postado em 15/10/2010 09:53
Belo Horizonte perdeu a guerra contra os flanelinhas. Nem mesmo o novo Código de Posturas (Lei 9.845), regulamentado em agosto, que prevê multa de até R$ 1,2 mil aos guardadores e lavadores de carro ilegais, foi capaz de inibir a ditadura imposta pelos donos da rua. A audácia dos infratores é tanta que muitos agem nas barbas da lei: achacam motoristas e cobram mensalidades em quarteirões vizinhos a unidades da Polícia Militar, da Polícia Civil e do Poder Judiciário. Estima-se que cerca de 3 mil flanelinhas agem ilegalmente na capital. A maioria sitia as vias públicas da Região Centro-Sul, a mais nobre da cidade.O Estado de Minas percorreu alguns quarteirões da região esta semana e flagrou as regras impostas pelos guardadores e lavadores de carro ilegais. O quarteirão da Rua Aimorés ao lado do Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG), entre a Avenida João Pinheiro e a Rua Sergipe, no Bairro Funcionários, é um exemplo de como o poder público está longe de exterminar os achacadores de motoristas. José (nome fictício) é um dos vários flanelinhas que não se incomodam em agir nas vizinhanças do órgão da Polícia Civil.
;Se quiser parar aqui todos os dias, cobro R$ 10 por semana;, diz o homem, enquanto observa a chegada de um carro que será abordado por ele ou por um de seus parceiros de achaque. A extorsão é mais inflacionada no quarteirão da Rua Mato Grosso, entre a Rua Guajajaras e a Avenida Amazonas, no Barro Preto, onde João (nome fictício) manda e desmanda. ;Cobro R$ 5 por dia;, impõe o rapaz, cujo semblante fica escondido atrás de óculos escuro. Nas mãos, ele faz questão de exibir cerca de 20 chaves dos veículos que diz vigiar.
João aproveita o molho de chaves ; algumas escorregam entre os dedos ; para justificar o preço: ;Fico com elas por precaução, pois, se algum agente de trânsito passar aqui, ponho os rotativos;. O dono da rua não perde a pose e oferece um desconto aos motoristas interessados em estacionar diariamente numa vaga pública sob seu domínio: ;São R$ 50 por duas semanas. Se pagar adiantado, R$ 45;. O quarteirão ocupado pelo flanelinha fica a cerca de 100 metros da 3; Área Integrada de Segurança Pública (Aisp), que reúne equipes da Polícia Militar e da Polícia Civil. A 3; Aisp funciona no Condomínio JK.
Perto dali, em frente ao Fórum Lafayette, seu Mário ganha dinheiro vigiando carro e vagas públicas no quarteirão da Rua Guajajaras entre as ruas Ouro Preto e Paracatu. ;Para duas semanas, peço R$ 40;, estipulou. Ele ainda cobra R$ 20 para cada veículo que lava. O ponto parece tão lucrativo que o ;empresário; levou o filho para ajudá-lo a ganhar dinheiro. Aliás, há quarteirões considerados potes de ouro pelos flanelinhas.
A disputa por alguns pontos já terminou em assassinatos brutais. Em novembro de 2007, a tradicional Praça Milton Campos, no Bairro Cruzeiro, na Região Centro-Sul, foi manchada com o sangue de I.J., de 29 anos. Ele foi morto com cinco tiros disparados por A.R., de 33. Em agosto de 2009, L.F., de 41, foi morto a mando de W.P., de 30. Ambos trabalhavam num ponto no Bairro Funcionários e, por diversas vezes, brigaram por clientes.
FORÇA-TAREFA A atuação dos flanelinhas ilegais sempre tirou o sono do poder público. A preocupação é tanta que dia 22 uma força-tarefa vai às ruas e avenidas da capital atrás dos achacadores. O grupo é formado por servidores municipais, da Polícia Militar, Polícia Civil e do Ministério Público Estadual. A parte da prefeitura na força-tarefa será comandada por William Rodrigues Nogueira, gerente do serviço de regulação urbana da Regional Centro-Sul. Ele coordenou, de 2003 a 2005, o trabalho que transferiu os cerca de 2,4 mil camelôs do Centro da capital para os shoppings populares.
;A única forma de acabar com os maus flanelinhas é um trabalho integrado. Vamos atrás de quem não está cadastrado na prefeitura. A PM será fundamental para reprimir a atuação dos guardadores e lavadores de carro ilegais. A Polícia Civil para autuar (criminalmente) e o MPE para receber os casos a ele encaminhados. É uma estratégia complexa, mas que terá sucesso;, acredita William.
Há configuração de crime quando ocorre ameaça, extorsão ou usurpação da função pública. A pena pode chegar a 10 anos de detenção. William acrescenta que a força-tarefa, além de buscar penalizar o infrator criminalmente, vai autuá-lo em até R$ 1,2 mil, como prevê o novo Código de Posturas. Desde a regulamentação da lei, em agosto, a prefeitura ainda não tem o balanço de quantos flanelinhas foram multados.
A Polícia Militar informou que a corporação trabalha em parceria com a prefeitura para coibir a ação dos guardadores e lavadores de carro ilegais. ;Para tornar ainda mais incisivas as ações, a PM, por meio da 1; RPM, e a Prefeitura de Belo Horizonte estão desenvolvendo um trabalho conjunto com o objetivo de identificar os cidadãos que atuam nesse ramo e desencadear operações para fiscalizá-los e coibir ações ilegais por eles praticadas.; A corporação ressaltou ainda que o cidadão que for ameaçado pelo flanelinhas pode ligar para o 190 ou 181.
ANÁLISE DA NOTÍCIA
Não basta uma lei severa contra a atuação dos flanelinhas irregulares. A farra do achaque nas vagas públicas só vai acabar quando a fiscalização for eficiente e os motoristas deixarem de ser coniventes com os guardadores de carro ilegais e se conscientizarem de que estão financiando um crime. Do contrário, ocorrerá a proliferação dos donos dos quarteirões, cada vez mais ávidos pela carteira do dono do veículo, que muitas vezes já paga pelo talão do rotativo. (PHL)