postado em 02/10/2010 08:00
Aos 13 anos, André* experimentou a sensação do uso de drogas pela primeira vez. O entorpecente usado por ele e seus amigos de escola era um colírio terapêutico que, em vez de ser aplicado nos olhos, era aspirado pelo nariz e causava uma certa tontura. Os anos seguintes foram preenchidos pela curiosidade em experimentar outras substâncias que provocavam sensações diferentes ; de dormência, alegria e liberdade. André, além do álcool e do cigarro, ainda conheceu a cocaína e o crack(1). Aos 19, o rapaz passou pela primeira das três overdoses que sofreu ao longo da vida. Na última delas, teve 14 convulsões em menos de 24 horas. De tanto se debater, ainda sob os efeitos da droga, hoje carrega no rosto duas cicatrizes, uma no queixo e outra na boca. Agora aos 31, ele ainda luta contra o vício que lhe custou os estudos, o casamento e a vida profissional.Assim como André, de acordo com estimativa da Sociedade Brasileira de Cardiologia, cerca de 14% dos adolescentes brasileiros com idade entre 12 e 16 anos já experimentaram algum tipo de droga que não álcool ou cigarro. Para o diretor de Promoção da Saúde Cardiovascular da SBC, Dikran Armaganijan, os dados preocupam a equipe médica, já que quando esses jovens chegam aos prontos- socorros com dores no peito causadas por overdoses, dificilmente admitem o uso dessas substâncias, o que prejudica o diagnóstico e o tratamento. ;Hoje, os plantonistas devem ter em mente a possibilidade de overdose quando recebem uma criança ou adolescente com arritmia cardíaca ou agitação psicomotora;, alerta. ;O uso dessas substâncias aumenta o risco de esses adolescentes desenvolverem doenças cardiovasculares, como a trombose.;
Rui Ramos, chefe da unidade coronária do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, explica que os efeitos de drogas baseadas na cocaína, como a merla e o crack, alteram a quantidade de dopamina no organismo, causando aumento na pressão sanguínea e taquicardia. ;A substância compete com os hormônios e outras substâncias naturais do organismo, causando uma série de efeitos colaterais.; O especialista afirma que o tratamento dado a pacientes com infarto deve ser diferente no caso do consumo de substâncias elaboradas à base de cocaína. ;Os medicamentos podem interagir com a droga no organismo e causar um efeito pior. Então, ao invés de o paciente melhorar, ele piora;, explica. Segundo Ramos, algumas dessas combinações podem induzir ataques convulsivos ou derrames. ;Muitas vezes, quando esses jovens negam o uso de substâncias ilícitas, tenho que ser firme e claro com eles e aviso que o remédio que vou aplicar, se combinado à droga, pode fazer muito mal. Só assim ocorre a confissão, mas não é sempre;, lamenta. Para o médico a prevenção deve começar nas escolas, com a orientação de professores e familiares.
Tratamento
Pesquisa realizada pelo Centro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Universidade Federal de São Paulo confirma a expectativa dos médicos da Sociedade de Cardiologia. No estudo, realizado em 2004, mais de 48 mil estudantes de escolas de ensino fundamental e médio das capitais brasileiras responderam a um questionário sigiloso. No Brasil, a pesquisa constatou que 12,7% das crianças com idade entre 10 e 12 anos já tinham experimentado alguma droga psicotrópica, que não álcool ou tabaco, pelo menos uma vez na vida. E 29,2% dos adolescentes com idade entre 16 e 18 anos também assumiram já ter consumido essas substâncias. Quase 5% dos adolescente admitiram que utilizaram entorpecentes ao menos seis vezes nos últimos 30 dias que antecederam a pesquisa. Em Brasília, mais de um terço dos adolescentes com idade entre 16 e 18 anos já consumiram droga ilícita alguma vez na vida.
Coordenador de um dos centros de reabilitação próximos à capital, Roberto Aragão diz que o tratamento contra o vício é uma luta diária. ;A dependência química é como a diabetes e outras doenças crônicas, tem tratamento, mas não tem cura.; André, que participa do programa há mais de dois anos, acredita na sua recuperação, mas reconhece as dificuldades. ;Sei que não sou um caso perdido. Tenho esperança em poder retomar minha vida, mas reconheço minhas fraquezas e vivo na incerteza.; Ele chegou a ;ficar limpo; por quase dois anos depois da primeira internação, mas depois de uma forte recaída, voltou para o rancho Desafio Jovem, onde continua o tratamento. André alerta os jovens de hoje sobre os riscos do consumo de substâncias ilícitas: ;No começo, a sensação é boa. Mas quando você se vê sem dinheiro, sem amigos, sujo e fedido perambulando pela cidade, percebe que o risco não valeu a pena;.
1 - Variações
A cocaína é uma substância natural, extraída de folhas de Erythroxylon coca, conhecida como coca ou epadu. Pode ser consumida como pó (cloridrato de cocaína), quando é aspirada pelo nariz ou diluída em água para uso intravenoso. Nessa forma é conhecida como pó, farinha, neve ou branquinha. O crack é a forma em base da substância. É pouco solúvel, por isso é fumado em cachimbos, já que reage quando aquecido. Já a merla é a forma menos refinada da droga e também é consumida pelo fumo.
* Nome fictício a pedido do entrevistado
Palavra de especialista
Caminho da redução
Falar de saúde em vez da doença é a tendência atual. Por isso o Departamento de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia desenvolveu uma campanha de prevenção, diagnóstico, tratamento e controle da hipertensão. Com o tema Eu sou 12 por 8, a campanha vai difundir os benefícios de uma pressão arterial em níveis normais e visa superar os baixos índices atuais de adesão ao tratamento da hipertensão no país, inferiores a 10% da população afetada. Mais que diagnosticar e indicar o tratamento, que quase sempre não é seguido, médicos e profissionais de saúde se unem a representantes da sociedade civil, de todos os setores, em uma ação de grande impacto social, para a busca de soluções para o problema.
Muitos embaixadores da campanha Eu sou 12 por 8 têm se sensibilizado com a causa, emprestando seu carisma e seu prestígio, para alertar a população sobre os benefícios do controle da hipertensão. A adesão de muitas personalidades é essencial para levar a conscientização da hipertensão ao público jovem.
Desde cedo, temos que nos preocupar com a prática de atividade física e regular e o consumo de alimentos mais saudáveis. Substituir, por exemplo, o refrigerante, que possui muito sódio, por sucos de frutas, água de coco ou chá pode ajudar na prevenção da hipertensão. Reduzir o consumo de salgadinhos e manter o peso é também essencial para controlar a pressão e prevenir doenças. Sair um pouco da frente do computador e da TV e fazer 30 minutos de caminhada é também um remédio fantástico. A obesidade é um fator de risco que pode elevar a pressão, assim como o sedentarismo e a alimentação inadequada.
Marcus Vinícius Bolívar Malachias é médico cardiologista e Presidente do Departamento de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC/DHA)