postado em 10/12/2010 08:26
A comemoração de fim de ano da dona de casa Vanderli Mendes da Silva, 58 anos, virá com um brinde dedicado ao conhecimento. Nos últimos seis meses, Vanderli se reaproximou do universo das letras e sua relação com o mundo ganhou novos pontos de vista. ;Antes, eu saía com minhas filhas e meus genros e não falava nada. Só ficava fazendo ;hum-hum;. Agora, eu leio jornal, revista, consigo conversar. Falo sobre tudo, até sobre aumento salarial;, comemora a mãe e avó, que, depois de quase quatro décadas, decidiu relembrar como juntar letras em palavras. O primeiro passo foi voltar à alfabetização. A mesma etapa que ainda precisa ser cumprida por 14,1 milhões de analfabetos no Brasil, todos com 15 anos ou mais. Há casos em que se matricular na escola e ultrapassar essa etapa depende da vontade individual de cada um, que deve vir com uma dose considerável de autoestima. Nos casos mais problemáticos, porém, o drama é a falta de oferta, ou seja a inexistência de cursos de alfabetização de jovens e adultos.O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou ontem o estudo Evolução do analfabetismo e do analfabetismo funcional no Brasil ; Período 2004-2009. De acordo com o estudo, houve redução nos dois tipos: o analfabetismo teve uma redução de 15,3% no período analisado (em 2009, correspondia a 9,7% do total, mas era de 11,5% em 2004). Já o analfabetismo funcional caiu 16,8%, saindo de 12,9% para 10,7% da população. O coordenador de Educação do Ipea, Paulo Corbucci, afirma que a maior incidência do analfabetismo funcional pode ser considerada positiva. ;No momento em que uma pessoa deixa de ser analfabeta, ela se torna automaticamente analfabeta funcional;, explica.
O Distrito Federal é a unidade da Federação com a segunda menor taxa de analfabetismo em relação à população (3,4%), e a menor taxa de analfabetismo funcional (5,5%).
Mais de 65 anos
Apesar de ter observado redução na taxa nacional de analfabetismo, o coordenador e autor do estudo reforça que ela não é suficiente e não será acelerada, caso não se observe dois fatores essenciais: a enorme desigualdade entre regiões e estados, e a evidente predominância de analfabetos na faixa etária de pessoas com mais de 65 anos. ;É preciso reduzir as desigualdades para reduzir a taxa de analfabetismo. Enquanto a taxa do Amapá é equivalente à de países como a Espanha e mais baixa do que a de Portugal, outros estados tem quase 25% da sua população analfabeta, taxa próxima à de Angola;, compara. De acordo com o estudo, o analfabetismo tem clara relação com a renda ; 93% dos analfabetos se concentram entre pessoas com renda familiar per capita de até dois salários mínimos. Mas Cobucci alerta que esse dado não pode ser observado fora do enfoque regional, pois pessoas que se encontram na primeira faixa de renda contam com escolaridade diferente, de acordo com a região: no Nordeste, por exemplo, 24,4% da população nessa faixa é analfabeta, enquanto no Sudeste, apenas 10,5%.
A explicação de Corbucci para esse fato é a oferta. Ele alerta que as políticas públicas devem estar focadas onde a demanda é maior, e deve ser oferecida pelos três entes federativos. Para o pesquisador, uma política oferecida apenas pelo governo federal é insuficiente: ;O programa Brasil Alfabetizado, do governo federal, está presente em cerca de 4 mil municípios. Ou seja, em cerca de 1.500 não existe a oferta de cursos de alfabetização de adultos. E esses lugares são justamente aqueles mais pobres e em áreas rurais. Não atingem o alvo prioritário, os adultos e os idosos que têm mais dificuldade e resistência;, diz.
Para o pesquisador, seria necessário elaborar um Plano Nacional de Alfabetização de Adultos e Idosos: ;Nós estamos conseguindo escolarizar as novas gerações. Os esforço deve ser concentrado nas faixas etárias elevadas, e com a colaboração entre municípios, estados e União. Temos que saber exatamente onde estão os analfabetos, seu endereço, e isso a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) não diz.;
Medindo a capacidade
São consideradas analfabetas as pessoas que não conseguem ler e escrever um bilhete simples. Já a pessoa funcionalmente alfabetizada seria aquela em condições de inserir-se adequadamente em seu meio, sendo capaz de desempenhar tarefas em que a leitura, a escrita e o cálculo são demandados para seu próprio desenvolvimento e para o de sua comunidade.
Como não é possível mensurar essa definição, o Brasil considera analfabeto funcional aquele que tem nível de escolaridade inferior a 4 anos de estudo.
MOTIVAÇÃO É O SEGREDO
A dona de casa Vanderli Mendes conta que a principal motivação para o retorno aos estudos estava nas três filhas. Mas o que a manteve, de fato, na sala de aula, foi a dedicação da professora Luciana dos Santos Vieira, 33 anos. ;Se todos os professores fossem iguais a ela, a educação estaria bem. Interessante que, muitas vezes, ela dava 20 minutos de aula e uns cinco minutos de pausa. Nesse tempo, a gente falava de problemas e conseguia assimilar e lembrar o conteúdo;, conta.
Para o diretor de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de Educação do Distrito Federal, Edilson Rodrigues, um dos principais desafios na alfabetização de pessoas com a faixa etária de 15 anos ou mais é a motivação. ;O cidadão precisa querer chegar à escola e ficar nela. São pessoas que já constituíram família, se aposentaram. É difícil;, acredita. Em 2009, havia no Distrito Federal 67.760 analfabetos. No entanto, o programa Educação de Jovens e Adultos (EJA) atende a cerca de 12 mil analfabetos anualmente. Segundo o diretor, a taxa de analfabetismo consegue ter redução a partir do apoio de programas nacionais e de movimentos populares voluntários. O DF apresentou, no entanto, aumento na taxa de analfabetismo na área rural ; que subiu de 7,6% para 8,7%. O diretor acredita que a menor quantidade de escolas nessa região pode ter influenciado a variação.
Na contramão dos esforços no país, cinco estados registraram aumento do número absoluto de analfabetos e, em Santa Catarina e no Mato Grosso, houve ainda elevação da taxa de analfabetismo. Segundo o estudo, as variações podem ter diversas causas, como a variável demográfica e a migração. De acordo com o estudo, ;em que pese o ritmo de queda do analfabetismo no Brasil estar aquém do desejado, constata-se que o mesmo não foge à tendência que se estabelece no contexto mundial e na América Latina, em particular;. (LL)