precisamos de mais recursos;, afirma. Outra frente de tratamento são os 850 Centros Especializados Odontológicos, onde são feitos serviços de alto grau de complexidade, como canais e implantes.
Apesar dos esforços do governo federal e de secretarias estaduais e municipais de saúde, atrair os profissionais para o serviço público é difícil, segundo Newton Miranda de Carvalho, presidente da Associação Brasileira de Odontologia. ;Os salários não são muito atrativos. Então temos hoje 80% dos dentistas na área governamental também trabalhando como (profissional) liberal;, diz Carvalho. De acordo com ele, vem daí uma contradição forte relacionada ao Brasil, onde se tem o maior número de graduados em odontologia (cerca de 20% dos profissionais de todo o mundo) e uma população com índices baixos de atendimento. Além do tratamento, afirma Carvalho, é preciso focar esforços prevenção. Atualmente, no Brasil, 13,4% das pessoas de 15 a 19 anos nunca foram a um dentista.
Embora mais jovem, com apenas 7 anos, Lairy Coelho vive a mesma situação. A menina está na lista de espera do serviço odontológico do Centro de Saúde 2 do Itapoã, no Entorno do Distrito Federal, onde mora, há um ano. A mãe de Lairy, Keila Pinto Coelho, foi informada que os dentistas precisariam radiografar a boca da filha para iniciar o tratamento. Há quatro meses, a dona de casa de 31 anos pagou pelo serviço em um consultório particular. ;O dente dela já está totalmente destruído. Eu queria ter feito o tratamento logo, mas não tinha dinheiro;, lamenta Keila. Embora tenha entregue a radiografia há seis meses, aproximadamente, Lairy continua esperando. ;Tem vezes que dói;, diz a garota, enquanto mostra o pré-molar escurecido pela cárie em estágio avançado. Gerente do Centro de Saúde 2, Suderlan Sabino afirma que esta semana chegaram dois dentistas, totalizando agora cinco profissionais. ;Temos uma lista de 3 mil pessoas aguardando, agora acredito que vamos diminuir essa espera;, diz.
Água
Embora a adição de flúor na água conste de uma lei federal de 1976, apenas 60 milhões de brasileiros (30% do total) são contemplados com o bem de maior qualidade. Para incentivar o cumprimento da legislação, o Ministério da Saúde tem oferecido mais recursos, via Fundação Nacional da Saúde, para cidades que queiram se adequar. O Distrito Federal é uma das unidades da Federação onde a lei é realidade. ;Temos conseguido firmar acordos com as empresas de abastecimento para que a fluoretação ocorra;, diz Gilberto Pucca, coordenador nacional de saúde bucal do Ministério da Saúde. De acordo com ele, pesquisas já comprovaram que cidades onde a água tem flúor conseguem diminuir pela metade a incidência de cárie, por fortificar os dentes.
Apesar disso, há discussões, inclusive dentro do Congresso Nacional, com projetos para tentar vetar a fluoretação da água. Mas associações científicas e médicas são favoráveis ao método. Newton Miranda de Carvalho, presidente da Associação Brasileira de Odontologia, lembra, entretanto, que não é só o flúor a única forma de prevenção. ;Primeiro a higienização dos dentes de forma correta e assídua. O uso de fio dental é uma segunda recomendação. E a visita periódica ao dentista. A dieta das pessoas também contribuem muito para a saúde dos dentes. Carboidratos e açúcar, por exemplo, são muito prejudiciais e incentivam a cárie;, destaca Carvalho.
Ação conjunta
Representantes de diversos países participaram do evento Aliança global para um futuro sem cárie, realizado ontem em Salvador (BA). O objetivo é firmar estratégias e trocar experiências sobre atendimento odontológico público e de qualidade. Com o lema ;Saúde bucal como direito de todos. Desafios locais, soluções globais;, o encontro teve como parceiro brasileiro o Ministério da Saúde.