Brasil

Moradores do Complexo do Alemão têm impressões distintas sobre a polícia

postado em 02/12/2010 08:30
Rio ; Heróis na pista, mas nem tanto no morro. A cidade partida também se divide em relação à imagem dos policiais. Nenhum morador do Complexo do Alemão nega o alívio de estar, pelo menos por enquanto, livre das leis do tráfico. Eles reclamam, entretanto, da atuação dos homens fardados que, desde domingo, fazem varredura dentro de cada casa apertada do conjunto de favelas. ;Teve um que veio aqui, tentou levar dinheiro e uma câmera. O policial ainda saiu com um cacho de banana nas mãos;, reclama Cleonice Madaleno de Freitas. Mais adiante da rua de Cleonice, já fora do território inclinado, a mulher de 60 anos é só elogios. ;Não tive problema nenhum, eles estão fazendo um bom trabalho;, afirma Cremilda dos Santos, dona de uma lanchonete na Estrada do Itararé.

As opiniões das duas mulheres representam, de certa forma, o sentimento dúbio em relação à operação policial, de moradores que estão dentro das comunidades e os que estão fora, ainda que a poucos metros. Com 60 anos, mais de 50 vividos no bairro da Penha, no Rio, Cremilda afirma que vivia com muito medo da proximidade de bandidos. ;Será muito bom agora, vou poder dormir tranquila;, diz. Cleonice também espera uma rotina mais sossegada para ela e para o filho, Udson, 29 anos, prestador de serviço no Banco Central. A mulher destaca que ;poucos mancham a honra da maioria;. ;Esse que veio aqui estava a fim de bagunçar o trabalho dos outros, que estão dando duro na comunidade;, acredita.

Mineira de Raul Soares mas moradora do Alemão há 40 anos, Cleonice, que se queixou pessoalmente, ontem, com o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, diz que não amolece. ;Se nunca fui pressionada por bandido, vou deixar ser coagida por policial?;, revolta-se a mulher, que faz faxina em casa de família e ainda aluga seu quintal para motos. Cleonice exibe os sete veículos com orgulho. ;Todo mundo que deixa aqui tem que apresentar o documento. E eu guardo a cópia. Não fosse assim, tinham levado todas daqui;, afirma a mulher. Para poder trabalhar ontem, ela pregou um bilhete na porta da casa, pedindo a colaboração dos policiais.

Além do ;abuso; de ter levado as bananas de sua casa sem pedir, Cleonice se revolta com as insinuações que o policial teria feito. ;Eles acham o quê? Só porque tenho computador em casa, tenho TV, sou bandida? Eu trabalho de diarista, ganho relativamente bem. Disse mesmo para ele: ;Fora, covarde!’ Se não sair, jogo água quente em você. Quando foi embora, ainda catou meu cacho de bananas. Eu faria um sanduíche para ele se tivesse falado que estava com fome. Não precisava enfiar as mãos nas minhas coisas sem pedir;, lamenta Cleonice, dentro de sua cozinha, onde a discussão mais acalorada com o policial teria ocorrido.

Para Cremilda, que vende salgados, refrigerante e picolés nas imediações do morro, não houve nenhum contato desagradável com os agentes de segurança pública que circulam pelo local desde domingo. Para a mulher, que mora com a filha e uma neta de três anos, a paz trazida pelos policiais é o melhor presente de Natal que a família poderia receber.

Presos transferidos
Ontem, o Bope avançou nas investigações sobre como os chefões do tráfico no Alemão fugiram do local antes da invasão da polícia no sábado. Novas informações sugerem que vários criminosos escaparam do cerco por túneis construídos durantes as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A rede, contada em quilômetros, chega até áreas que estiveram fora da operação montada pela Secretária de Segurança Pública. De acordo com a denúncia, os chefões teriam fugido já na quinta-feira, dia 25. Criminosos do segundo escalão teriam ficado na comunidade organizando a retirada de armas, munições e, principalmente, o dinheiro da quadrilha.

Para tentar desarticular os ataques de criminosos no Rio de Janeiro, o Ministério da Justiça ainda transferiu dez presos que estavam no Pará, para o presídio federal de Porto Velho, em Rondônia. Com a movimentação, já são 30 presos levados para cadeias de segurança máxima em função dos ataques no Rio. O ministério também pretende endurecer as regras de visitas de familiares e advogados aos presos ligados ao tráfico.

Na torcida para que tudo dê certo
; Depois das denúncias de excessos cometidos por policiais envolvidos no cerco ao tráfico, o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, visitou o conjunto de favelas do Alemão, na Zona Norte da capital fluminense, ontem. Para simbolizar a união do estado em torno da guerra contra o tráfico, integrantes da comitiva de Beltrame usaram camisas de seus times do coração. Durante a caminhada, além de ser abordado por dona Cleonice de Freitas (leia reportagem ao lado), o secretário ouviu reclamações de mais duas senhoras, que tiveram as casas revistadas por policiais. Uma delas chegou a afirmar a Beltrame que apoia a operação, ;mas um manezinho de um PM está querendo estragar tudo;. Também em visita ao Alemão nesta quarta-feira, o prefeito da cidade, Eduardo Paes, prometeu implantar um serviço de limpeza permanente no conjunto.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação