Brasil

Tragédia no Rio: Momento de acolher os órfãos

Dilma anuncia uma comissão para determinar regras a serem adotadas em casos de crianças que perdem as famílias em catástrofes

Ivan Iunes
postado em 22/01/2011 08:43
O governo federal criou um comitê para elaborar normas e regulamentos que atenderão as crianças que perdem pais e familiares em tragédias naturais, como a que arrasou a região serrana do Rio. O grupo, coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência e inicialmente formado por três pastas ligadas à Presidência, tem como primeiro teste quatro irmãos, órfãos depois das enchentes em Nova Friburgo e Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro. Sem familiares sobreviventes da tragédia, eles foram levados para abrigos e recebem atendimento psicológico. Mais tarde, serão encaminhados para adoção.

O primeiro encontro do comitê responsável por normatizar o atendimento a crianças e adolescentes ocorreu na manhã de ontem, no Palácio do Planalto. As secretárias de Direitos Humanos, Maria do Rosário, Integração Racial, Luiza Bairros, e Políticas para as Mulheres, Iriny Lopes sentaram à mesa com a presidente Dilma Rousseff e traçaram o primeiro esboço dos trabalhos. No Rio de Janeiro, os trabalhos de identificação e amparo às crianças órfãs depois da enchente têm ficado a cargo do Poder Judiciário e do Ministério Público, na maioria das vezes.

A presidente recomendou às três ministras que preparem um estado para situações emergenciais, que inclua a União, estados e municípios. O trabalho ainda terá integrantes dos ministérios de Saúde, Educação, Casa Civil, Justiça e Desenvolvimento Social. ;O Brasil precisa ter infraestrutura, estar preparado pra discutir moradias, áreas de risco, tudo o que já foi discutido, mas também precisa de atendimento humano e da abordagem a essas crianças;, explica Rosário.

O principal trabalho do comitê de atendimento às vítimas de catástrofes será intensificar a identificação de crianças e adolescentes abrigados em Nova Friburgo e Teresópolis. O maior receio é de que a situação caótica vivida pelos dois municípios propicie adoções ilegais, algo vivido pelo Haiti depois do terremoto do ano passado. Ao todo, seriam quase 3 mil jovens desabrigados. ;Nossa prioridade, quando há familiares adultos da criança, é deixá-la com a própria família. Caso isso não seja possível, como no caso dos quatro irmãos órfãos, elas são encaminhadas para um programa de família acolhedora. O Rio de Janeiro já tem um rol de famílias inscritas e registradas como aptas a lidar em situações emergenciais. Uma delas irá cuidar dessas crianças;, disse Rosário.

Mulheres
A presidente também pediu ao trio de ministras que tivesse atenção especial com a questão de gênero em suas pastas. ;A presidente quer que tenhamos ação integrada para que as mulheres percebam que esse momento é de afirmação dos seus direitos;, explicou Rosário. A questão das mulheres provocou até manifestações críticas da presidente com relação ao Irã, pela sentença de morte por apedrejamento de Sakineh Ashtian.

Devido ao posicionamento acerca da pena imposta à iraniana, condenada por adultério, Dilma recebeu uma correspondência no início da semana da presidente da Comissão de Direitos Humanos do Parlamento do Irã, Zohre Elahian. O tema será discutido em reunião com chanceler Antônio Patriota na semana que vem. Em março, o Conselho de Direitos Humanos da ONU tem reunião marcada e, entre os temas, o caso de Sakineh deve ser discutido.


Mortos já passam de 780

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai emprestar R$ 400 milhões para financiar o setor produtivo das cidades da região serrana do Rio de Janeiro que decretaram situação de emergência. A Medida Provisória, assinada pela presidente Dilma Rousseff, entrou em vigor ontem e tem o objetivo de auxiliar a compra de máquinas e equipamentos, além de obras de construção para reerguer a economia dos municípios devastados pelas chuvas.

Micro e pequenos produtores terão 10 anos para pagar o empréstimo, com juros de 5,5% e carência de dois anos. Segundo o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, a avaliação das documentações será facilitada pelo banco. ;Modelamos um processo rápido de concessão de crédito, que foi testado com sucesso no Nordeste, no ano passado. É importante que esse processo ajude a induzir na formalização;, disse.

Limpeza
Enquanto isso, o trabalho de limpeza das cidades atingidas segue como forma de varrer também a tristeza pelas perdas. Equipes retiram cerca de 800 toneladas de lixo, lama e entulho diariamente das ruas de Nova Friburgo, cidade que deixou o maior número de mortos após os deslizamentos. Ontem, o número de mortos na tragédia subiu para 785, segundo a Defesa Civil do Rio de Janeiro. O estado já contabiliza 90.618 pessoas afetadas, 9.855 desabrigados e 12. 139 desalojados.

Em Itaipava, distrito de Petrópolis, o hospital de campanha instalado pela Aeronáutica já atendeu 881 pessoas. Uma equipe resgatou um grupo de quatro pessoas que estava isolado em Santa Rita, localidade na zona rural de Teresópolis. Pilotos avistaram, no chão, o pedido de socorro escrito com pedras e trigo por uma mulher de 31 anos e três irmãs, com idades entre 8 e 14 anos.


Moradores ainda sem luz
Cerca de 7,8 mil consumidores ainda estão sem energia no município de Teresópolis, em função da catástrofe da semana passada na região serrana fluminense. De acordo com a concessionária Ampla, não há prazo para o restabelecimento da energia a esses clientes, em sua maioria residentes em áreas ainda sem acesso às equipes da empresa, como as localidades de Campinas, Matosinho, Cruzeiro, Iconha, Campo Grande e Brejal. Também continuam sem energia em Teresópolis os moradores de alguns pontos do bairro Caleme, um dos mais atingidos pelas chuvas, com grande número de desabamentos. O fornecimento está suspenso a pedido da Defesa Civil, já que o bairro concentra muitas áreas de risco. Em Petrópolis, as equipes da concessionária trabalham na reconstrução da rede elétrica do Vale do Cuiabá, no distrito de Itaipava, onde mais de 40 postes foram derrubados pelo temporal.


Preferência por comida

A Cruz Vermelha Brasileira informou que a doação de roupas para as vítimas das chuvas na região serrana do Rio não é mais necessária. A quantidade arrecadada até agora já é suficiente, segundo a organização. Somente na sede da Cruz Vernelha, estão armazenadas 250 toneladas de roupas de todos os tipos. ;Hoje nós temos uma quantidade de roupas que dá pra suprir tranquilamente toda a região. A intenção é que não haja desperdício;, disse o presidente da Cruz Vermelha no Rio de Janeiro, Luiz Alberto Sampaio. Ele pediu que as pessoas guardem as roupas para que sejam aproveitadas em outra oportunidade.

Sampaio adiantou que a próxima etapa da campanha será a distribuição de cerca de 20 mil cestas básicas. A prioridade continua sendo alimentos prontos ou semiprontos e itens de limpeza e higiene pessoal. ;Água nunca é demais, leite, alimentos de fácil consumo como biscoitos, sopas desidratadas. Cestas básicas ou componentes de cestas básicas, tempero, que temos pouco, óleo;, listou.

Segundo a Cruz Vermelha, conjuntos básicos de panelas e utensílios de cozinha serão distribuídos. A entidade filantrópica pede ainda que as concessionárias das rodovias que cortam a região não cobrem pedágio dos carros e caminhões da Cruz Vermelha, devidamente identificados, que estão fazendo o transporte dos donativos.

De acordo com o último balanço da Cruz Vermelha, foram recebidos 450 mil litros de água, 35 mil litros de leite, 250 toneladas de alimentos e 50 mil itens de higiene e limpeza.

A estudante de medicina Camila Mesquita, 21 anos, trocou as férias pelo trabalho de ajuda às vítimas, seja descarregando donativos que chegam ou separando roupas, alimentos e produtos de higiene. ;Acho que eu gostaria que as pessoas fizessem isso por mim também. Sei que minha ajuda vai contar e estou aqui. Mas temos que manter esse ritmo. Daqui a um mês, as pessoas começam a esquecer, e o pessoal vai continuar precisando de ajuda;, ressaltou a universitária.

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