Brasil

RJ: População se pergunta onde está o restante do bando de 500 traficantes

postado em 29/11/2010 08:13
Rio de Janeiro ; ;Um marginal sem arma, sem casa, sem território e sem moeda de troca é muito menos marginal do que era antes.; A resposta irritada do secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, na entrevista coletiva à imprensa concedida por volta das 20 horas de ontem, revela a posição do comandante da ocupação do Complexo do Alemão sobre o sumiço de centenas de traficantes do morro. Depois de 12 horas de operação policial, que ocupou as favelas do Alemão ao longo de todo o dia, o secretário não apresentou um balanço sobre as prisões e apreensões de drogas e armas. ;Não há um balanço ainda, pois há pessoas, armas e drogas sendo apreendidos a toda hora. Isso deve continuar por alguns dias.;

A estimativa da Polícia Militar (PM) do Rio, antes de ocupar o complexo do Alemão, era de que 500 traficantes estavam no Alemão ; 300 da própria região e 200 recém-chegados da Vila Cruzeiro, foragidos da favela vizinha depois da ocupação empreendida pela polícia na quinta-feira, 25. Ontem, ao longo do dia, a PM prendeu e mostrou apenas dois homens com posição importante na hierarquia do narcotráfico. O resultado mais concreto da operação foi a apreensão de toneladas de drogas, principalmente maconha e cocaína. A partir de meio dia, carros da PM, da Polícia Civil e blindados desciam carregados de drogas. Somente de três quartos de uma pequena casa, que funcionava como depósito de maconha, foram recolhidas cerca de dez toneladas da droga. Casas com piscina, banheira de hidromassagem, ar-condicionado e aparelhos eletrônicos foram descobertas pelos policiais.

O principal traficante detido ontem é Eliseu Felício de Sousa, o Zeu, condenado por envolvimento no assassinato do jornalista Tim Lopes, da TV Globo, em 2002. Zeu estava foragido e aceitou a rendição diante da abordagem dos policiais. Ao pé do morro, a polícia exibiu o traficante à imprensa como a principal conquista do dia de busca aos bandidos do Morro do Alemão. Zeu deve ser transferido hoje para um presídio federal de segurança máxima. Ele pode ir para Catanduvas (PR) ou para Porto Velho (RO). Conforme as investigações sobre a morte de Tim Lopes, a função de Zeu foi comprar a gasolina utilizada para queimar o corpo do jornalista. Depois de ser beneficiado com a progressão da pena para o regime semiaberto, o traficante não retornou mais ao presídio. Continuou no comando do tráfico no complexo do Alemão.

O traficante desceu do morro a pé, escoltado por policiais, com a cabeça em pé e sem esboçar qualquer expressão. Policiais chegaram até ele depois de uma denúncia anônima de moradores. Uma casa próxima era vasculhada e, por meio de um sinal, um morador avisou a polícia sobre Zeu. Sinais, que a polícia não diz quais são, têm sido a forma mais comum na transmissão de informações dos moradores aos policiais.

Outro detido ontem, com importância na hierarquia do narcotráfico, foi Vitor Roberto da Silva, o Vitinho. A polícia informou que ele chegou a tentar uma fuga disfarçado com uma roupa de agente de saúde de combate à dengue, mas foi surpreendido por policiais que vasculhavam as casas do Morro do Alemão. Escondido numa favela do complexo, Vitinho atuava numa comunidade de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

Um pai entregou o filho à polícia, temendo a morte do jovem. Carlos Augusto Trindade, conhecido como Pingo, foi preso dentro da casa de uma vizinha. Ele já era procurado pelos policiais e foi convencido pelo pai, Ivanildo Dias Trindade, a se entregar. ;Eu tenho quatro filhos, os outros todos são trabalhadores. Filho a gente pede para não se envolver nisso, mas nem sempre eles ouvem;, disse Ivanildo após descer o morro. ;Um dia tem de pagar.;

O filho ficou o tempo todo ao lado do pai, sempre de cabeça baixa e escondendo o rosto. Ivanildo acompanhou o jovem até o micro-ônibus para onde foi levado. O Correio tentou obter mais informações com Ivanildo, mas ele sinalizou que o filho poderia fugir se ele deixasse o local. Ao contrário de outros detidos ontem, que chegaram à base do Morro do Alemão dentro de carros da polícia, Ivanildo e Carlos Augusto foram acompanhados por policiais a pé.

O gesto foi semelhante ao registrado no sábado, 27, dia em que a PM deu um ultimato para a rendição dos bandidos. Diego da Silva dos Santos, conhecido como Mister M, foi levado pela mãe até a polícia, no ponto acertado para a rendição.

Integração ressaltada
O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, ressaltou ontem à noite, na entrevista coletiva à imprensa, que o êxito da ocupação do complexo do Alemão só foi alcançado por causa da ação integrada com as Forças Armadas, a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Representantes das três instituições participaram da curta entrevista e garantiram que soldados e policiais permanecerão no Complexo do Alemão. ;A resposta sempre será dura e à altura de qualquer enfrentamento. A Polícia Federal continuará fazendo incursões nessas áreas, juntamente com a Polícia Civil;, disse o superintendente da PF no Rio, Angelo Joia.

O secretário Beltrame garantiu que o Complexo do Alemão, o ;coração do mal; no Rio de Janeiro, permanecerá ocupado e policiado por tempo indeterminado. ;Quem apostar na derrota, vamos sempre dobrar a aposta;, disse o secretário. (VS)

MEMÓRIA
Requintes de crueldade
O repórter da Rede Globo Tim Lopes foi à comunidade da Vila Cruzeiro em uma tarde de junho de 2002. Ele estava equipado com uma microcâmera e tinha o objetivo de apurar denúncias de moradores de que, em um baile funk na área, havia casos de exploração sexual infantil, além de venda de drogas. Tim, no entanto, nem conseguiu ir ao baile. Ele foi descoberto por traficantes que, irritados por causa de uma outra reportagem feita pelo jornalista, resolveram assassiná-lo com requintes de crueldade. Tim Lopes foi torturado durante toda a noite antes de ser esquartejado e queimado em meio a pneus. O mandante da morte do jornalista foi o traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco. O bandido foi preso, julgado e condenado a 28 anos e seis meses de cadeia pelo crime.

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