postado em 07/11/2010 09:01
[SAIBAMAIS]Goiânia (GO) ; Relatos de pais de alunos da creche Bebê Feliz, em Goiânia, e de moradores vizinhos ao local, definem Maria do Carmo Serrano, dona do estabelecimento flagrada pela polícia torturando 22 crianças de até 3 anos, como uma senhora séria e sisuda, mas educada e de boa lábia. ;Não era de muitos amigos e nem sorridente, mas sempre cumprimentava as pessoas quando passava pela rua;, conta a professora Maria Antônia Stuart, que faz caminhada perto do local.Ao receber as mães para apresentar o lugar, Maria do Carmo, de 62 anos, mostrava seriedade e falava sobre a sua experiência com crianças. ;E ela realmente parecia ser uma pessoa responsável. Era firme no que dizia. Conversava bem e era convincente;, diz Lúcia*, mãe de Gabriela*, de 2 anos, uma das crianças identificadas nas filmagens feitas pela Polícia Civil ao receber denúncia de tortura praticada por Maria do Carmo.
Todas as visitas de pais ou responsáveis no berçário tinham de ser agendadas. Maria do Carmo era conhecida também pelo rigor com que cobrava horários e responsabilidade dos pais. ;Ela dizia que nós não podíamos entrar na creche sem aviso prévio para não atrapalhar o andamento do berçário;, conta a avó de Gabriela. Quando as crianças choravam, Maria do Carmo afirmava ser normal. ;Dizia às mães de primeira viagem que era assim mesmo, e que quando elas iam embora as crianças brincavam felizes com os colegas;, lembra Lúcia.
Tanta alegria, porém, não era percebida pelos vizinhos do berçário. ;Não se ouvia o barulho das crianças da creche Bebê Feliz. Só os choros;, conta Fátima de Carvalho, de 56 anos. ;Um dia, eu escutei uma reclamação dela em alto e bom som do outro lado do muro: ;Criança chora mesmo;. E deu uma risada;, relata Elizeth Matias, de 38 anos. A professora Maria Antônia diz que nunca via crianças na área da frente da creche. ;Não tinha movimento algum. Tudo acontecia dentro da casa;, diz.
Sem culpa
As funcionárias da creche Bebê Feliz disseram, em depoimento à Polícia Civil, que Maria do Carmo é uma pessoa completamente diferente daquela que recebia os pais no portão do estabelecimento. A proprietária do berçário não demonstrava nenhum sentimento de culpa ou arrependimento quando agredia as crianças, segundo os relatos do inquérito. Sem paciência com os bebês, ela parecia se divertir com os maus-tratos.
De acordo com a delegada Adriana Accorsi, que cuida do caso, Maria do Carmo costumava deixar os bebês pequenos trancados no banheiro até que parassem de chorar. ;Ela gostava de perceber o medo que as crianças tinham dela. Era um motivo de orgulho;, explica Adriana. A delegada destaca ainda a violência física. ;Algumas agressões registradas pelas câmeras mostram ela dando tapas fortes em bebês sem qualquer motivo aparente, seguidos de risadas e palavrões. Outras crianças eram puxadas pelos braços e pelas pernas enquanto dormiam;, destaca.
[SAIBAMAIS]
Segundo mães de alunos da creche, Maria do Carmo dizia ter estudado em colégio interno, onde recebeu uma educação rígida, e por isso afirmava que era importante ser rigorosa quanto ao comportamento das crianças. Para a delegada responsável pelo caso, as ações da empresária eram cobertas de sarcasmo e autoritarismo, que assustavam e intimidavam até mesmo as funcionárias do estabelecimento. ;Todas as atitudes eram tão dissimuladas que, apesar da falta de movimento e de barulho de crianças na creche, nunca ninguém da região teve alguma desconfiança quanto à seriedade do trabalho dela;, admira-se a professora Maria Antônia, habituada a passar pelo local diariamente.
Até o fechamento da edição, Maria do Carmo não havia se apresentado à delegacia para prestar depoimento. Segundo Adriana, ela pode estar na casa de parentes. Como o pedido de prisão temporária não foi concedido pelo juiz da 7; Vara Criminal, José Carlos Duarte, Maria do Carmo não pode ser considerada foragida.
Pichações traduzem revolta
A fachada da creche Bebê Feliz, onde 22 crianças de até 3 anos teriam sido torturadas por Maria do Carmo Serrano, de 62, amanheceu com as marcas da revolta dos moradores do bairro Parque das Laranjeiras, ontem. As frases pichadas nos muros do berçário clamavam por justiça. Os moradores da região, na Zona Sul de Goiânia, ficaram surpresos com as notícias da última semana sobre o terror sofrido pelas crianças dentro da creche e também com a postura do Judiciário em negar o pedido de prisão da acusada pelos maus-tratos, que não havia se apresentado à polícia para depor até o fechamento da edição. A indignação de pais que utilizavam os serviços do berçário é ainda maior.
A filha da atendente de telemarketing, Lúcia*, de 25 anos, foi uma das vítimas. Gabriela*, de 2, frequentou por menos de um mês a creche Bebê Feliz . ;Não vi minha filha sendo agredida, mas ela presenciou várias cenas de tortura e apresentou mudanças de comportamento;, conta Lúcia. Foram essas alterações que levaram a mãe a tirar a menina da creche. ;No começo, achava que seria normal, já que era a primeira vez que ela ia para uma escolinha. Mas ela passou a chorar muito. A expressão era de medo mesmo. Ficou abatida e não se relacionava mais com nenhum estranho. Um dia, meu irmão foi deixá-la na creche e quando ela viu a Maria do Carmo, gritou e agarrou o tio. Então resolvi tirá-la;, conta Lúcia.
Com 42 anos, a avó de Gabriela passou mal ao ver as imagens divulgadas pela DPCA. ;Não sei o que aquela mulher pode ter feito com a minha bebê;, lamenta a senhora, com lágrima nos olhos. ;O que queremos agora é que a justiça seja feita. Não consigo entender o que se passa na cabeça desse juiz;, reclama.
Choque
No Parque das Laranjeiras, considerado um bairro tranqüilo, onde famílias de classe média encontraram um local ideal para criar seus filhos com segurança e contato com a natureza ; devido aos jardins, árvores e bosques mantidos pela Associação de Moradores do Bairro e pela prefeitura da cidade ; o assunto era a creche. A professora Maria Antônia Stuart, de 52 anos, que criou os próprios filhos no bairro e agora vê os netos crescendo no local, chocou-se com o caso. ;É revoltante, poderiam ser os meus netos;, ressalta.
Elizeth Matias, de 38 anos, mãe de duas meninas de 4 anos, chegou a cogitar a hipótese de matricular as filhas na creche. ;Graças a Deus não fiz isso;, afirma. Ela conta que no dia em que foram divulgadas as imagens das agressões, última quinta-feira, os pais correram para tirar seus filhos de lá. ;Todas as mães que estavam por perto se colocaram no lugar daquelas outras mães que choravam de raiva e revolta;, conta.
Outro morador, que preferiu não se identificar, manteve o filho, que na época tinha 2 anos, no berçário por cinco meses e também não está contente com a decisão do juiz em negar o pedido de prisão solicitado pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). ;Ele sempre chorava antes de entrar lá. No começo, achamos que era normal. Mas depois decidimos trocar de creche. Agora que sei o porquê, sinto muita raiva. E não sei se vou continuar esperando resposta da Justiça;, revolta-se.
A professora Maria Antônia acredita, entretanto, que o caso trágico pode servir de alerta. ;Os pais devem dar mais atenção às alterações de comportamento das crianças, mesmo sendo bebês;, adverte. Segundo ela, que tem por hábito passar em frente à creche diariamente para fazer caminhadas, era comum observar crianças chorando muito antes de serem entregues aos cuidados de Maria do Carmo.
* Nomes fictícios em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente