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Justiça dá prazo para que obra da Usina de Jirau seja regularizada

Segundo o MP, as "medidas compensatórias" sobre a remoção dos moradores provocam "graves violações". População sofre sem infraestrutura

postado em 19/11/2010 09:34
Obra da Usina de Jirau, que obrigou a população de Mutum Paraná a se mudar: empreendimento de R$ 10,5 bilhões e capacidade para 3.450 megawattsO descumprimento das condições estabelecidas para a construção da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, levou a Justiça Federal a determinar um prazo de 90 dias para que os responsáveis pelo empreendimento regularizem a situação das obras. A inundação de um distrito inteiro ; Mutum Paraná, a 136km da capital Porto Velho ; ocorre sem respeitar os direitos básicos da população do distrito e dos ribeirinhos, que precisam deixar suas casas e se mudar para um residencial construído a 17 quilômetros do distrito, chamado de Nova Mutum. Esse desrespeito a mais de mil pessoas, de 331 famílias, é citado numa ação civil pública movida no fim de outubro pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério Público (MP) do estado de Rondônia.

A audiência na Justiça Federal ocorreu na sexta-feira passada. Ficaram acertadas obrigações ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ao governo de Rondônia, ao município de Porto Velho e ao consórcio responsável pelas obras, Energia Sustentável do Brasil (ESBR). O prazo para o cumprimento das novas condicionantes é de 90 dias, período em que o processo fica suspenso na Justiça. Ao fim desse prazo, o MPF terá 10 dias para avaliar se as partes cumpriram o que foi acertado e se a ação deve ter continuidade. Parte das famílias atingidas continua morando em Mutum Paraná e outras já se mudaram para Nova Mutum. A indefinição sobre serviços básicos nos dois distritos motivou o acordo judicial.

As obras de Jirau ; uma das maiores usinas hidrelétricas do país, com a usina de Santo Antônio, também no Rio Madeira ; tiveram início em junho do ano passado e devem ser entregues apenas em 2015, mas o início da geração de energia está previsto para março de 2012. O empreendimento se encontra em fase avançada: um quarto já está pronto. Desde o leilão para as obras, em 2008, a usina de Jirau vem despertando polêmica. Pelo menos mil pessoas, nas zonas urbana e rural, serão diretamente atingidas, boa parte delas com necessidade de deslocamento por causa da construção do reservatório.

O empreendimento de R$ 10,5 bilhões, com capacidade de geração de 3.450 megawatts de energia (1.000 megawatts a menos do que a de Belo Monte, no Rio Xingu), começou a ser erguido por meio de uma ;licença parcial;, conferida pelo Ibama para a instalação do canteiro de obras e das ensecadeiras das barragens da hidrelétrica. O MPF questionou na Justiça a concessão dessa licença. Só há três tipos de licença previstos em lei: prévia, de instalação e de funcionamento. A autorização para a instalação do empreendimento foi concedida logo depois da tal ;licença parcial;. Antes, os empreendedores da usina de Jirau já haviam obtido a licença prévia.

Situação idêntica vive a usina de Belo Monte. O consórcio responsável pela usina ;; será a maior obra do setor no país ; solicitou ao Ibama a mesma ;licença parcial; para o canteiro de obras. Desta vez, pareceres técnicos do órgão foram contrários à concessão. Belo Monte, Jirau e Santo Antônio são tratados pelo governo Lula como empreendimentos estratégicos na geração de energia, apesar dos impactos sociais e ambientais, que já provocaram incontáveis questionamentos na Justiça.

A presidente eleita, Dilma Rousseff, também elegeu como prioridade a conclusão das obras, que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em discurso durante a posse da nova diretoria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), na noite de quarta-feira, 17, em Brasília, o presidente Lula fez menção às três usinas como importantes obras de infraestrutura em curso. ;Estamos construindo simultaneamente as três maiores hidrelétricas do mundo;, empolgou-se.

Conta de luz
Depois do vaivém judicial e das recomendações para que o consórcio responsável pela usina de Jirau cumprisse as condições estabelecidas nas licenças prévia e de instalação, o MPF de Rondônia protocolou uma nova ação civil pública, questionando, desta vez, a forma como se dará a inundação do distrito de Mutum Paraná. ;As medidas compensatórias estipuladas na licença de instalação sobre a remoção dos moradores do distrito estariam sendo descumpridas pela ESBR, provocando graves violações aos direitos e garantias fundamentais;, diz a ação. Além do consórcio, são citados na ação a União, o Ibama, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o município de Porto Velho e o estado de Rondônia.

O complexo residencial, batizado de Novo Mutum, tem capacidade para abrigar as 331 famílias que precisarão deixar suas casas nas redondezas do Rio Madeira e no distrito de Mutum Paraná. Será necessário, na prática, construir um novo distrito, com creches, escolas de ensino fundamental e médio, posto de saúde, sistema de coleta e tratamento de esgoto, distribuição de água, energia, coleta de lixo e internet. Esses serviços ainda não foram providenciados e, além disso, moradores relataram ao MPF que ;as indenizações ofertadas pela empresa não condizem com o valor real de suas propriedades;. Faltam informações aos moradores de Mutum Paraná, conforme a ação do MPF, como a disponibilização de um caderno de preços que fundamente os valores da indenizações. ;O escritório da empresa encontrava-se, literalmente, com as portas fechadas para a população atingida.;

Moradores que permaneceram em Mutum Paraná continuaram a pagar conta de luz, mesmo com a suspensão do fornecimento de energia elétrica. ;O único posto de saúde está em situação deplorável;, cita a ação. Quem já se mudou para Nova Mutum encontrou um distrito sem serviços públicos básicos, como posto de saúde, área de lazer, terminal rodoviário e policiamento. Por causa dessa situação, o MPF pediu na ação civil pública que nenhuma família seja transferida para a nova vila até que todos esses serviços estejam disponíveis aos moradores.

Polícia
No acordo firmado em audiência na Justiça Federal de Rondônia, a ESBR se comprometeu a instalar uma unidade de saúde em Nova Mutum em 15 dias. Em 90 dias, o consórcio precisa contratar dois médicos, dois enfermeiros e um bioquímico. A ESBR também deve manter toda a documentação relacionada ao empreendimento disponível para a população atingida, como o caderno de avaliação de preços para as indenizações às famílias. Se as obrigações não forem cumpridas, nenhuma família deve ser levada de Mutum Paraná para Nova Mutum.

O Ibama ficou responsável por vistoriar os dois distritos até 15 de dezembro para averiguar se as condicionantes estabelecidas na licença de instalação estão sendo cumpridas. O compromisso firmado pelo governo de Rondônia é manter um carro da Polícia Militar (PM) em Mutum Paraná e outro em Nova Mutum. No antigo distrito, 13 policiais devem manter a vigilância enquanto houver famílias morando no local. Na nova vila, dez policiais deveriam começar a trabalhar a partir da última quarta-feira, 17. O atendimento nos postos de saúde dos dois distritos e a manutenção de ambulâncias e ônibus escolares são responsabilidades do município de Porto Velho.

Como funciona
O reservatório da usina de Jirau ocupará uma área de 258km2. As águas vão além do Rio Madeira e, por isso, a construção do reservatório implica no alagamento de terras às margens do rio. Mutum Paraná, às margens do Madeira, será inundada para a formação do reservatório. Um vertedouro regulará o nível das águas em períodos de cheia.


CONSÓRCIO ATACA AVENTUREIROS
O consórcio de empresas responsável pela usina de Jirau, Energia Sustentável do Brasil (ESBR), argumenta que 94% dos moradores de Mutum Paraná concordaram com os valores das indenizações e com o processo de remanejamento para Nova Mutum. Os 6% restantes, segundo nota da ESBR enviada ao Correio, são ;casos judiciais de dúvidas sobre a propriedade ou sobre a sucessão em heranças;. ;Existe a indústria da indenização, bem conhecida no setor elétrico, composta por aventureiros que tentam levar vantagem;, diz a nota.

O diretor-presidente da ESBR, Victor Paranhos, afirma que todas as condicionantes estabelecidas nas licenças prévia e de instalação são atendidas pelo consórcio. Segundo ele, o consórcio já está cumprindo o acordo firmado em audiência na Justiça Federal de Rondônia. ;Essa audiência foi muito boa, pois ficou registrado o que cada parte deve fazer.; Victor Paranhos sustenta que licenças para grandes empreendimentos ;não podem demorar muito;, por causa da demanda crescente por energia elétrica. ;Temos obrigação de entregar energia em janeiro de 2013, cinco anos depois do leilão. O Ministério Público tentou parar a obra em 2008, mas as ações estão sendo questionadas na Justiça.;

Para o procurador da República de Rondônia Heitor Alves Soares, que moveu ações civis públicas contra a usina de Jirau, ;as condicionantes são empurradas de licença em licença até a conclusão da obra;. É a mesma opinião da procuradora da República Nádia Simas, atual responsável pela área de meio ambiente do MPF de Rondônia. ;As usinas de Jirau e Santo Antônio estão avançadas, é um fato consumado. O que resta agora é lutar pelas compensações.;

Um inquérito aberto pelo Ministério Público (MP) do estado de Rondônia investiga se os valores das indenizações aos moradores de Mutum Paraná são condizentes com a realidade. ;O Ibama demora para acompanhar o cumprimento de uma condicionante, com pareceres de dois em dois meses;, critica o promotor Aluildo de Oliveira Leite, coordenador do grupo de trabalho de meio ambiente do MP estadual.

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