Brasil

Cabral quer que tropas federais fiquem no Complexo do Alemão por mais tempo

Lula já anunciou que o pedido será atendido, apesar de a solicitação formal não ter sido feita

postado em 01/12/2010 08:30
Um dia depois de anunciar que as tropas federais ficarão no Complexo do Alemão até julho, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), decidiu mexer no calendário da ocupação. Quer mais tempo. Que as Forças Armadas permaneçam na área até outubro de 2011, prazo mais apropriado para a construção de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no local. No pedido, que segundo ele já havia sido feito ao Ministério da Defesa, o estado quer pelo menos 2 mil homens, 1.200 a mais do que o contingente colocado à disposição das forças de segurança fluminense. A decisão foi feita depois de um encontro do governador com a presidente eleita, Dilma Rousseff, na segunda-feira, e confirmada ontem durante a inauguração de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, Zona Norte da cidade. No mesmo local, foi anunciado o balanço parcial das operações realizadas contra traficantes, que resultou em um prejuízo de R$ 100 milhões para os criminosos com a perda de armas, drogas e munição.

Segundo Cabral, a longa permanência das Forças Armadas seria uma forma de garantir o reforço até a inauguração de uma UPP no Complexo do Alemão. ;As forças fazem um trabalho de contenção;, explicou Cabral, referindo-se ao trabalho da Brigada de Paraquedista do Exército. ;Por força do efetivo que precisamos para isso, nós teremos, nesse processo de transição até a chegada da nossa UPP, no fim do primeiro semestre, um efetivo do Ministério da Defesa de 2 mil homens;, acrescentou o governador. Atualmente, foram cedidos para o governo fluminense, 800 soldados, que fazem patrulhamento nas saídas do Alemão.

A resposta à solicitação de Cabral seria dada apenas pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, que se encontra na Polônia. Mas depois de vistoriar as obras da Usina Hidrelétrica de Estreito (MA), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou a manutenção das tropas federais no Rio e elogiou a postura do governador. ;Eu fiquei feliz com o Sérgio Cabral ter pedido apoio. Ele teve sensibilidade, humildade e competência de pedir o apoio e prontamente atendemos;, garantiu Lula. O Ministério da Defesa informou, em nota, que a análise do envio de novos soldados será feita a partir do momento em que Jobim receber o pedido formal de Cabral. ;Quando concluído o diagnóstico por parte das autoridades estaduais, o Ministério da Defesa iniciará, com celeridade, a avaliação de eventuais pedidos de ajuste no apoio militar fornecido;, diz o comunicado.

Até agora, a PM apreendeu 135 armas ; muitas são fuzis de longo alcance ;, 235 quilos de cocaína, 33 toneladas de maconha, 27 quilos de crack e mais de 1.400 frascos de lança-perfume. ;O impacto financeiro é de mais de R$ 100 milhões, e isso é só no Alemão", disse o comandante-geral da Polícia Militar do Rio, Mário Sérgio Duarte. No levantamento do material recolhido, a polícia fluminense não havia contabilizado os 350 veículos encontrados com os marginais, entre eles 320 motos. Também entra na contagem a prisão de Daniel Luiz Soares, o Daniel Papai, suspeito de ser o chefe do tráfico da Favela de Manguinhos, uma das comunidades que integram o Complexo do Alemão. Ele estava escondido em Niterói, reagiu e foi baleado. A polícia espera chegar a outros integrantes da facção criminosa que atuava no Complexo do Alemão a partir da prisão feita ontem.

Inauguração
Na manhã de ontem, Cabral inaugurou a 13; UPP no Rio. Desta vez, no Morro dos Macacos, onde dois policiais morreram em outubro do ano passado, quando criminosos derrubaram um helicóptero. A unidade vai atender a uma comunidade de 27 mil pessoas, além de moradores de bairros próximos. Cabral afirmou que, na conversa que teve com a presidente eleita, na segunda-feira, ficou definido também o repasse de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para obras de saneamento e habitação na área próxima à UPP, que também receberá benefícios nos setores de saúde e projetos de inclusão digital. Inicialmente, segundo as autoridades de segurança do Rio, serão utilizados cerca de 230 policiais militares na nova unidade.

Além do Morro dos Macacos, a Secretaria de Segurança Pública pretende levar o projeto de pacificação para outras comunidades próximas, como Engenho de Dentro. Conforme o governo, a necessidade urgente da construção de uma UPP no Complexo do Alemão fez alterar a ordem de construção das unidades. A próxima seria na Mangueira, que só deverá ter sua UPP no próximo ano.

Queda e explosão

Em 17 de outubro do ano passado, um intenso tiroteio no Morro dos Macacos deixou 12 pessoas mortas. Dez delas eram supostos criminosos. As outras eram policiais que estavam em um helicóptero da PM. A aeronave foi atingida na hélice, caiu dentro de uma vila olímpica da comunidade e explodiu. Na época, o clima na região ficou tenso e pelo menos oito ônibus foram incendiados.

Meninos brincam no Complexo do Alemão: comércio e escolas funcionando

E A VIDA VAI VOLTANDO AO NORMAL

Renata Mariz
Enviada especial


Rio de Janeiro ; A criançada brincando na rua, segundo um dos policiais federais que circulava ontem no início da tarde no Complexo do Alemão, é o maior sinal de tranquilidade. De fato, as ruas estavam cheias de meninos e meninas correndo e gritando. Muitos passavam de mochilas nas costas, indo ou voltando das 31 escolas e creches da região que retomaram as aulas, suspensas desde quinta-feira. Muitos comércios também abriram as portas, depois de quatro dias sem faturar.

Na Rua Joaquim de Queiroz, principal via de acesso à Grota, uma das 13 favelas que formam o Alemão, duas tendas, separadas, no máximo, por quatro metros, disputavam clientes de TV a cabo. Os vendedores das empresas rivais circulando a pé, na briga pela atenção de futuros assinantes, davam uma sensação ainda mais forte de que a rotina dos moradores está sendo retomada. No entanto, como as patrulhas continuam dentro das comunidades, revistando as casas, as reclamações de arrombamentos e até furtos continuam frequentes.

As pessoas que precisam sair para trabalhar têm apelado a vizinhos para que não deixem policiais forçarem suas fechaduras nem destruírem objetos da casa. Também deixam bilhetes dirigidos aos homens fardados. ;Meu senhor, fique à vontade, só não quebre minhas coisas;, diz uma mensagem pregada na porta de um morador. O lixo acumulado nas ruas do Complexo do Alemão começou a ser recolhido ontem. As motos e os carros queimados durante a operação dentro das favelas foram retirados por reboques da prefeitura do Rio na noite de segunda-feira.

Apesar dos 10 mil alunos da rede municipal que puderam voltar às aulas ontem, cerca de mil estudantes das escolas estaduais da região ainda não têm data para retornar. Isso porque a Secretaria de Educação deixou a cargo de cada direção decidir o momento oportuno de abrir as portas. Nos comércios, apesar do alívio de retomar as vendas, nem todo mundo está feliz. O dono do Bar do Maluco, localizado na Estrada do Itararé, via que circunda o Alemão, reclama das perdas futuras. ;Vendia 50 caixas de cerveja de dois em dois dias, agora será difícil;, diz, em função da fuga em massa dos traficantes.

O comerciante teme falar o próprio nome ou deixar que façam imagem dele. Dono de um misto de mercado e bar na parte mais alta do Alemão, um rapaz de aparentes 30 anos espera que a polícia não saia do conjunto de favelas. ;Se eles abandonarem a gente, muitos vão morrer, igual ocorreu em 2007;, afirma, referindo-se à última ocupação no Alemão feita pela Polícia Militar. Depois de algumas semanas, os homens se retiraram do território. Contam os moradores que, quando os traficantes voltaram, mais de 100 pessoas morreram, em retaliação a denúncias repassadas para os militares e até a entrevistas dadas à imprensa.

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