Brasil

Seca na Amazônia inflaciona o dia a dia

Na região, os rios equivalem às estradas para boa parte da população. Com isso, a estiagem interdita caminhos e encarece passagens. O efeito dominó é notado também nos preços dos alimentos: um galão de água chega a R$ 20 e um 1kg de arroz, a R$ 3

postado em 29/10/2010 09:07
Moradores de cidades da Amazônia Ocidental enfrentam dificuldades de deslocamento e aumento do preço de mercadorias com a seca na região. Os ribeirinhos, que habitam as cabeceiras dos rios, são os mais atingidos pela estiagem ; considerada a pior dos últimos 108 anos. O nível dos rios Negro e Solimões já começou a subir, mas a situação só deve se normalizar em dezembro.

Todos os rios passam por períodos de cheia e de seca durante o ano, e de acordo com a quantidade de chuva, podem ocorrer variabilidades naturais, explica o superintendente da Agência Nacional de Águas (ANA) Joaquim Gondim. ;Chuvas demais ou de menos fazem com que esses eventos fujam da normalidade, como está ocorrendo na região amazônica;, diz. Os níveis de água registrados nos rios Negro e Solimões foram os mais baixos desde o início do monitoramento, em 1902. Coordenador de medições do Serviço Geológico do Brasil, Daniel Oliveira afirma que o nível do Rio Negro chegou a 13,63m no último domingo, um centímetro abaixo do registrado em 1963, até então recorde de vazante. ;Na última quarta-feira, o nível subiu sete centímetros, mas para afirmar com segurança que os rios estão subindo será necessário aguardar as próximas medições;, diz. O especialista explica que é possível a ocorrência do efeito chamado de repiquete. ;Pode ocorrer uma pequena cheia seguida de outra grande baixa;, conta.

Gondim esclarece que a baixa dos rios da Amazônia ocorre devido à falta de chuvas nos países onde se encontram as nascentes. ;Tanto o Solimões quanto o Negro, que juntos formam o Amazonas, têm suas fontes em países como Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Quando chove pouco lá, o nível dos rios fica menor aqui;, esclarece. Mas esse efeito não é imediato. ;O processo de reversão leva tempo. Em novembro, deve ter início o processo de recuperação e em meados de dezembro a situação deve começar a voltar ao normal;, diz. Ainda de acordo com o especialista, a vazante é mais rápida do que a cheia. ;A subida dos níveis de água é mais lenta do que a descida.;

O prefeito de Tefé, um dos 40 municípios que declararam estado de emergência, Sidônio Gonçalves, afirma que a maior dificuldade enfrentada pelos moradores da região é o acesso mais lento e mais caro para as cidades vizinhas. ;Até Tefé é feito apenas por avião ou barco, e a população usa mais as embarcações fluviais para transitar entre os municípios;, conta. Com o nível dos rios atingindo baixas como as de hoje, as embarcações maiores não conseguem se aproximar do pequeno porto da cidade e têm que desviar dos bancos de areia. Outro problema é o aumento do preço dos suprimentos. ;Como a maioria das coisas vêm de barco, os fornecedores elevaram muito o preço dos produtos, alegando aumento também no frete para realizar o transporte;, diz. Segundo o prefeito, um galão de água com 20 litros custava R$ 8 e, com a estiagem, passou a R$ 10.

Em Maués a situação não é diferente, Andrea Nascimento, secretária de Governo do município, conta que o trajeto de Manaus até a cidade antes era feito em 18h vindo de barco por um braço do Rio Ramos e, com a seca, a rota deve ser feita pelo Rio Amazonas e leva cerca de 45h. ;Em um trecho do percurso, as pessoas têm que descer da embarcação e atravessar o banco de areia a pé. Esperar o barco passar pelo rio raso, e continuar o trajeto. Aqui, nossas estradas são os rios;, compara.

Coordenadora municipal da Defesa Civil de Maués, Meire Torres relata que quem mais sofre em consequência da estiagem é a população que mora nas cabeceiras de rio. ;Os ribeirinhos dependem dos rios para chegar até a cidade e agora têm que andar na lama para chegar aos destinos;, diz. A falta de água potável também é um problema em algumas regiões. ;Quando não existem poços artesianos próximos, as famílias usam água do rio fervida com hipoclorito para beber e cozinhar. Mas como o rio se transformou em lama em alguns pontos, elas têm que andar cerca de 40 minutos até encontrar uma poça de água limpa;, lamenta. ;Os ribeirinhos estão recebendo cestas básicas do governo federal, mas chegar até onde essas pessoas moram é um desafio.;

Em Carauari a situação é crítica em relação aos alimentos como carnes, verduras, legumes e frutas e ao fornecimento de energia, que no município é realizado com o uso de motores a diesel. Moradora da região, Railza Zonaira, 26 anos, conta que os barcos estão levando entre 13 e 14 dias para sair de Manaus e chegar até a cidade. ;O barco demora e ainda não consegue atracar perto da cidade. Ficamos sem energia por causa disso;, conta. Alguns bairros chegam a ficar mais de quatro horas sem energia, diariamente.

Questionada sobre a atuação dos governos local e estadual diante a situação enfrentada pelos habitantes de Carauari, Railza reclama: ;Deixam a banda tocar. Não tem reserva de nada. Tem motor que quebra e fica sem a peça por mais de uma semana. E as crianças estão sem merenda por causa dos problemas com as barcas;.


DEPOIMENTO
Tudo bem mais caro

;A área urbana não sofreu tanto as consequências da estiagem. Quem realmente sentiu foi a população rural, ribeirinha, mais de 1 mil famílias. As passagens de navio da cidade para a capital do estado, Manaus, aumentaram de R$ 100 para R$ 180, já o custo da viagem aérea é de R$ 600. Essa viagem, que levava em média cinco dias, passou a levar mais de uma semana. As dificuldades que a nossa cidade enfrenta são principalmente quanto à água e à alimentação. Cheguei a pagar R$ 20 na compra de um garrafão de 20 litros de água. A água de poço da cidade está barrenta e sem tratamento adequado. Com a seca, um pé de alface que custava R$ 1 passou a custar R$ 3. O saco de 1kg de arroz, a mesma coisa. A maioria dos produtos daqui é importada do Peru. E enquanto o governo estadual ajuda, o municipal deixa a desejar.;
Vitor Braga Filho, 44 anos, morador de Benjamin Constant (AM)

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