Brasil

Governo não está preparado para tratar dependentes químicos

Igor Silveira
postado em 19/12/2010 08:30

O rapaz não consegue dormir há dois dias. As dores no corpo são insuportáveis. Ele passa o tempo inteiro deitado no chão do quarto, com todas as janelas fechadas, se contorcendo, como se estivesse acabado de sair de uma sessão de tortura. As luzes permanecem desligadas porque a fotofobia é outro tormento para esse usuário de crack, que está sem usar a droga há uma semana. O jovem implora, aos prantos, ;só por mais uma pedra;.

Apesar de a situação acima ser fictícia, ela foi criada a partir de declarações de especialistas no tratamento ao crack e de depoimentos de dependentes da droga. É um retrato fiel do desespero vivido por quem torna-se prisioneiro da substância.

O governo federal, incluindo os ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social, além da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), ainda não sabe o tamanho do problema que enfrenta. Os gestores públicos dessa área não têm qualquer levantamento que indique o número usuários. Nem mesmo uma previsão. ;Todos os números sobre o crack publicados no Brasil são chutes;, afirmou o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, em reportagem publicada no Correio em setembro.

O Plano Nacional de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, lançado pelo governo federal em maio, previa um investimento de R$ 140 milhões. No entanto, até o momento, somente 60% desse recurso foram aplicados. De acordo com o Ministério da Saúde, o restante será repassado aos municípios ainda até o fim de 2010.
Do total, o Distrito Federal só vai receber R$ 1.509.520 nesse período ; grande parte investido em Centros de Atenção Psicossocial (Caps). O problema é que, muitas vezes, o próprio ministério fica com as mãos atadas, já que só pode liberar as verbas para governos estaduais e municipais mediante a apresentação de projetos.


;O governo, a partir do lançamento do plano de enfrentamento ao crack, está fazendo um investimento maciço em relação à ampliação dos recursos para tratamentos hospitalar e ambulatorial, além de trabalhos de reinserção social;, explica a secretária-adjunta da Senad, Paulina Duarte. Para apoiar a rede de saúde pública, o governo está trazendo uma série de organizações sociais, estabelecendo convênios, por meio dos municípios, para mais 2,5 mil vagas em comunidades terapêuticas, que são organizações não governamentais que prestam trabalho de tratamento a dependentes químicos. Se necessário, esse número será ampliado gradualmente;, completa.

Críticas

Os CAPs, que receberão a maior parte do investimento no DF, são duramente criticados pelo psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador geral da Unidade de Pesquisa em Alcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo. Para ele, a quantidade de unidades é irrisória e as existentes não estão preparadas para casos tão graves como são os dos dependentes de crack.


;A política de tratamento dos usuários de crack do governo é ruim e mostra a irresponsabilidade do ministro Temporão quando ele afirma que o problema da droga não é só da saúde. Eu recebo, por dia, em média, 3 ou 4 pedidos de famílias absolutamente desesperadas. É dramático. Atualmente, já se sabe como tratar um dependente de crack, mas o ministério não divulga como deve ser o tratamento padrão, como se não houvesse um;, ressalta Laranjeira.


O psiquiatra explica que a dependência do crack pode ser comparada a uma doença complexa, como um câncer, e que é necessária uma estrutura apropriada para alcançar bons índices de cura. O que deve fazer, então, um pai aflito ao se deparar com o vício do filho? ;O ideal é levar para um profissional com experiência na dependência química daquela substância para que seja feita uma boa avaliação. Não precisa, necessariamente, ser uma consulta com um psiquiatra, mas pode ser, também, como um psicológo, por exemplo, desde que este seja especialista no assunto. É preciso ressaltar, também, que mesmo quando há a possibilidade de internação em clínica, é importante estar certo de que a estrutura e a equipe estão preparadas para o caso apresentado;, conclui Laranjeira.

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