postado em 02/10/2010 08:00
; Thobias AlmeidaA agonia acumulada em 35 dias de espera finalmente acabou. Na tarde de ontem, as cidades de Sardoá e Santa Efigênia de Minas, no Vale do Rio Doce (Minas Gerais), receberam de volta os filhos que tiveram os sonhos interrompidos em agosto por narcotraficantes mexicanos. O furgão que trouxe de Belo Horizonte os corpos de Juliard Aires Fernandes, 19 anos, e Hermínio Cardoso Soares, 24, apontou na entrada do município vizinho de Gonzaga por volta das 15h. A chegada dos meninos fez transbordar lágrimas de parentes e amigos, que aguardavam o momento da despedida definitiva.
Um cortejo formado por 40 veículos, 50 motos e quatro ônibus lotados ; segundo números da Polícia Militar ;, seguiu em silêncio e parou as três cidades. Moradores lançavam tristes olhares de sacadas, comércios e calçadas em direção ao veículo que transportava mais que dois corpos, rastros da tragédia que marcou profundamente toda uma comunidade. Em Santa Efigênia de Minas e Sardoá, bandeiras e balões brancos levitavam no ar, como a sinalizar a paz que Juliard e Hermínio forçosamente alcançaram. Faixas e cartazes com mensagens de conforto e fé eram avistados em vários locais. Em uma delas, lia-se: ;Juliard e Hermínio morreram cedo para viverem melhor;. Várias pessoas usavam camisas com fotos dos mineiros assassinados no México.
O cortejo percorreu cerca de 20km, 15km deles em estrada de terra, até a casa dos pais de Juliard, que fica em Córrego Tronqueirinha, zona rural de Santa Efigênia de Minas. Ao chegar, a casa simples, com o amarelo das paredes já gasto, exibia um cartaz escrito a dezenas de mãos, que representa o sentimento dos familiares: ;Juliard, você deixou eternas lembranças;. Assim que a porta traseira do furgão foi aberta e deixou à mostra os dois caixões de metal, que vieram lacrados desde o México, a comoção se espalhou.
Alírio Aires Fernandes, 66 anos, foi o primeiro dos pais a se reencontrar com o filho. ;A chegada encerra uma angústia. O sentimento de tristeza não passa, mas a gente começa a se aliviar um pouco mais. Mesmo assim, não era dessa forma que eu queria revê-lo;, lamenta Alírio, que mal escondia o choro trancado na garganta. A mãe faleceu há oito meses.
Sofrimento
Os familiares de Juliard não aceitaram manter o caixão lacrado e o abriram, contrariando as orientações seguidas desde o México. Um forte cheiro dos produtos químicos usados no embalsamamento invadiu o pequeno espaço em que dezenas e dezenas de pessoas se amontoavam em busca da última imagem que não veio, pois Juliard estava envolto por uma espécie de atadura. Segundo os agentes funerários, a abertura não traz risco de contaminação, mas o lacre respeitava uma norma sanitária internacional.
Dali, o cortejo seguiu para a Igreja Matriz de Santo Antônio, em Sardoá, percorrendo um circuito de mais aproximadamente 5km. Centenas de moradores aguardavam na praça principal da cidade ; também batizada Santo Antônio ; a chegada de Hermínio. Novamente, a abertura do furgão fez desatar as lágrimas da comunidade. O caixão entrou no templo ao som da melodia de Ave Maria, embalada por um compassado badalar de sinos.
Antônio Ramos Santos, 58 anos, foi o segundo pai obrigado a confrontar-se com a perda. ;Sinto alívio, mas o sofrimento é demais. Esperamos mais de um mês. Perder um filho assim não é fácil;, descreveu Antônio. Sua esposa, Maria Cardoso dos Santos, a dona Lilia, só chegaria à igreja à noite. Algumas das cinco irmãs de Hermínio velavam o corpo, mas não tiveram condições de conversar com a reportagem.
Os sepultamentos estão marcados para hoje, mas em horários distintos. O padre Flávio Silva de Lima, da Igreja de Santo Antônio, informou que conversaria com as famílias para que fizessem o ritual em conjunto, com a missa de corpo presente marcada para as 11h ou 12h. Até o fechamento da edição, isso ainda não estava decidido.
A secretária estadual de Desenvolvimento Social, Ana Lúcia Gazzola, representou o governo de Minas Gerais na entrega dos corpos às famílias. Todo o custo do traslado, desde o México até Sardoá e Santa Efigênia de Minas, orçado em US$ 11,1 mil, foi custeado pelo Palácio da Liberdade. ;Os filhos estão voltando para seus familiares. Que Deus dê paz a vocês;, disse a secretária a uma das tias de Juliard, Maria da Glória Aires, 46 anos.
Os corpos saíram do México no início da tarde de quinta e chegaram à capital do Panamá, Cidade do Panamá, por volta das 17h. O traslado seguiu até Belo Horizonte, onde o avião pousou às 3h de ontem. O furgão funerário partiu da capital às 8h15 e finalizou a rota às 15h. Ironicamente, assim que chegou a Gonzaga, o veículo estacionou ao lado de uma placa que rememora outra tragédia, a de Jean Charles de Menezes ; natural do município ;, morto em 2005, em Londres, pela polícia inglesa. Jean é primo distante de Juliard.