Brasil

Vítimas de desastres naturais enfrentam longo caminho para receber recursos

postado em 15/01/2011 09:15
Em meio à lama, escombros e dor pela perda de vidas, os administradores municipais ainda precisam se sentar diante de um computador para elaborar a papelada necessária para oficializar como calamidade ou emergência um cenário de destruição exibido à exaustão nas TVs e jornais do país. O pedido de reconhecimento dos decretos de calamidade, que antecedem a liberação de recursos federais para socorrer as vítimas de desastres naturais, percorre um longo caminho nas vias burocráticas antes de a ação do Estado se tornar realidade nas regiões atingidas. Apesar de o país acompanhar o drama da população fluminense na região serrana do Rio de Janeiro, o decreto de calamidade da Prefeitura de Petrópolis, encaminhado no último dia 4 para a Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional, permanece ;em análise; nas gavetas da burocracia federal.

A ausência de mecanismos ágeis de socorro governamental a municípios destruídos por enxurradas e por deslizamentos fica expressa na rigidez do rito exigido antes da liberação de dinheiro para apoiar as administrações municipais. Em alguns casos, a Defesa Civil demora até três meses para reconhecer a situação como calamitosa, mas nem mesmo a portaria é garantia de liberação de recursos.

Estudo da Confederação Nacional de Municípios (CNM) mostra que, em 2010, das 1.287 cidades que tiveram portarias de emergência ou calamidade decretadas, apenas 171 municípios (13,2%) receberam transferências federais como resposta aos desastres. De acordo com o estudo, 39% do orçamento que deveria ser utilizado para socorro imediato das cidades atingidas é usado em transferências para projetos de reconstruções de tragédias de anos anteriores. ;A liberação de recursos depende da amizade. A burocracia é a desculpa para não se liberar o dinheiro. É fácil dizer que tem problema na documentação, que o município não tem certidão, que faltou uma vírgula;;, protesta o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.

TCU
Uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no ano passado explica em parte o motivo da baixa execução orçamentária da Secretaria Nacional de Defesa Civil durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva. O Programa de Resposta a Desastres recebeu R$ 4,8 bilhões, mas as obras de prevenção somaram apenas R$ 539 milhões em sete anos. As causas vão desde a não inclusão desse setor entre os prioritários do governo até a falta de comunicação com os gestores estaduais e municipais, passando pela insuficiência da estrutura física e gerencial da Defesa Civil.

Os auditores mostraram que foram empenhados R$ 969,7 milhões para obras de prevenção a desastres em seis anos (de 2004 a 2009). Mas a maior parte ficou concentrada nos últimos anos. Foram R$ 30,6 milhões em 2004, contra R$ 441,6 milhões em 2009. A situação mostra que o governo petista custou a perceber o tamanho do problema. Além disso, os gastos efetivos com obras somaram apenas R$ 357,9 milhões ; 38% do total. A auditoria concluiu ainda que esses recursos foram concentrados, sem justificativa técnica, em poucos estados. A distribuição de valores não seguiu nenhuma tendência baseada em critérios de risco e histórico dos eventos.

No caso do Programa de Resposta a Desastres, que recebeu mais recursos, impressiona a demora nessa ;resposta;. A aferição do tempo médio entre a ocorrência do desastre e a liberação da primeira ordem bancária é de aproximadamente 98 dias para solicitações estaduais e de 95 dias para as municipais. Mas a responsabilidade por essa morosidade não é apenas do governo federal. Os estados tardam, em média 62 dias, após os desastres, para solicitar recursos, ao passo que os municípios o fazem após 33 dias.

O impacto
Em 2010, das 1.287 cidades que tiveram portarias de emergência ou calamidade decretadas, apenas 171 receberam transferências federais

Reféns da burocracia
Conheça o rito burocrático que a administração de uma cidade devastada precisa cumprir para pleitear a liberação de recursos de resposta a desastres:

; O administrador municipal publica decreto indicando estado de emergência ou de calamidade. A situação de emergência é caracterizada pelo comprometimento parcial do poder público diante de tragédias naturais, e o estado de calamidade, pelo comprometimento total.

; O prefeito elabora um relatório com a caracterização da tragédia, descrevendo o cenário de destruição, os prejuízos e as vítimas. O município também precisa preencher o Formulário de Avaliação de Danos, anexando ao documento um croqui da área afetada.

; O gestor municipal indica o ;nível; do desastre e aponta o que a Defesa Civil do Ministério de Integração Nacional classifica de ;critérios agravantes;, como o número de vítimas e as ameaças à saúde pública.

; Apesar de a legislação indicar que os municípios podem mandar diretamente ao Ministério da Integração o pedido de reconhecimento do estado de calamidade ou da situação de emergência, as prefeituras costumam mandar a papelada primeiro para a Defesa Civil estadual, para obterem suporte burocrático no momento da crise.

; Os órgãos estaduais verificam se os documentos estão corretos e se encaixam nos critérios do ministério.

; Depois do ;ok; do órgão estadual, a prefeitura encaminha o pedido de reconhecimento da portaria de estado de calamidade ou de situação de emergência à Secretaria Nacional de Defesa Civil.

; Uma equipe do ministério analisa os documentos antes de aceitar ou não o pedido do gestor municipal.

; Não há prazo para a emissão do parecer. Em alguns casos de repercussão nacional, a análise pode ser feita em quatro dias, mas há registros de casos que esperaram até três meses antes da publicação no Diário Oficial da União, que oficializa a transferência de recursos federais para as áreas atingidas.

; A agenda de repasses, no entanto, não tem regra específica, torna-se uma escolha política, guiada pela repercussão das tragédias.

; Em caso de pedido de recursos para reconstrução, o caminho para a obtenção do dinheiro é ainda mais complicado. O gestor precisa encaminhar um plano de trabalho com o levantamento dos danos materiais, identificação das ações de reconstrução e o custo de cada uma, fase de execução dos recursos e cronograma de desembolso.

Tempo perdido
Veja a demora da Secretaria Nacional de Defesa Civil em analisar pedidos de reconhecimento de emergência em alguns casos recentes de desastres naturais:

Angra dos Reis (RJ), 1; de janeiro de 2010
A prefeitura local decretou calamidade pública em 6 de janeiro e a Defesa Civil só reconheceu a situação de emergência em
26 de janeiro. A publicação no Diário Oficial da União ocorreu no dia seguinte.

Niterói (RJ), 8 de abril de 2010
A prefeitura decretou calamidade em 12 de abril, mas a Defesa Civil só reconheceu a emergência em 29 de abril. Em 30 de abril, a medida foi publicada no Diário Oficial.

São João de Meriti (RJ), 31 de dezembro de 2009
Após deslizamentos de terra, a prefeitura decretou estado de calamidade em 31 de dezembro de 2009. Entretanto, a Defesa Civil só reconheceu a situação em 18 de março de 2010. Esse reconhecimento foi publicado no Diário Oficial de 19 de março.

Alagoas, 20 de junho 2010
Prefeituras locais decretaram calamidade pública em 20 de
junho em decorrência das chuvas, e a Defesa Civil reconheceu a emergência quatro dias depois. Em 25 de junho, saiu a
publicação no Diário Oficial da União.

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