Mirella Marques
postado em 12/09/2010 10:40
Pernambuco ; A mudança está nas ruas, nas praças, no comércio, nas escolas, dentro das casas. Da Zona da Mata ao Sertão, os jovens pernambucanos agora têm outras perspectivas de vida. O céu é o limite e eles já não se contentam em seguir ;a lida; dos pais. Para mostrar essa nova realidade, a reportagem foi a todos os câmpus do interior e constatou que o sonho de conseguir o diploma sem migrar para a capital, Recife, tornou-se realidade. As portas das universidades públicas abriram-se para o interior.As cidades também estão se transformando, no momento em que começam a receber professores e alunos de várias regiões do país. O mercado imobiliário está cada vez mais aquecido, o setor de serviços oferece um leque cada vez maior de ofertas e as empresas locais estão ansiosas pela nova mão de obra qualificada. O índice de empregabilidade dos formandos chega a 70%, segundo as próprias universidades.
A interiorização do ensino superior em Pernambuco começou para valer quando o governo federal anunciou, em 2002, a criação da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), única instituição do país a ter três câmpus divididos por estado. A sede fica na cidade de Petrolina (PE), coração da região do Vale do São Francisco, a 774 quilômetros do Recife. Mas o fenômeno começou a ganhar vigor há cinco anos, quando foram instaladas quatro expansões universitárias nas cidades de Vitória de Santo Antão, Caruaru, Garanhuns, Salgueiro e Serra Talhada. Antes disso, a Universidade de Pernambuco (UPE) já havia construído três unidades de formação de professores nas cidades de Nazaré da Mata, Garanhuns e Petrolina, no fim da década de 1960. Mas, pegando carona no fenômeno da interiorização, há cinco anos a universidade estadual implantou um câmpus em Caruaru e estruturou o já existente em Garanhuns, trazendo, dessa vez, a força dos cursos da área de saúde. A cidade de Salgueiro ganhou, em 2006, o curso de administração, que funciona em salas alugadas.
Hoje, estudam no ensino superior gratuito de Pernambuco cerca de 20.911 estudantes, em 67 graduações. A maioria vem de cidades da região onde as universidades estão inseridas, mas também existe um quantitativo considerável de jovens do Recife e até de outros estados brasileiros. Os alunos de escolas particulares ainda são maioria, mas a proporção de estudantes oriundos da rede pública é 20% maior que a encontrada na capital. Grande parte dos 1.240 docentes é de fora. Mais de 60% deles possuem título de doutor ou de mestre e atuam em graduações criadas para atender o arranjo produtivo desses municípios.
Isso significa que cada curso do interior abre para atender uma demanda econômica específica da localidade. Um exemplo é a graduação de design da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Em Caruaru, centro do polo de confecções, ela ganhou ênfase em produto de moda. A ideia é suprir a mão de obra das empresas locais e desenvolver as regiões por meio da fixação de jovens em suas cidades. A filosofia faz parte do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que financiou praticamente todas as obras de interiorização na rede federal. Os gastos com as expansões são da ordem de R$ 201,7 milhões, em obras e compra de equipamentos. Na rede estadual, os investimentos foram de cerca de R$ 10 milhões nos últimos cinco anos.
Valéria Alves de Souza, 20 anos, será a primeira da família a conquistar um diploma universitário. Ela nasceu em Garanhuns e atualmente cursa o 4; período de licenciatura em informática no câmpus da UPE implantado em sua cidade. A jovem está radiante por poder estudar e estagiar sem precisar deixar sua casa. ;Quando me formar, quero continuar em Garanhuns. Até porque não tenho motivos para sair. Hoje, é perfeitamente possível estudar e trabalhar numa cidade do interior;, aposta.
A petrolinense Rosemary Gonçalves, 28 anos, estudante do 8; período de fisioterapia da Universidade de Pernambuco (UPE) de Petrolina, chegou a estudar em uma faculdade particular no Recife durante um ano. Mas conseguiu transferência para o câmpus da sua cidade e também comemora a possibilidade de estar perto da família. ;É uma oportunidade única poder estudar aqui, perto da família e dos amigos. Sem falar que Petrolina está ficando cada vez mais desenvolvida;, justifica.
O número
20.911
Quantidade de alunos matriculados nas instituições públicas de ensino superior de Pernambuco
Mercado imobiliário aquecido
Pernambuco ; O mercado imobiliário está fervendo nas cidades do interior de Pernambuco que abrigam universidades públicas. Com a vinda dos alunos e dos professores, cujo salário médio é de R$ 5 mil, faltam casas para abrigar todos os que fazem a universidade. Em todas as cidades visitadas pela equipe de reportagem, os aluguéis subiram cerca de 40% desde que as universidades chegaram. Antes disso, aliás. A venda dos terrenos que ficam próximos ao local onde funcionará a sede definitiva da Universidade de Pernambuco (UPE) em Caruaru foi suspensa. Os proprietários vão esperar a conclusão da obra e a valorização do local para fazer ofertas às construtoras.
Em Garanhuns, já existe até um estudo de impacto da chegada da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). De acordo com o levantamento da prefeitura, teriam que ser construídos pelo menos oito edifícios para atender a demanda de estudantes e docentes. Apesar do problema imobiliário, as oportunidades no mercado de trabalho desses municípios também cresceram. E muitos alunos já saem da universidade com proposta de emprego. Esse é o caso do zootecnista Wandenberg Freitas, 28 anos, formado pela UFRPE de Garanhuns e funcionário da empresa Rancho Alegre.
;Assim que me formei, fui contratado. Antes, tinha estagiado na Parmalat e na Laticínios Bom Gosto, aqui da região mesmo. Praticamente todos da minha turma saíram com emprego;, garantiu. O mesmo aconteceu com o professor de biologia Gledson Fabiano Ferreira, 30 anos, ex-aluno do câmpus da Universidade de Pernambuco (UPE) em Nazaré da Mata. Assim que terminou o mestrado, passou no concurso para docente do Colégio de Aplicação. ;Setenta por cento da minha turma saiu empregada;, disse.
A interiorização não é feita só de dados positivos. Existe um problema que, dia a dia, professores e diretores têm enfrentado: os consideráveis índices de evasão (abandono dos cursos) e retenção (número de reprovações por disciplina). Ainda não existem estudos oficiais sobre o problema, mas um levantamento feito pela reportagem, baseado em dados e declarações dadas pelos diretores das unidades do interior, indicam que esses índices são 20% maiores do que os encontrados nos câmpus da capital. As razões principais são falhas na educação básica (ciclo que engloba da educação infantil ao ensino médio).
Se no Recife a qualidade de ensino na rede pública é inferior à da rede particular, levando em conta os resultados do último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no interior essa diferença é maior. E boa parte dos alunos das universidades implantadas no interior é da rede pública. Isso significa que muitos estudantes chegam ao ensino superior sem terem aprendido assuntos básicos. As matérias em que eles apresentam mais dificuldade são química, física e matemática ; áreas em que há um deficit de professores em todo o país, segundo o Ministério da Educação (MEC).;Como eles não aprendem o que deveriam aprender na escola, muitos abandonam o curso porque não conseguem acompanhar as aulas na universidade;, justifica o vice-diretor da UFRPE em Garanhuns, Airon de Melo. (MM)