postado em 06/12/2010 08:30
Rio de Janeiro ; Além das marcas de bala, fruto da ocupação policial realizada na última semana no Complexo do Alemão, os muros do conjunto de favelas do Rio de Janeiro exibem uma sigla muito comum e temida por moradores do local: CV. Iniciais de Comando Vermelho, grupo que dominava a área até então, o CV é considerado a mais antiga e maior facção criminosa do país. Brigas internas e traições resvalaram para dissidências, que originaram os outros dois bandos hoje atuantes na capital fluminense: Amigos dos Amigos (ADA) e Terceiro Comando Puro (TCP). Seguindo o exemplo do Rio, bandidos de São Paulo formaram o Primeiro Comando da Capital (PCC). Embora a simples menção a essas siglas seja tabu entre autoridades policiais, devido ao temor de dar publicidade e força às organizações, elas representam um grave desafio da segurança pública nacional.Em comum, todas as facções do Rio de Janeiro apoiam-se na dominação de território que garanta uma área de livre-comércio de maconha e cocaína, principalmente, além de armas. ;Diferentemente de outros locais, os morros cariocas facilitam esse controle de quem entra e quem sai, deixando os traficantes encastelados;, explica Daniel Sampaio, delegado da Polícia Federal e criador do Comando de Operações Táticas (COT) da corporação, grupo de elite que atuou na ocupação do Alemão. O policial federal destaca que, aliado à topografia, uma omissão de 40 anos do estado fluminense culminou nos grupos organizados. Representado por Luiz Fernando da Costa, vulgo Fernandinho Beira-Mar, o CV é tido como a facção mais violenta da cidade, bem como a mais faminta por dominar favelas. Por outro lado, presta apoio às famílias de integrantes importantes que são presos, a exemplo do que faz o PCC.
Rocinha
No outro extremo, está a ADA, famosa pela atuação sem alarde. Hoje, a principal área dominada pela facção é a favela da Rocinha, importante pelo tamanho, cerca de 120 mil pessoas, e pela localização, em plena Zona Sul. Lá, tiroteios com a polícia repercutem mal, devido à vizinhança de classe média alta. Ao mesmo tempo, os compradores abastados estão próximos das bocas de fumo. O Terceiro Comando Puro, outro grupo criminoso do Rio, é tido como menos importante, por controlar comunidades pequenas. Ele se originou do racha numa outra facção, o Terceiro Comando (TC), que acabou desmantelada em 2002. Para minar o grupo, Beira-Mar mandou executar um dos principais chefes do TC, Ernaldo Pinto Medeiros, conhecido por Uê. O assassinato ocorreu durante rebelião em Bangu 1 e, de tão importante para a história do crime na capital fluminense, foi reproduzido nas primeiras cenas de Tropa de Elite 2.
Apesar de autoridades evitarem falar desses grupos, suas siglas estão estampadas nas fichas dos presos do Rio. O detento é lotado em determinada unidade de acordo com a facção a que pertence. Ou pior, conforme o local onde nasceu. ;Precisamos mesmo perguntar se ele tem algum problema, se está ameaçado, porque senão você coloca em risco a vida e a integridade psíquica do cara. Contudo, essa classificação traz problemas, como em Bangu 2, onde você tem gente cumprindo pena de um ano e oito meses e gente com 1.500 anos;, explica a defensora pública no Rio Renata Tavares. Ela destaca que ao misturar presos por se denominarem da mesma facção ou morarem na mesma favela, no lugar de categorizá-los pelo ato cometido e tempo de pena, o poder público mina a chance de um condenado por crime leve se recuperar. ;Por outro lado, se o cara tem uma tendência a gostar de ser malandro, vai sair escolado;, critica.
Para Ignácio Cano, especialista em segurança pública do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o fundamental não é tentar desarticular as organizações criminosas dentro dos presídios, mas sim evitar que dali chefes consigam dar ordens para comparsas do lado de fora. ;Retomamos, com esses episódios dos incêndios no Rio, a discussão sobre o monitoramento de conversas entre presos e visitantes;, lembra. Na esteira disso, outro debate, ainda mais espinhoso, entra em cena. Trata-se da escuta de diálogos dos detentos com seus advogados. O problema é que o tema esbarra em uma garantia constitucional, o direito de defesa. Na avaliação de Cano, um esforço do Congresso poderia driblar esse obstáculo. ;Seria necessária uma modificação legislativa para que o conteúdo monitorado não pudesse ser usado para processar os presos, mas apenas para interceptar ordens;, sugere.
Assaltantes
No final da década de 1970, em plena ditadura militar, assaltantes de bancos foram detidos com presos políticos no presídio de Ilha Grande. Teria surgido, nessa ocasião, o embrião do Comando Vermelho, que nasceu sob a alcunha de Falange Vermelha. O objetivo era, além de garantir direitos básicos do presos, buscar financiamento para as ações de esquerda. No entanto, alguns grupos abandonaram os assaltos e passaram a investir no comércio de substâncias ilícitas, num total abandono dos ideais cultivados no início.
Inimigo quieto nos presídios
Ullisses Campbell
São Paulo ; Na maior cidade do país, existe um monstro adormecido em penitenciárias de segurança máxima. Com uma estratégia que prima pelo não enfrentamento, o Primeiro Comando da Capital (PCC) administra o maior sindicado de bandidos que se tem notícia no Brasil. A última vez que mostrou seu poder de fogo, em 2006, a facção criminosa aterrorizou São Paulo por quase um mês promovendo rebeliões em cadeias, queimando ônibus e bombardeando delegacias, deixando um saldo de 128 mortos e 59 feridos, entre policiais, civis, bandidos e agentes carcerários. Até hoje o governo tucano se vangloria de ter domado o inimigo, insistindo que o grupo criminoso está desmobilizado.
Quem atua no serviço de inteligência da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo falou até em oferecer ajuda ao governo do Rio de Janeiro para ensiná-lo a desmantelar as ações criminosas que partem de dentro das cadeias. Para o governo paulista, manter o líder do PCC, Marcos Camacho, o Marcola, em uma penitenciária do estado é motivo de orgulho, já que o estado vizinho assume que não tem condições de manter os chefões do tráfico dentro de casa. Na avaliação do consultor em Segurança Pública José Vicente Filho, coronel reformado da PM paulista, o PCC está contido graças a uma ação de inteligência do governo que, segundo ele, tem uma estratégia eficiente. ;Para o PCC, aquela onda de terror não teve saldo positivo, apesar da visibilidade que os criminosos tiveram. Muitos integrantes morreram e parte dos negócios da facção foi prejudicada;, comenta.
O pesquisador Guaracy Mingradi, um dos especialistas em segurança pública que mais entende de PCC, a organização criminosa se faz de ;desmantelada; para que os negócios não sejam prejudicados. ;É pura ilusão do governo achar que o PCC está desmobilizado. As rifas e o tráfico de drogas que sustentam esse sindicato de criminosos correm soltos nas cadeias de São Paulo.;