Brasil

Distribuição de doações a desabrigados em Nova Friburgo é deficiente

Joana Tiso
postado em 29/01/2011 09:05
Nova Friburgo (RJ) ; Os 76 abrigos e pontos de distribuição de Nova Friburgo, cidade mais afetada pelas chuvas que castigaram a região serrana neste mês, estão lotados de doações, que chegam de todas as partes do país. Segundo a filial da Cruz Vermelha no Rio, o volume de donativos bateu recorde. Mesmo assim, é comum escutar queixas de moradores que vivem longe do centro e não recebem nem sequer água mineral. ;Andei quase meia hora com as crianças para conseguir três litros de água. Minha casa fica numa área de risco e lá não tem nenhum caminhão da prefeitura com doações;, reclamou Maria José Custódio.

Ela mora no bairro São Jorge e gastou boa parte do dia, ontem, em busca de doações. ;Passei em vários abrigos. Em um deles, me avisaram que só poderiam doar para quem está sem casa e abrigado lá. Em outro, havia uma placa com a frase ;Não recebemos nem doamos mais;. Você pega uma fila enorme e na hora dizem que não tem mais nada. Há boatos de que tem gente cobrando pelas cestas básicas;, emendou a mulher, que conseguiu pegar água, leite e material de limpeza em Duas Pedras, próximo do centro da cidade.

Antes, Maria foi à fábrica Ypu, no início de Friburgo, para onde as doações são encaminhadas desde o início da tragédia. Como o local está lotado, a prefeitura teve de abrir um outro depósito perto do lugar. Apesar da boa vontade e do esforço de todos que trabalham para ajudar as vítimas, a falta de organização começa nestes pontos de recebimento, que perdem muito tempo separando as doações e esperando o transporte da prefeitura para distribuir os alimentos e os objetos.

;O que se vê na fábrica são paredes de seis metros repletas de doações. De itens de limpeza até comidas e bebidas. O trabalho de receber os donativos está com a organização descentralizada. Então, muito embora exista vontade e boa fé, há métodos diferentes de organizar, armazenar e entregar. Como não se tem uma única organização, você vê garrafas e mais garrafas de água empilhadas que começam a estourar devido ao peso;, contou Daniel Carvalho, voluntário por dois dias em Ypu.

Daniel chegou a questionar por que as doações demoravam tanto para deixar a fábrica. ;Não vi, em momento algum, sair um caminhão com itens para serem entregues à população. Um voluntário me disse que a prefeitura permitia apenas que veículos dela levassem os donativos, para evitar assim desvios e roubos. Enquanto isso, tinha água escorrendo no chão porque não havia a quem dar. Até onde arriscar o saque não seria uma opção?;

Igreja
Pela manhã, Maria saiu com as mãos vazias de Ypu, já que as doações não podem ser feitas diretamente da fábrica. ;No início, ficou um tumulto grande e não havia controle. Então, não entregamos mais nada daqui. Recebemos e organizamos tudo. Depois, um caminhão da prefeitura busca e entrega nos pontos de distribuição e nas associações dos moradores, que passam as cestas para os necessitados;, explicou Helio Madureira, que coordena as doações no lugar.

Maria tentou argumentar: ;Viemos até aqui porque no nosso bairro realmente não chegou nada;. ;Eu entendo;, respondeu o homem. ;Mas aqui não podemos entregar. Assim fica mais organizado. Vá até Duas Pedras, que é perto daqui e tem um ponto de distribuição;, informou Helio. Lá, Maria finalmente encontrou o que buscava e recebeu a solidariedade dos voluntários do local. ;Era para nosso ponto distribuir apenas para moradores da região, mas queremos saciar a fome e a sede de todos. Quem vier de longe vai sair daqui com tudo o que precisa;, assegurou Maneken Frederish. ;Soube que algumas igrejas evangélicas ajudam apenas os ;irmãos;. Isso é um absurdo;, protestou o homem.

No mesmo lugar, outro voluntário contou que subiu o morro por conta própria para ajudar as vítimas que vivem em áreas de difícil acesso. ;Levei o que podia. A distribuição é falha, pois são poucos distribuindo. Enquanto as pessoas não receberem o que precisam, eu não vou sossegar. Tem muitas crianças e muitos idosos que não conseguem chegar ao local de distribuição mais próximo de casa. Quantidade (de doação) tem, mas não tem carro para entregar;, disse Claudio, que preferiu não revelar o sobrenome.

Revoltado, o homem disse também que houve desvio de doações que vinham do Rio e da Região dos Lagos para Friburgo. ;Tem muita gente safada. Quatro caminhões vinham para cá, mas só dois chegaram.; A voluntária Rosimar Morais concorda que a falha está na distribuição. ;São muitas doações, que chegam o tempo todo, só que tem pouca gente para entregar. Não sei se a prefeitura tem caminhões suficientes para isso;, avaliou.


Longe do ideal


Nova Friburgo (RJ) ; Para evitar falhas no processo, os donativos encaminhados pela Cruz Vermelha do Rio são fiscalizados do início ao fim do caminho. Representantes da organização anotam a placa do caminhão e os dados do motorista (nome, endereço e identidade), checam como está a viagem e esperam um contato na chegada a Friburgo. Ainda assim, a entidade admite que há risco de saque ou desperdício em casos de muita doação.

Todos reconhecem que o ideal seria entregar direto nas casas. O problema é que muitos estão em abrigos ou se mudaram para outra região. Em Córrego Dantas, um dos bairros mais afetados de Friburgo, Marcio Lourenço contou que um caminhão da prefeitura entregou doações dois dias depois da primeira tempestade. ;Depois não veio mais. As crianças pegaram as coisas nos abrigos. Para quem está em área de difícil acesso, fica complicado.; (JT)

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