Jornal Correio Braziliense

Brasil

Dilúvio de apenas meia hora instala caos na Zona Sul de São Paulo

Tempestade arrastou veículos, abre crateras nas ruas e mata uma professora de 28 anos que tentou salvar seu carro. Excesso de entulho impossibilitou o escoamento da água

São Paulo ; Bastou um dilúvio de apenas meia hora para o caos se instalar na Zona Sul de São Paulo, provocando morte e destruição. Por volta das 23h, uma chuva torrencial, marcando o início do verão, desabou sobre a capital paulista, afetando seis bairros e destruindo mais de 20 carros e móveis que foram arrastados pela correnteza. No bairro de M;Boi Mirim, a água chegou a subir 1,70m e destruiu eletrodomésticos de mais de 100 casas. Uma cratera na rua principal do bairro se abriu com a força brusca da água, engolindo um carro. A enxurrada fez com que a Defesa Civil de São Paulo decretasse estado de emergência em toda a capital e estado de calamidade nos bairros castigados pela chuva. Ao amanhecer, M;Boi Mirim estava coberto por lama. Para protestar contra a prefeitura, dezenas de moradores incendiaram pilhas de móveis destruídos pela chuva no meio da rua.

O temporal matou a professora Michele Borges, 28 anos, causando comoção no bairro. A agonia de Michele ocorreu bem em frente do prédio em que mora e foi acompanhada por vizinhos, amigos e até por sua mãe, que entrou em pânico. Ela estava em casa quando viu, da janela, o seu carro sendo arrastado. Ela tentou amarrar o carro pela roda para evitar que ele fosse levado pela correnteza. Mas, ao se movimentar bruscamente, o veículo desequilibrou a professora e ela se segurou no limpador do pára-brisa. Em seguida, escorregou e só conseguiu agarrar o pára-choque. Nesse momento, a água subiu e levou o carro e a professora. Segundo relatos de testemunhas, ela não aguentou ficar por muito tempo e foi se soltando aos poucos até ser arrastada.

O corpo de Michele foi encontrado a cerca de 2km do local, na grade de uma boca-de-lobo de um córrego. Segundo o irmão da vítima, Leandro Borges, 33 anos, Michele estava voltando da casa de umas amigas, onde foi mostrar uns quadros que havia pintado em seu ateliê. Ela também ainda estava comemorando a aprovação em um concurso público para ser professora de artes. ;Não consigo me conformar. Não entendo porque Deus fez isso com a minha família;, disse Borges, na porta da delegacia. ;Como pode alguém amanhecer eufórico e anoitecer morta?;, questiona o irmão.

A enxurrada que matou Michele e causou destruição em São Paulo ocorreu porque a água da chuva torrencial não teve para onde escorrer rapidamente. O córrego que deveria servir de escoamento não foi suficiente e o excesso de lixo arrastado das ruas serviu como barragem, alagando um bairro inteiro. A força da água destruiu muros de dois condomínios de prédios, sendo que um dos prédios tem oito andares, deixando o primeiro pavimento totalmente submerso. O síndico, Santana Marques, contou que pelo menos 20 carros foram arrastados de uma só vez, sendo que cinco deles acabaram empilhados no muro desabado. ;A enxurrada arrastou os carros como um tsunami. Alguns foram parar dentro do córrego. As pessoas saíram para amarrar com uma corda na árvore aqueles carros que ficaram;, contou.

Por causa da chuva de ontem, a prefeitura de São Paulo veiculou na tevê, várias vezes durante o dia, um apelo pedindo que as pessoas não jogassem lixo na rua. Especialistas atribuem justamente ao excesso de detritos nos bueiros a principal causa do entupimento dos córregos de águas pluviais. ;O paulistano ainda não mantém o hábito de jogar lixo nos latões. É comum ver latas de refrigerante e garrafas de água mineral sendo jogadas das janelas de ônibus e de carros;, lamenta o urbanista Carlos Soares, da prefeitura de São Paulo. Testemunhas relataram com angústia o momento em que a água da chuva causou destruição na Zona Sul de São Paulo. ;A rua ficou toda inundada. As pessoas gritavam desesperadas e os carros eram arrastados e batiam uns nos outros;, conta a bancária Suely Mello, 29 anos. ;Fazia 10 anos que não tínhamos problemas assim, de enchente. Essa foi a pior de todas as enchentes;, contou a cozinheira Telma Regina dos Santos, 43 anos.

Os moradores culparam a prefeitura de São Paulo, que não teria concluído a encanação do córrego que transbordou. Segundo o prefeito Gilberto Kassab, as obras estão dentro do cronograma e devem terminar em 2011. À tarde, a prefeitura interditou cinco imóveis na área atingida. O subprefeito do M;Boi Mirim, Beto Mendes, disse que já conhecia o problema e estava pensando em uma solução, mas a chuva pegou todos de surpresa. ;Não há muito a fazer contra a força da natureza.;

Atenção de Dilma
; A presidente eleita, Dilma Rousseff, ainda não tomou posse, mas já trabalha em algumas áreas como se estivesse no cargo. Ela ordenou ao futuro ministro da Integração, Fernando Bezerra Coelho, que dê atenção especial à Defesa Civil logo na largada, para agir rápido em caso de chuvas fortes, que castigam várias regiões do Brasil no início do ano. Depois de anunciado oficialmente como ministro na noite de terça-feira, Bezerra Coelho estava ontem de volta a Brasília para conversar com João Santana, o atual titular que deixa o cargo e, ainda, com o da Defesa, Nelson Jobim, que permanecerá no governo na gestão Dilma Rousseff. A ideia é estabelecer uma parceria com as Forças Armadas para que auxiliem nas ações de emergência. (Denise Rothenburg)

Efeito nos seguros
Com o excesso de chuva nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, as companhias de seguros aumentaram o valor das apólices dos clientes que desejam ter esse tipo de dano coberto. Em alguns casos, a alta chega a 20%, dependendo do banco escolhido. Segundo a Comissão de Automóvel da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), o número de sinistros causados por fenômenos naturais só na cidade de São Paulo até outubro deste ano foi 50% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado. Na Zona Sul de São Paulo, o índice de carros com perda total por causa de inundação subiu 103% em 10 meses.

A alta no preço das apólices está diretamente ligada a episódios assim. Segundo cotações das seguradoras, um homem solteiro, de 25 anos, residente em São Paulo, pagou R$ 2.172,63 pelo seguro em 2009 de um carro de valor entre R$ 30 mil e R$ 35 mil. Em 2010, o preço cobrado para o seguro foi de R$ 2.533,72, registrando uma alta de 16,6%.

Além das fortes chuvas, fenômenos como granizo e ventos fortes também contribuem para o reajuste no valor das apólices. A Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão que fiscaliza as operações de seguro, determinou em 2005 que todos os planos básicos ; com cobertura contra colisão, incêndio e roubo ; se responsabilizem também por submersão total ou parcial do veículo em água doce, inclusive se ele estiver guardado no subsolo. Mas nem todas as companhias estão respeitando essa determinação. (UC)