Brasil

RJ: Secretaria de Segurança Pública vai apurar excessos policiais

postado em 01/12/2010 08:55

Rio de Janeiro ; O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, disse ontem que todos casos de abusos policiais cometidos durante as operações dos últimos dias na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão serão investigados e os autores, punidos. ;Quem manchar os heróis que trabalham com dedicação será punido;, disse durante a cerimônia de inauguração da 13; Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), no Morro dos Macacos. Para isso, a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro instalou dois postos de atendimento de sua corregedoria nas regiões onde ocorreram as principais operações. Mas representantes de organizações de defesa dos direitos humanos defendem o acompanhamento do Ministério Público e da Defensoria Pública nos casos denunciados.

[SAIBAMAIS]A reação da Secretaria de Segurança Pública veio depois que o Correio mostrou o desespero de Ronai de Almeida Lima Braga Júnior em reportagem multimídia (texto no jornal impresso e vídeo na internet) divulgada no domingo. Nas imagens reproduzidas pelas principais emissoras de TV do país, o morador da Vila Cruzeiro, relata o drama de ter a sua porta arrombada, os móveis destruídos e R$ 31,5 mil furtados. Segundo testemunhas que foram à 22; Delegacia de Polícia com Ronai, policiais civis entraram na residência do homem de 32 anos e teriam levado o dinheiro. Até ontem, ele não havia recebido qualquer contato da delegacia.

Com comprovantes de rescisão de contrato de trabalho de uma empresa onde trabalhou por oito anos, depósitos bancários, extratos de FGTS e as duas últimas declarações de Imposto de Renda, Ronai, que é autômomo, repete que é ;trabalhador;. ;Eu não sou traficante, eu não sou bandido. Uma vida inteira de trabalho virou pó;, lamenta, desolado. Com o dinheiro, ele planejava dar a entrada no financiamento de um apartamento fora da Vila Cruzeiro. Assim, criaria os dois filhos ; Lucas, 9 anos, e Natan, 2, ; mais sossegado. Ronai conta que estava com o dinheiro em mãos para poder negociar o imóvel, mas, devido à situação precária da comunidade ; sem luz desde o início da operação policial ;, ele iria, no dia do furto, depositar a quantia no banco.

;Fui com a minha esposa na casa do vizinho. Aí, começou um tiroteio que durou mais ou menos meia hora. Quando desci em casa, estava tudo quebrado. Olha o estado do quarto dos meus filhos;, chora o homem, ao lado da mulher, Andrea. Na última segunda-feira, quando completou 32 anos, Ronai viajou para um encontro de pastores na capital de São Paulo, compromisso previamente agendado. ;Tentei vir até para esquecer um pouco, mas não dá. Meu mundo caiu;, afirmou Ronai, por telefone, ontem, ao Correio. Ele pretende pedir ressarcimento ao Estado pelo dinheiro que diz ter sumido, mas sabe que não será fácil. ;Eu sou forte, posso começar tudo de novo. Talvez a recuperação do meu dinheiro só chegue para os meus filhos. Quem sabe para ajudá-los a pagar a faculdade mais tarde;, sonha.

Sem surpresas
Corregedor da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Giuseppe Vitagliano, reconhece que a operação estava sujeita a problemas com policiais desonestos. ;A operação foi planejada. Foi antecipada devido aos atentados do último fim de semana, mas já estava programada e, infelizmente, não nos surpreende a ocorrência de abuso de alguns policiais, que são minoria;, diz. Mas o especialista garante que as denúncias serão investigadas e afirma ainda que agentes à paisana já estão levantando informações. Segundo Vitagliano, há processos administrativos em andamento na Corregedoria-Geral unificada, responsável pela apuração de denúncias e formação de diligências sobre possíveis abusos ou crimes de agentes ocorridos nos últimos dias.

Mas Patrícia de Oliveira da Silva, membro da Rede de Comunidades contra a Violência, e Sandra Carvalho, diretora adjunta do Justiça Global, lembram que, em 2007, na última grande operação da polícia na mesma região, também ocorreram problemas semelhantes ao sofridos por Ronai, além de agressões, roubos e execuções. Patrícia aconselha que aqueles que sofreram abusos procurem o Ministério Público ou a defensoria do estado. ;Muitas vezes, quando os moradores procuram a ouvidoria da Secretaria de Segurança, sofrem retaliações por parte dos policiais. Então, aconselho que essas pessoas procurem diretamente o Ministério Público ou a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do estado;, conta.

Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ) no Rio de Janeiro, Wadih Damous condena a atuação de agentes policiais que aproveitam as megaoperações para cometer crimes. ;Nada justifica a violação de direitos civis e individuais. Domicílios não podem ser violados. Policial só pode entrar na casa das pessoas autorizado judicialmente ou em caso de flagrante delito ou com autorização do morador. Invadir casas, quebrar utensílios e ameaçar moradores é inaceitável;, diz. Damous espera que a secretaria fique atenta às denúncias. ;Espero que a Secretaria de Segurança adote enérgicas atitudes com relação a isso;, conta.

MEMÓRIA
Mortes por execução

Em 2007, o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) ocupou o complexo do Alemão e da Penha. A ação teve início depois que traficantes assassinaram dois policiais militares em Oswaldo Cruz, Zona Norte do Rio de Janeiro. Os agentes faziam ronda no local onde, três meses antes da operação, um menino de seis anos tinha sido morto. O confronto entre policiais e traficantes durou mais de um mês. No dia mais intenso da operação, 19 pessoas morreram e 13 ficaram feridas. De acordo com a polícia do estado, todas as mortes ocorreram durante o confronto, mas uma análise da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República nos laudos periciais concluiu que muitas das vítimas foram executadas sumária e arbitrariamente ; sem chance de defesa. O documento, contestado pelo secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, foi elaborado por um órgão do governo federal, mas a megaoperação e a atuação dos policiais do Rio foram elogiadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

HOMENS DE PRETO E FRUSTRADOS

A adrenalina transformou-se em frustração para policiais mais engajados no combate ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Não que eles estejam insatisfeitos com a ocupação do Complexo do Alemão, um dos territórios dominados pelo crime mais perigosos da cidade e de onde suas viaturas tinham de passar longe. O problema é que muitos homens fardados, principalmente os de preto, haviam se preparado para uma guerra que ficou só na promessa, diante da quase inexistente reação dos bandidos. A sede de ;botar a mão nos vagabundos; passa, agora, a ser alimentada com a expectativa de novas operações em locais também inóspitos, como a Favela da Rocinha e da Mangueira.

O Alemão, entretanto, tem uma simbologia especial, por todo o poderio bélico entocado no local e também pelas baixas sofridas em outros confrontos. ;Era a guerra do meu sonho;, resume o soldado Luciano Santos, policial militar há seis anos. Desde 2008, ele integra o Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Rio, considerada a melhor tropa de combate urbano do mundo. Para Santos, entrar na favela e trocar tiro com os traficantes seria a melhor forma de livrar a comunidade da opressão, ao mesmo tempo em que colegas seriam honrados. ;Já mataram muito companheiro nosso aí, nos preparamos tanto para esse momento que, infelizmente, não ocorreu;, lamenta o soldado.

A sensação de vazio é geral entre os homens do Bope. O policial identificado como Lima surpreende-se com a falta de confronto. ;Nunca pensei que seria tão fácil;, diz o policial de preto. A ordem vinda do comando da tropa de elite da PM do Rio era clara: não medir esforços para eliminar o maior números de traficantes. Para tanto, eles precisavam estar em posição privilegiada. Foram, então, levados para os pontos altos da favela dentro de blindados. De lá, iam descendo concatenados com os outros agentes de segurança que participaram da operação. Medo de baixa? ;Não existe. Se você entra na guerra achando que vai morrer, melhor nem entrar. A gente é bem treinado e sabe o que está fazendo. Perigo sempre tem, mas não pensamos nisso;, diz Santos.

Para Paredes, outro policial do Bope frustrado com a facilidade na ocupação do morro, a continuação da paz no Alemão depende tanto das forças de segurança pública quanto dos moradores. ;Vagabundo só volta se a comunidade quiser;, diz Paredes. Com as escalas se normalizando somente a partir de ontem, muitos policiais estão há uma semana longe de casa. Para o tenente Bittencourt, a ampla cobertura da imprensa serve para acalmar a mulher que está em casa. ;Se ela não tivesse me visto na televisão umas duas vezes, ia achar que eu estava mentindo;, diz o policial militar. O celular de Lima, do Bope, toca várias vezes ao dia. ;É minha ficante, tenho dois filhos mas não tenho mulher, mas tenho ficante;, brinca o rapaz. (RM)

A TROPA

Quem e quantos deram o sangue no Alemão

Bope - 250
Polícia Militar - 1.100
Core* - 120
Polícia Civil - 200
Fuzileiros Navais - 88
Exército - 800
Polícia Federal - 300

* Coordenadoria de Recursos Especiais, a tropa de elite da Polícia Civil do Rio

Confira as vídeorreportagens com depoimentos dos moradores:

Ronai Braga, morador da Vila Cruzeiro, acusa a polícia do Rio de ter arrombado sua casa e levado R$ 31 mil - Imagens: Iano Andrade

Geógrafa Isabel Jennerjahn, moradora da Vila Cruzeiro, denuncia a violência da polícia do Rio - Imagens: Iano Andrade

Priscilaine Santana e Elídio Bortolati, moradores do Complexo do Alemão, denunciam abusos da polícia na ocupação do morro - Imagens: Iano Andrade



Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação