postado em 31/01/2011 11:32
A via-crúcis das vítimas de violência sexual está menos longa e o cerco aos agressores, mais fechado. Além de prestar cuidados a quem sofreu a traumática agressão, quatro hospitais públicos de Belo Horizonte começam este ano a contribuir nas investigações policiais. A partir de parceria entre órgãos estaduais e Polícia Civil, a consulta médica passa a adotar padrões que dispensam o exame de corpo de delito. Possível material genético do agressor, achado na vítima, será levado ao Instituto de Criminalística, fechando ciclo que antes era feito apenas pelo Instituto Médico-Legal (IML). Os vestígios farão parte de um banco de DNA. Os arquivos policiais ganharão um conjunto robusto e permanente de informações sobre criminosos.A novidade é sinal de esperança para quem há exato um ano se indignou com a frieza de Marcos Antunes Trigueiro, de 32 anos, que violentou e estrangulou cinco mulheres na Grande BH. O cruzamento entre o DNA do maníaco e vestígios deixados nas vítimas foi uma evidência irrefutável que deu à polícia a certeza de ele ser o serial killer.
Segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), no ano passado, apenas em BH, 308 crianças e adolescentes e 147 mulheres foram vítimas de estupro, como Ana (nome fictício), de 16 anos, molestada pelo pai. ;Peguei o marido no quarto com a filha. Exames mostraram que só não houve penetração. Não duvido que tenha feito o mesmo com outras mulheres. O sistema de DNA é a melhor coisa a fazer e o agressor não pode ficar impune;, afirma Mara, de 38 anos, mãe da adolescente.
Conhecido como cadeia de custódia, o fornecimento de provas de crimes sexuais pelos hospitais à polícia já está em operação, como piloto, no Júlia Kubitschek e na Maternidade Odete Valadares. Em fevereiro, o projeto começa no Hospital das Clínicas da UFMG e no Odilon Behrens. Todos são centros de referência no atendimento a vítimas de violência sexual. Segundo o diretor do IML, José Mauro de Moraes, a parceria diminui o sofrimento da vítima e presta cuidados médicos e psicológicos, sem prejuízo das provas periciais. ;O perito é proibido de tratar, o que não era satisfatório. A vítima tinha de contar a história várias vezes;, diz Moraes, ressaltando que até o fim do ano Contagem e Betim passarão a integrar a rede.
Modelo
Coordenado pelo Ministério Público Estadual, o trabalho faz parte do Protocolo de Atuação Conjunta para Humanização no Atendimento à Vítima de Violência Sexual e conta com verba de R$ 100 mil. A ampliação do modelo para outras unidades depende de convênio com o governo do estado. A promotora de Justiça da Infância e Juventude Maria de Lurdes Rodrigues Santa Gema afirma que o acordo finalmente vai oficializar a entrega de provas pelos hospitais. ;A cadeia de custódia não deixa dúvida sobre a idoneidade da instituição ao fornecer a prova pericial. E, no caso, trata-se de uma prova que não estava sendo valorizada, porque não podia constar nos autos.;
Antes, a pessoa violentada em BH tinha de percorrer rota dolorosa. Na delegacia, prestava queixa e era levada ao IML para o corpo de delito. Segundo Moraes, muitas vezes só atendimento médico e tratamento contra gravidez e doenças transmissíveis. Se a opção era por começar pelo hospital, o caminho também era tortuoso, segundo a coordenadora do centro de referência do Júlia Kubitschek, médica legista do IML, Maria Flávia Brandão. ;Ela saía do hospital, ia à delegacia e ao IML. Quando a vítima chegava ao instituto, não havia mais vestígios do crime. Em contrapartida, o hospital tinha o material genético e não podia encaminhá-lo à Criminalística;, conta.
A partir de agora, a orientação é que as vítimas procurem logo os centros de referência. Lá, além de receber tratamento, são examinadas e é feita a coleta da amostra dos vestígios deixados pelo agressor. ;Capacitamos profissionais e à ficha de atendimento foram acrescentadas informações necessárias para fazer o laudo pericial. A retirada da secreção vaginal, oral e anal segue padrão internacional usado pela Polícia Civil;, esclarece Moraes. Só depois a vítima procura a Delegacia de Mulheres, que emite guia para os exames médicos, dispensando o exame de corpo de delito.
Os hospitais passam a ser considerados fontes idôneas e encaminham o material genético para o Instituto de Criminalística. ;Antes, a Criminalística só recebia material do IML. O laboratório de DNA faz um mapa genético e armazena num banco de dados. Isso serve até como inibição para agressores, pois mostra a existência de um sistema oficial e eficiente de localização do autor do crime. Se ele é desconhecido, o mapeamento facilita a busca e, se conhecido, confirma;, afirma Moraes.