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Em Teresópolis, pai, ilhado, teve que enterrar o filho com as próprias mãos

Família que ficou isolada em bairro de Teresópolis ainda ilhado é obrigada a sepultar menino em caixão que o próprio pai fez

Joana Tiso
postado em 16/01/2011 08:00
Com lágrimas no rosto, Antônio José Silva relata o sofrimento que passou com a mulher, Ester Teixeira Dutra, com o soterramento de José Vítor, de apenas nove anosTeresópolis (RJ) ; Quatro dias depois da tragédia que arrasou a região serrana do Rio de Janeiro, ainda há locais isolados, onde só se chega com horas de caminhada no meio da água ou por helicóptero. À espera de socorro, num cenário de horror, em meio a corpos boiando, a única saída dos sobreviventes tem sido enterrar, por conta própria, seus mortos. Morador de Santa Rita, um dos bairros de Teresópolis ainda ilhados, Antonio José Silva acabou improvisando o caixão do filho do meio, José Vitor, de nove anos. Depois de aguardar 30 horas por algum sinal de resgate, o jeito foi sepultar o garoto.

;O corpinho estava inchado, já cheirando mal. Fiz uma caixa, velamos a noite toda e enterramos. Era a única coisa que a gente podia fazer;, diz o homem de 41 anos, chorando. Na manhã de quarta-feira passada, depois do temporal que castigou Teresópolis, Antonio foi até a casa da sobrinha, no alto do bairro de Santa Rita, para saber notícias dos parentes, incluindo o filho. O menino havia pedido para dormir com os primos, já que estava de férias. Para chegar lá, Antonio andou por 40 minutos no meio da lama e dos entulhos. Quando encontrou o lugar, veio o susto. ;Era muita água. Moro há 40 anos lá e nunca vi nada parecido;, lembra.

Ester Teixeira Dutra, mãe de José Vítor, recorda que, ao ver só o alicerce da casa da sobrinha, perdeu qualquer esperança de achar o filho com vida. Ao lado do marido, procurou por horas o menino no meio da lama, que atingia a altura da cintura. Tempos depois, um colega de José Antonio avisou que tinha encontrado o corpo de José Vítor. O casal, então, levou o cadáver para a Igreja Santa Rita. Sem nenhum sinal de resgate, eles tomaram a dolorosa decisão. Pediram ajuda a um coveiro e enterraram o garoto no caixão construído por Antonio.

Até a noite de ontem, 160 corpos ainda não tinham sido identificados;Eu não tive condições de preparar. Mas minha cunhada limpou o corpinho, vestiu. Pelo menos, acharam meu filhinho, ficamos perto dele mais um pouco. Muitos não tiveram essa sorte;, resigna-se Ester, resgatada na sexta-feira por um helicóptero da Polícia Civil. No mesmo dia, o marido andou por duas horas e meia até uma vila próxima, Pessegueiro, onde conseguiu ligar para parentes. De carro, foi levado para a casa da mãe, perto do centro de Teresópolis, onde a família está acomodada atualmente. Além de José Vítor, os três primos morreram. A única sobrevivente da casa atingida foi a sobrinha de Ester.

A casa de Ester e Antonio não sofreu qualquer dano. Os outros dois filhos ; Elaine, de 14 anos, e Gustavo, de um ano ; passam bem. Segundo Ester, o mais novo foi a única razão para continuar vivendo. ;Minha menina está grande, poderia se virar bem. Por mim, eu ficava lá mesmo, até morrer. Mas Antonio me dizia para pensar no Gustavinho, que precisa da gente;, diz a mulher, com o garoto no colo. Enquanto o bebê mamava, Antonio mostrava fotos de José Vítor. ;Olha como ele era a cara do Gustavinho;, aponta o pai. Para a mãe, a criança é um consolo. ;Deus tirou um e colocou outro igual. Mas ninguém ocupa o lugar do Zé Vítor.;

Enquanto mostrava as fotos, o casal se lembrou das brincadeiras e manias de José Vítor.;Eu que cortava o cabelo dele. Ele pedia moicano e eu não conseguia fazer. Então deixava um topete, que ele modelava com gel;, conta Ester. A mãe diz também que o garoto era educado, gostava de ajudar o pai no haras onde ele trabalhava e de jogar videogame. Também auxiliava a mãe na hora de colocar o irmão para dormir. ;Ele tocava violão e cantava uma música que ele mesmo inventou para ninar o Gustavinho;, recorda-se

Verônica Dutra de Paiva, a única sobrevivente na casa onde dormiam seus três filhos e José Vítor, não se conforma por não ter conseguido salvar nenhuma das crianças. Quando a tromba d;água invadiu o local, ela ainda tentou amarrar um dos meninos na cintura. E colocou as outras na laje. Mas a água levou todos. Ao reencontrar Ester, não conteve as lágrimas. ;Me perdoa, eu não consegui salvar o Zé Vítor;, disse, na ocasião, Verônica.

Atordoada com a perda dos três meninos, a mulher critica a falta de socorro em Santa Rita. ;Não conseguimos encontrar o corpo dos nossos filhos até agora;, lamenta. Marido de Verônica, Fernando Pfister revolta-se com as autoridades. ;Cadê o prefeito? Cadê o governador? Dilma (Rousseff) veio aqui para falar do que ela não entende. Nossa casa não era em área de risco.;

Confira vídeo:



Coleta de DNA para identificar corpos

No necrotério montado perto do centro de Teresópolis, onde antes funcionava uma igreja, a coleta de material genético dos cadáveres ainda não reconhecidos começou ontem. O juiz José Ricardo Ferreira de Aguiar, que coordena os trabalhos de liberação dos corpos, explicou como funcionará o esquema. ;O material será encaminhado ao Rio de Janeiro para análise. Com os resultados, poderemos atender os familiares que chegarem aqui atrás de parentes;, afirma.

Todos os corpos resgatados pelas equipes de salvamento, explica o juiz, serão congelados em caminhões frigoríficos estacionados em frente ao necrotério. Até a tarde de ontem, cerca de 160 cadáveres ainda não haviam sido identificados por familiares. E cem, conforme Aguiar, já estavam congelados.

O juiz também anunciou a doação de três mil barracas pelo Rotary Cub. Elas são equipadas com fogareiro, panelas, talheres, pratos, purificador e local para armazenar água. O juiz garantiu que uma área a cinco minutos do centro da cidade receberá as barracas. ;Poderemos, em 30 dias, abrigar todos com dignidade;, diz.

Boatos
Os boatos de saques, que apavoram o comércio das cidades fluminenses atingidas pelas chuvas, levaram o governo federal a enviar cerca de 200 homens da Força Nacional de Segurança Pública. Ontem, em Teresópolis, vários agentes permaneceram nas ruas portando fuzis para garantir a ordem.

;Por enquanto está tudo tranquilo. Não tivemos nenhuma ocorrência;, diz Antônio Carlos de Sousa Silva, policial militar no Piauí e integrante da Força. Os bombeiros do grupo de elite foram destacados para auxiliar nos resgates de sobreviventes e corpos. (RM e JT)

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