postado em 14/11/2010 08:15
Não faltaram piadas e trocadilhos com as quatro letrinhas mais faladas na última semana. ;Eu Não Estudo Mais; ou ;Enemganados; foram algumas das formas de protesto produzidas pela criatividade brasileira contra todas as falhas que marcaram a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no fim de semana passado. Criado em 1998 para avaliar os três últimos anos da educação básica no país, oEnem passou a ser usado, desde 2009, como passaporte para universidades públicas que aderissem à ideia. Este ano, foram 84 instituições, das quais 36 elegeram a seleção capitaneada pelo governo federal como sua única porta de entrada. Os erros do processo ; da troca da folha de respostas à duplicidade de questões em alguns cadernos ; colocaram o Enem na boca do povo. E em xeque. Faz muito tempo, porém, que especialistas em educação se debruçam sobre o complexo tema do acesso ao ensino superior de forma justa e democrática.
;O próprio Enem surgiu dessa necessidade de aperfeiçoar o sistema de vestibular que o país mantém há décadas, muito criticado por cobrar conhecimento memorizado, em detrimento de habilidades e raciocínio;, pontua Leandro Tessler, atualmente coordenador de relações internacionais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com sete anos de experiência na Comissão Permanente para os Vestibulares da entidade. Ele destaca que o Enem atual, embora se esforce para romper o método tradicional, ainda esbarra em cobranças ligadas ao ;decoreba;. ;Há questões muito bem elaboradas, mas espero que, com o tempo, a prova fique melhor. Apesar de todos os problemas logísticos, considero o Enem um avanço, é preciso aperfeiçoá-lo em alguns aspectos;, diz.
As sugestões feitas pelo especialista se baseiam muito na fonte de inspiração do Ministério da Educação para tornar o Enem um exame de ingresso no ensino superior: o Scholastic Aptidude Test (SAT). Feito por uma instituição sem fins lucrativos e aplicado sete vezes ao longo do ano nos Estados Unidos, o SAT é um dos principais critérios para entrar nas universidades norte-americanas. ;Um consórcio de instituições mantém o instituto, algo que poderia ser pensado para o Brasil. Não creio que licitar provas funcione. Isso dá certo para fazer estradas, não avaliações;, diz Tessler. A distribuição da aplicação do exame, em vez de uma ocasião única, é outro ponto defendido. Professor da Universidade de Brasília (UnB) e consultor das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Célio da Cunha considera a ideia boa. ;Temos que aprender com os erros para ir aperfeiçoando o processo;, diz.
O especialista da Faculdade de Educação da UnB já considerava a melhor saída para o Enem deste ano a reaplicação das provas somente aos candidatos que foram prejudicados, o que foi definido na sexta-feira pelo Tribunal Regional Federal (TRF). ;São cerca de 2 mil a 3 mil. Veja que, no universo total, isso representa menos de 1%;, opina o professor. Para Célio, a possibilidade de alunos do interior do país concorrerem a vagas em diversas universidades distantes de suas residências faz do Enem um marco na história da educação brasileira. ;Contribui para a democratização do ensino. Nos Estados Unidos, por exemplo, 20% dos universitários são de outros estados;, calcula Célio. O sociólogo Simon Schartzman, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), chama a atenção, em artigo publicado esta semana, para a ausência de um sistema adequado de residência universitária e bolsas que dê suporte aos alunos pobres eventualmente beneficiados pelo Enem.
Schartzmann também sugere a retirada da implementação do Enem do Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep) e do sistema de licitações, colocando-o a cargo de uma ou mais instituições especializadas a serem criadas. Ele defende, ainda, tomando como base experiências internacionais, uma prova geral de competências, aplicadas por computador, acompanhada de avaliações por áreas de conhecimento, conforme as pretensões do candidato. Tessler considera um equívoco utilizar apenas o Enem para selecionar. ;Sozinho, o teste deixa a desejar. Especialmente para cursos muito concorridos, em que você precisa saber quem está melhor entre dois candidatos. No vestibular tradicional, usamos questões discursivas, por exemplo. Na dimensão do Enem, é difícil recorrer a esse recurso;, afirma o especialista.
Como é no mundo
Entrar na universidade é bem diferente para jovens argentinos, norte-americanos, dinamarqueses, ingleses e franceses. Saiba mais sobre modelos adotados por países mundo afora
Estados Unidos
O candidato a uma vaga nas universidades deve se submeter ao Scholastic Aptidude Test (Teste de Aptidão Escolar, SAT, pela sigla em inglês) por até sete vezes no ano. Reconhecido pelo alto nível das questões, o SAT é elaborado por uma fundação não lucrativa administrada pelo Educational Testing Service. O banco tem um número elevadíssimo de itens, que são sorteados pelo computador enquanto o aluno vai respondendo a prova. Também contam, para muitas instituições, como Harvard, as atividades extracurriculares do candidato. Ser bom esportista ou ter feito trabalho voluntário rende pontos na avaliação de determinadas instituições.
Argentina
Não há seleção para acesso ao ensino superior. Por lei, todos que terminam o ensino médio devem ser aceitos nas universidades. Isso faz com que a Universidade de Buenos Aires, por exemplo, tenha 350 mil alunos. Para se ter ideia, a Universidade de Brasília (UnB) conta com 27,5 mil. A verdadeira seleção, na verdade, ocorre no primeiro ano de ensino superior, quando parcela considerável dos estudantes não consegue as notas necessárias para o curso no qual se inscreveram. Nesse caso, acabam trocando ou simplesmente abandonando. O acesso livre também faz com que a
qualidade do ensino seja questionada, levando famílias mais abastadas a optarem pelas instituições privadas.
Inglaterra
Os alunos passam pelo General Certificate of Secondary Education (conhecido pela sigla GCSE) para serem avaliados em conteúdos centrais e, ainda, em línguas, humanidades, ciências sociais, tecnologia. Esses últimos dependem da escolha do aluno, com base em suas preferências. Há cerca de 40 opções de testes. A pontuação é utilizada por universidades conforme regras próprias, combinando as notas do GCSE com outros critérios de seleção. Cinco institutos de avaliação independentes, públicas ou privadas de competência reconhecida, elaboram os testes. Geralmente os alunos podem fazer os testes nas próprias escolas onde cursam o ensino médio.
França
Assim como na Argentina, o acesso ao ensino superior é livre, pelo menos nas instituições menos concorridas. Existe um exame nacional, o bachaleaurat, usado por universidades mais renomadas como parte da nota. Isso porque elas fazem suas próprias seleções. Um outro sistema, o de centros politécnicos, que são cursos tecnológicos de duração menor que as graduações tradicionais, também tem alta concorrência. O restante das universidades funciona como o sistema argentino: filtra os alunos depois do primeiro ano. O detalhe na França é que não há instituições privadas de ensino superior, com exceção de cinco universidades católicas, que oferecem os cursos, mas não dão os diplomas, tarefa de uma instituição estatal.
Dinamarca
Estudantes da Dinamarca não precisam se preocupar com provas, testes, cursinhos. Em compensação, as notas obtidas ao longo de todo o ensino médio são analisadas pelas instituições de educação superior, para fins de seleção, de acordo com o curso almejado pelo aluno.
Por exemplo, se o candidato quer um curso na área de exatas, precisa ter menções boas em matemática, física.
O desempenho em disciplinas desconectadas da área pretendida contam menos.
Na balança
Entenda as vantagens e desvantagens dos dois modelos de ingresso nas universidades, segundo especialistas na área
Vestibular
(feito pela instituição)
Vantagens
; Maior controle do processo seletivo pela instituição (segurança, logística e conteúdo)
; Controle do perfil de aluno que a instituição quer (pelo método utilizado na prova)
; Pode distinguir bem, por meio de ferramentas como as questões discursivas, os candidatos de altíssimo nível
Desvantagens
; Amplitude limitada, uma vez que a distância impede um aluno do outro lado do país de disputar uma vaga em determinada instituição
; Diversidade de metodologias, o que dificulta a
preparação dos estudantes
; A forma de testar os conteúdos, de um modo mecânico, ainda é alvo de muitas críticas
Enem
(seleção unificada utilizada por várias instituições)
Vantagens
; Máxima amplitude geográfica, proporcionando a um aluno do Amazonas concorrer a uma vaga no Sul do país, por exemplo.
; Estudantes se preparam para um único método de cobrar o conhecimento, por meio de raciocínio e habilidades, em vez de encararem estilos de prova completamente diferentes.
Desvantagens
; Logística complicada, pelo tamanho do país, para a aplicação das provas a todos em uma única ocasião.
; Dificuldade de avaliar candidatos de altíssimo nível para cursos concorridos, devido à dimensão do teste, que inviabiliza questões discursivas, por exemplo.