Brasil

Análise genética poderá identificar mortos na Guerrilha do Araguaia

postado em 26/11/2010 09:19
O confronto ocorreu há cerca de 40 anos. Mas, para dezenas de famílias, é como se nunca tivesse terminado. A ideia dos guerrilheiros era combater a ditadura a partir da zona rural do país (mais especificamente, do sul do Pará e do noroeste do Tocantins). Mas o saldo do movimento foi a Guerrilha do Araguaia, que resultou em 84 mortes ; sendo 69 guerrilheiros. Grande parte deles não foi enterrada pelos familiares, que até hoje lutam para identificar e enterrar as ossadas, e, com elas, o capítulo de confronto na história do Brasil. Apenas a partir de abril de 2009, o governo se comprometeu a localizar os corpos e, desde então, pelo menos seis ossadas foram encontradas e estão em posse da Universidade de Brasília (UnB). Nos próximos dias, uma identificação genética poderá identificar os restos mortais e devolver, pelo menos a algumas famílias, a dignidade do reconhecimento.

Os corpos estão no Hospital Universitário de Brasília (HUB), com acesso restrito apenas a três pessoas. Entre elas, o ;fiel depositário; Malthus Fonseca Galvão, professor do Departamento de Patologia da UnB e diretor do Instituto Médico Legal (IML) do Distrito Federal. Para o professor, a guarda e a segurança adequadas desse material são essenciais para a possibilidade de identificação das ossadas. ;As ossadas estão muito destruídas. É preciso um lugar seguro do ponto de vista da climatização e do acesso, por exemplo. A UnB está atuando com toda a sua credibilidade para ser a depositária desses ossos;, explica. A segurança do material guardado envolve o fechamento das ossadas por três fechaduras tetra, de segredo independente, que estão em posse de três diferentes pessoas.

A guarda das ossadas na UnB ocorreu a partir de um convênio firmado entre a instituição e a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Isso porque, antes de ir para a universidade, os restos mortais repousavam em instalações inadequadas na própria secretaria. Também foi a comissão da secretaria que pediu autorização para realizar exames de identificação nos restos mortais. O pedido foi concedido em18 de outubro por decisão da juíza Solange Salgado, da Justiça Federal no DF, ;pelo fato de referidos restos mortais já terem sido examinados sem sucesso com a aplicação de outros métodos;.

Segundo Galvão, as ossadas serão identificadas por uma técnica conhecida como SNP (Single Nucleotide Polymorphism). ;Essa técnica permite identificar pequenas mutações genéticas em pequenos fragmentos. Ela é importante em se tratando do material que temos, que se deteriorou bastante com o tempo;, explica o professor. A identificação será feita em laboratórios especializados, fora da universidade.

O armazenamento e a identificação dos restos mortais de possíveis desaparecidos políticos só existem atualmente em função do Grupo de Trabalho do Tocantins (GTT), constituído em 2009 pelo Ministério da Defesa. No ano passado, o grupo realizou cinco expedições na região do conflito e, neste ano, foram feitas sete incursões. Atualmente, o grupo está no local, elaborando um relatório final relativo ao trabalho realizado em 2010. O coordenador de campo do GTT, Edmundo Muller, enfatiza que foram dois anos de escavações cuidadosas. ;O grupo já trabalha há dois anos na localização dessas ossadas, no cumprimento da sentença. Só paramos agora porque, em novembro, começaram as chuvas na região;, disse. O coordenador afirma que ainda aguarda, da UnB, um plano de trabalho para identificação das ossadas que estão na instituição.


Buscas vão continuar

A procura pelos restos mortais de desaparecidos políticos da Guerrilha do Araguaia deverá continuar em 2011. Essa é a previsão do coordenador de campo do Grupo de Trabalho de Tocantins (GTT), Edmundo Muller. ;Tudo indica que os trabalhos continuam no próximo ano, porque inúmeros pontos de enterro de guerrilheiros que nos foram relatados ainda não foram explorados.; Segundo ele, a equipe ainda espera localizar pelo menos outras 12 ossadas no Cemitério de Xambioá (TO). ;Retiramos um resto mortal do local e expedições anteriores identificaram outros dois guerrilheiros no cemitério;, completou Muller.

Além de apresentar a sentença inicial para a realização de escavações na busca dos desaparecidos políticos, a juíza Solange Salgada foi pessoalmente ao município Xambioá para examinar a evolução dos trabalhos do GTT. Na ocasião, no fim de outubro, a magistrada ouviu mateiros, guias e colaboradores da região. A localização de restos mortais ocorre, na maioria das vezes, a partir da indicação de moradores da região.

Mas desde os anos 1980, familiares buscam informações perante o Exército. Segundo Edmundo Muller, o Ministério da Defesa pediu formalmente que as três Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) disponibilizassem informações a respeito da Guerrilha do Araguaia e a resposta foi negativa. ;As três forças disseram que não têm mais nenhum documento sobre o período. Não têm informações;, relatou Muller. (LL)


RADAR
As escavações que resultaram na descoberta das amostras ósseas partem de um processo que se inicia com a aplicação do GPR (um tipo de radar de solo), que tem o objetivo de detectar alvos nos locais apontados pelos colaboradores. Com a identificação dos alvos, começa a fase da escavação por meio de pás e picaretas. A escavação só é feita até a descoberta da existência de uma inumação (sepultamento).


MEMÓRIA
Oposição no campo

A Guerrilha do Araguaia é considerada a mais importante oposição armada ao regime militar em se tratando de conflitos rurais. Ocorrida no início da década de 1970, a guerrilha levou esse nome por ter sido travada em locais próximos ao Rio Araguaia, na divisa entre os atuais estados do Pará, do Maranhão e de Tocantins. Organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a mobilização tinha o objetivo de enfrentar a ditadura a partir do campo, com o apoio da população. O conflito armado foi deflagrado em abril de 1972, quando o Exército chegou à região à procura dos guerrilheiros. Na época, cerca de 70 militantes do PCdoB moravam na região e trabalhavam como agricultores ou comerciantes. Acredita-se que os guerrilheiros só foram descobertos em função de informações passadas por um militante do partido. Os guerrilheiros resistiram por dois anos. No combate, cerca de 80 pessoas morreram, sendo a maioria militante do partido. A maioria dos corpos nunca foi encontrada e, desde a década de 1980, familiares dos guerrilheiros lutam pelo direito de saber a localização dos restos mortais.

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