Brasil

Filhos de gestantes mortas durante ou após o parto sofrem com falta da mãe

postado em 07/09/2010 07:45

;Tomei todas as decisões na minha vida sem ter a quem perguntar: o que você acha?; Cuidar da casa até os 16 anos de idade, trabalhar fora desde então e tomar conta da irmã mais nova não incomodaram tanto Greice Josiane de Melo, 26 anos, quanto não ter a mãe por perto para eliminar suas incertezas: ;O que você acha?;

Dezesseis anos atrás, quando a taxa de mortalidade materna no Brasil era de 123 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos (quase o dobro da taxa atual), Greice perdeu a mãe e o irmão recém-nascido em uma maternidade de Porto Alegre (RS). Maria Otília de Melo, 44 anos, deixou 10 órfãs. O 11; filho ; um menino ; era a realização de um sonho antigo, depois de 10 meninas, entre elas Greice Josiane. Maria Otília morreu após 13 dias em coma.

Oito filhas nasceram de um primeiro casamento de Maria Otília. Ela se separou, casou-se com José Carlos Varme, 48 anos. Juntos, eles tiveram Greice Josiane e uma 10; filha, quatro anos mais jovem que Greice. Depois de suspender a pílula anticoncepcional por problemas de saúde, Maria Otília engravidou novamente. Um menino, finalmente. A gravidez era de risco, Maria Otília tinha diabetes e não descuidou da saúde. ;Ela se tratou com um obstetra fixo;, conta Greice.

Marina teve pré-eclâmpsia e morreu seis horas depois do partoO nascimento aconteceu depois de dois meses de internação. No dia do parto, o obstetra não estava no hospital e o procedimento foi demorado. ;Lamento dizer, mas sua esposa está morrendo;, foi o que José Carlos ouviu do médico que atendeu sua mulher. ;O que aconteceu com sua esposa e seu guri não deveria ter acontecido. Foi uma falha do parto;, teria dito outro médico. José Carlos deixou o hospital sem a mulher e sem o filho.

José Carlos não quis reivindicar reparação na Justiça pelo que ocorreu com a mulher e o filho. Repetiu às filhas pequenas que o dinheiro de uma indenização serviria para comprar um sofá, por exemplo, e que, toda as vezes que se sentasse nele, lembraria da circunstâncias das duas mortes.

Greice trabalha numa rede de farmácias em Porto Alegre, ajuda o pai em casa, toca a vida sem a mãe. Como ela, centenas de meninos e meninas ; ou até milhares, levando em conta números não oficiais ; ficam órfãos todos os anos no Brasil por causa do alto índice de mortalidade materna.

Sem ajuda
Não há qualquer ajuda do governo a esses órfãos, segundo a decoradora Carmem Regina Medeiros Carneiro, 52 anos. Ela chegou a fundar, em Porto Alegre, uma associação de familiares e amigos de vítimas de morte materna, mas a iniciativa não vingou por causa das dificuldades de entrar em contato com as famílias e da inexistência de dados concretos e individuais sobre os casos de mortalidade materna. A filha de Carmem, Marina Carneiro, teve pré-eclâmpsia e morreu aos 23 anos, seis horas depois do nascimento de Manuela.

;Minha maior preocupação é com os órfãos da mortalidade materna. Nunca houve respostas do governo;, diz Carmem. ;A maioria das mulheres mortas é pobre e tem mais de um filho. As famílias acabam doando essas crianças.; Segundo a decoradora, o Ministério da Saúde chegou a prometer a ela levantamentos anuais sobre os órfãos da mortalidade materna, o que nunca chegou a ser feito. A neta de Carmem é criada pelo pai.

[SAIBAMAIS]Edivânia Teixeira de Oliveira, 30 anos, chegou a ver a filha, Bianca, logo após o parto. ;Ela viu, pegou a menina e a beijou;, conta a mãe de Edivânia, Edinalva Teixeira de Oliveira, 64 anos. A jovem morreu poucas horas depois, vítima de infecção. Segundo a mãe, a sugestão dos médicos era que a filha fizesse o parto aos sete meses de gravidez em razão de complicações na gestação. Edivânia insistiu em ir até o nono mês. Bianca tem cinco anos hoje e mora com o pai em João Pessoa (PB).

Uma sequência de mortes maternas na capital paraibana, no ano em que Edivânia morreu, levou à assinatura de um termo de ajustamento de conduta (TAC) entre as secretarias municipal e estadual de Saúde e o Ministério Público do estado. Em um mês, cinco gestantes morreram. O TAC propôs o monitoramento das mortes e a adoção de medidas para evitá-las.

Nos últimos cinco anos, 109 mulheres morreram por complicações na gestação na Paraíba, principalmente em João Pessoa e em Campina Grande. ;Essas mulheres chegam de outros municípios em transporte precário e morrem nas duas cidades sem assistência adequada;, diz Lúcia Lira, do Instituto Cunhã, ligado à Rede Feminista de Saúde.

Ministério: mortes vão diminuir

O aumento das consultas pré-natal, os impactos do Programa Saúde da Família, a redução da mortalidade infantil e a consolidação das notificações da mortalidade materna vão provocar uma redução dos óbitos no país. É o que sustenta o Ministério da Saúde, em nota enviada ao Correio. Segundo dados oficiais do ministério, as consultas pré-natal aumentaram 125% entre 2003 e 2009. Foram feitos 8,6 milhões de atendimentos em 2003. No ano passado, as consultas chegaram a 19,4 milhões.

Também aumentou o acesso à mamografia e ao exame para detectar o câncer de colo de útero ; o papanicolau. Sete em cada 10 mulheres fazem a mamografia. Em 2003, eram apenas cinco. No caso do papanicolau, são 8,5 em cada 10 ; sete anos atrás, esse índice era de oito mulheres.

A distribuição de preservativos nas escolas e a ampliação do acesso a outros métodos contraceptivos na rede pública fizeram diminuir a gravidez na adolescência, segundo o Ministério da Saúde, de 583,8 mil casos em 2003 para 529,4 mil em 2007. O ministério também comemora a aprovação da ampliação da licença-maternidade de quatro para seis meses e a redução da taxa de mortalidade infantil. Os dois fatores influenciam na redução da mortalidade materna.

Para o coordenador do Núcleo de Atenção Integral à Saúde da Mulher do Governo do Distrito Federal, Luciano Pina Gois, as consultas pré-natal devem ser ;mais efetivas; e a política de atenção à mulher, ;mais bem definida;. ;Não é possível ver a paciente migrar por três, quatro hospitais para ter atendimento;, critica.

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