postado em 06/11/2010 08:00
Goiânia ; O cenário relatado pela delegada Adriana Accorsi nada tinha de parecido com a fachada da creche onde 22 bebês de até três anos de idade sofreram torturas física e psicológica nas mãos de Maria do Carmo Serrano. Os pais das crianças agredidas se reuniram ontem em frente à casa no bairro Jardim Laranjeira ; que é decorada com temas infantis e recebe o nome de Bebê Feliz ; para protestar contra os maus-tratos ocorridos. O grupo também estuda a possibilidade de contratar um advogado para representar todas as famílias no processo que pretendem mover contra a dona da instituição.Até ontem, segundo dia de depoimentos, tanto dos pais das crianças da creche quanto das três funcionárias que trabalhavam no local, a acusada não havia se apresentado à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Goiás. A delegada responsável pelas investigações já havia pedido a prisão temporária da agressora, negada pelo juiz da 7; Vara Criminal da cidade, José Carlos Duarte. De acordo com a delegada, Maria do Carmo não está em seu domicílio e pode sair da cidade a qualquer momento, sem antes prestar os devidos esclarecimentos. ;Sem a aprovação do mandado de prisão, teremos que aguardar a apresentação voluntária da acusada e, enquanto isso, continuar as investigações.;
Adriana Accorsi espera concluir o inquérito e apresentá-lo até a próxima terça-feira. ;Vamos continuar ouvindo os pais e outras possíveis testemunhas. Os depoimentos dos familiares contribuem para montarmos um quebra-cabeça com as informações que temos;, diz. Ainda segundo a delegada, as imagens coletadas durante as investigações, combinadas às lesões constatadas pelos pais, reforçam as acusações. Por enquanto, apenas uma das crianças teve de ser examinada pelo Instituto Médico Legal (IML) porque apresentava lesões recentes. ;Outras crianças também apresentaram marcas de agressão, mas de dias atrás. Algumas já deixaram de frequentar a creche pela desconfiança dos pais, que também puderam vir prestar depoimento;, explicou Accorsi.
Tapas
Para a delegada, os vídeos coletados com o auxílio de uma das funcionárias e do Ministério Público já seriam suficientes para provar os crimes cometidos por Maria do Carmo e o risco de morte ao qual as crianças estavam sujeitas enquanto estavam sob a responsabilidade dela. ;As imagens gravadas são só um pedaço da realidade de tortura que as crianças sofreram;, reforçou. A delegada diz que as testemunhas do crime relatam a personalidade sádica da acusada que, após cometer as agressões, parecia demonstrar satisfação com os próprios atos. ;Maria do Carmo distribuía tapas nos bebês sem nenhum motivo, simplesmente por diversão. Com um golpe chegava a arremessar longe um bebê que mal havia começado a andar;, conta. Depois de bater neles, ela perguntava o que aconteceu. E eles respondiam: ;Vovó bateu;. Segundo a delegada, ela apertava a bochecha deles e dizia: ;Você escorregou e caiu;, e perguntava novamente o que havia ocorrido. Se a criança repetisse que sofreu a agressão, ela batia novamente e perguntava mais uma vez sobre o ocorrido até que a resposta fosse de acordo com a vontade dela.
Sem remorso
Questionada sobre a demora em alguém denunciar os crimes cometidos dentro da creche, a delegada defende que as funcionárias do local temiam não ter como comprovar as acusações e sofrer retaliações. A primeira a denunciar os crimes foi a pedagoga Ana Paula Campos. ;Primeiro, foram feitas denúncias anônimas, mas não conseguimos levantar provas suficientes para formalizar uma acusação. Com a colaboração da funcionária, que decidiu revelar sua identidade, podemos posicionar as câmeras escondidas e registrar algumas das agressões;, conta Accorsi. No primeiro relatório elaborado pela DPCA, o Ministério Público ofereceu a opção de continuar as filmagens, mas tanto o promotor de Justiça, Everaldo Sebastião de Souza, quanto a delegada, concluíram que as crianças sofriam risco de morte e foi solicitada a prisão temporária de Maria do Carmo.
Accorsi lamenta a negação do pedido, e diz não entender as motivações do Juiz José Carlos Duarte. ;Não sei se ele viu as imagens que foram gravadas;, questiona. Segundo a delegada, em poucos minutos de filmagem já é possível reconhecer a creche como um ambiente de opressão e tortura. ;As crianças eram agredidas na frente das outras. A dona da creche gritava e proferia palavrões.; De acordo com a delegada, algumas agressões poderiam ser enquadradas a crime de tentativa de assassinato. ;Em uma ocasião ela sufoca um bebê pequeno com uma fralda, sem demonstrar o menor remorso.;
Depoimentos
;É a nossa primeira filha. Tanto eu quanto a mãe dela precisamos trabalhar e tivemos que escolher um local para deixá-la enquanto isso. Há três meses escolhemos a creche Bebê Feliz, por ser perto de casa, e deixamos nossa filha sob os cuidados de Maria do Carmo. Ela parecia ser uma pessoa séria. Era rígida no horário e nas nossas obrigações como pais, tínhamos que deixar mamadeira, lanche e todo o material necessário para a estadia do bebê por lá. No começo, a mãe dela entregava a menina com brinco e pulseira, mas ela sempre voltava sem os acessórios. Percebemos que nos últimos meses nossa filha estava mais agressiva, começou a gritar muito. Mesmo assim, não desconfiamos de nada. Quando minha mulher viu as imagens na televisão, reconheceu a menina. Ela viu a Maria do Carmo passar o dedo da neném na parede, e se lembrou que a nossa filha estava com um machucado no dedo. Ficamos surpresos com tudo o que ocorreu. O sentimento é um misto de muita raiva, mas também de culpa.;
César Souza,
26 anos, gerente de gráfica e pai de uma menina de 1 ano e meio
;Raiva e revolta, é isso que senti ao ver onde meu filho estava enquanto eu estudava. Escolhi a creche de Maria do Carmo por ser ao lado do colégio onde concluo o ensino médio. Nós não deixamos nosso filho na creche porque queremos, mas por necessidade. Desde que ele passou a frequentar a Bebê Feliz, há cinco meses, percebemos que estava muito mais agressivo. Retruca quando chamamos a atenção e chegou a bater em mim e no meu marido. Já estávamos pensando em mudá-lo para outra creche, mas não deu tempo. Não chegamos a constatar nenhuma lesão no corpo do nosso filho, mas certamente ele sofreu algum trauma psicológico e vamos procurar ajuda especializada.;
Lidiane Rodrigues,
23 anos, estudante e mãe de um menino de 2 anos
;Desde os 10 meses de idade, deixamos nosso filho na creche Bebê Feliz. Nunca tinha desconfiado de nada, até ver as imagens na televisão. Imediatamente meu marido foi buscar nosso filho, que estava lá na hora da reportagem. Depois disso, passamos a perceber que o que pensávamos ser doença, eram, na verdade, maus-tratos. Uns meses atrás, ele teve uma grave infecção intestinal e perdeu muito peso. Hoje, já soube que a dona do berçário não dava as refeições que nós preparávamos e deixávamos para ele, o que pode ter causado a doença. E há um mês fomos chamados para socorrer nosso filho, que, segundo Maria do Carmo, tinha sofrido uma queda e cortado a boca com a chupeta. O corte foi profundo e desconfiamos que não deveria ter sido causado por uma simples queda. Mesmo assim, a notícia me surpreendeu. Parece coisa de filme, nunca pensei que uma coisa dessas poderia acontecer com a minha família.;
Graciely Fernandes,
27 anos, operadora bilíngüe de uma empresa de telefonia e mãe de um menino de 1 ano e 2 meses