Brasil

Cabral vai pedir 2 mil homens das Forças Armadas no Rio por seis meses

Governador anuncia instalação de UPPS na Vila Cruzeiro e no Alemão até julho do ano que vem. Enquanto isso, Exército ocupará as duas áreas, ainda que a contragosto

postado em 30/11/2010 08:58
Rio ; Um dia depois de as forças de segurança retomarem o domínio de 13 favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro, o governador Sérgio Cabral informou que o Complexo do Alemão e a Vila Cruzeiro receberão Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) dentro de um prazo de ;seis ou sete meses;. Enquanto isso, anunciou o governador, a segurança das comunidades será feita pelo Exército.

No fim da noite, por volta das 23h15, Cabral deixou a reunião de mais de três horas com a presidente eleita, Dilma Rousseff, na Granja do Torto, anunciando um reforço do efetivo nesse ;governo de transição; nas favelas do Rio. No encontro, do qual também participaram o vice-governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, e o deputado Antonio Palocci (PT-SP), Cabral adiantou que vai solicitar ao Ministério da Defesa, hoje, que 2 mil homens das Forças Armadas sejam cedidos para fazer o patrulhamento do Complexo do Alemão até o fim do primeiro semestre de 2011.

Em entrevista, antes da reunião, Sérgio Cabral já havia dito que o tempo de até sete meses para a inauguração das UPPs se justifica para a realização de concursos públicos, além do treinamento de policiais militares para atuarem na região. ;Como temos a previsão de formar 7 mil homens em 2011, nós temos um cronograma. E a presença das forças do Ministério da Defesa no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro nos dará a garantia dessa nossa cronologia;, afirmou o governador.

A presença de homens das Forças Armadas no conjunto de favelas se dará a contragosto do comando do Exército, que teme o contato direto de militares com o narcotráfico. A avaliação é de que a convivência nos morros possa contaminar homens do Exército. Inicialmente, 800 militares devem se revezar na segurança das áreas mais críticas do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro. Eles contarão com veículos blindados e armamento especial. Em nota divulgada ontem, o Ministério da Defesa informou que vai avaliar ;com celeridade; a solicitação de apoio militar para as zonas onde ocorreram os conflitos.

;Nós acordamos bem cedo com o desafio de hoje e dos próximos dias, semanas e meses, que é a reconquista efetiva dos territórios ainda ocupados pelo poder paralelo;, declarou Cabral.

Longe dos carpetes e do ar-condicionado dos anúncios oficiais, as ruas inclinadas e nem sempre asfaltadas do Complexo do Alemão exibem as marcas da ocupação policial realizada no domingo e mantida ontem. A quantidade de lixo em frente a casas e comércios impressiona. Há, no meio da sujeira, muitas máquinas caça-níqueis, sofás, eletrodomésticos quebrados. Crianças e adultos vasculharam ao longo do dia as montanhas de dejetos, na esperança de conseguir algo em bom estado. Casas apontadas como sendo de traficantes, visivelmente mais bem aparelhadas que a maioria das residências ali, também foram alvo de saques.

Uma delas, localizada quase no alto do morro que abriga as 13 favelas do Alemão, ficou cheia de crianças ontem, que se esbaldavam em uma espécie de pátio equipado com cestas de basquete, painéis com fotos de família e brinquedos caros. Um quadriciclo elétrico fez a festa da garotada. Os maiores também aproveitaram. Muita gente saía da casa carregando vasos sanitários e demais louças de qualidade superior a peças comuns. ;É reportagem? Eu estou indo fazer compras;, brinca um morador, com uma chave de fenda na mão, ao se dirigir para o interior da residência.

O dedo dos encapuzados

Rio ;
Os moldes da operação policial mantida no domingo, depois do território completamente ocupado, continuaram ontem. As vias de acesso do Alemão permaneceram vigiadas, principalmente por homens das Forças Armadas e policiais civis. Todos os moradores que entravam ou saíam eram revistados. ;Está tranquilo, tem que verificar mesmo, sem muita delonga, conforme estão fazendo;, apoia Roberto Silva, 24 anos e há 15 morador do Alemão. No interior do conjunto de favelas, o trabalho de varredura, casa a casa, continuou. A PM informou ter apreendido 12 coquetéis molotov, dois artefatos explosivos, 14 litros de gasolina, 5 litros de álcool, 7 galões de gasolina, 6 dinamites, 6 espoletas e 77 granadas e bombas caseiras até o início da noite de ontem.

Duas picapes que teriam sido usadas por bandidos na fuga da Vila Cruzeiro e também do Alemão foram apreendidas pela Polícia Civil. Um dos carros é blindado, e estava com pneus furados e marcas de tiros. Três pistolas foram enterradas numa casa dentro do Alemão, das quais duas têm mira a laser, graças a denúncias de moradores. Ontem, era comum ver informantes da polícia, encapuzados, levando os agentes até locais com armas, drogas ou foragidos. Tanta polícia nas ruas, aliás, era motivo de surpresa entre os moradores, acostumados com as leis do tráfico, inclusive sobre quem podia ultrapassar os limites territoriais da favela.

Aparelhos de TV
;Tem 14 anos que moro aqui e nunca tinha visto isso. Eles não entravam mesmo;, afirma Ednaldo Santos, dono de uma mercearia no Alemão. O homem de 35 anos, que abre seu comércio às 10h e fecha por volta das 23h, elogia a ação, mas prefere não tirar foto para a reportagem. Apesar da tranquilidade no local, nem todos os moradores estão totalmente convictos de que a paz continuará a reinar. ;A gente fica entre a cruz e a espada;, explica Ednaldo. Entre cenas comuns pelas ruas, como crianças brincando, mulheres fazendo compras e gente nos bares, há moradores revoltados por suas casas terem sido arrombadas pela polícia e saqueadas pela própria vizinhança.

Jeferson da Silva dos Reis, contratado pela prefeitura para operar o trânsito no viaduto Zuzu Angel, tentava recuperar dois aparelhos de TV. ;Os policiais tiveram aqui ontem (domingo), pediram para abrir, nós abrimos. Faço questão de ajudar. Hoje, como não tinha ninguém, eles quebraram a minha porta. Depois, os próprios moradores vêm aqui para levar nossas coisas?;, revolta-se o homem de 21 anos e três filhos. Ele procurava saber, entre a vizinhança, quem estava com seus objetos. ;Senti falta de um liquidificador e de uma cafeteira, mas pegando de volta as televisões já está bom;, diz Jeferson, enquanto a mulher mostrava notas fiscais dos bens. (RM)


MAIS RECURSOS VIA MP
O ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, afirmou que o governo federal está disposto editar uma medida provisória (MP) para liberar mais recursos para o reforço de políticas de segurança no Rio de Janeiro, caso o governo fluminense considere necessário. Para o ministro, porém, ainda é cedo para se discutir a MP. Em entrevista coletiva ontem à tarde, Barreto elogiou a atuação das forças de segurança que retomaram, no fim de semana, o controle de favelas dominadas pelo tráfico de drogas, na Zona Norte do Rio. ;Neste momento em que a segurança da população foi colocada em risco, foi muito bom saber que o sistema funcionou;, afirmou. O ministro se reuniu ontem com o ministro de Governo da Bolívia, Sacha Lorenty, para tratar de um projeto integrado entre países da América do Sul para o combate ao tráfico de drogas e de armas nas fronteiras. (DA)

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