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No Rio, participação de policiais sujos no Alemão era inevitável

postado em 12/02/2011 08:00

Nós não estamos fazendo um trabalho exclusivo para garantir Jogos Olímpicos, mas para a população. Tenho certeza de que em 2014 vamos estar muito melhorDepois da prisão de 27 policiais e mais oito pessoas ; ex-agentes e informantes ; acusados de envolvimento em esquemas ilícitos no Rio de Janeiro, durante a Operação Guilhotina, deflagrada ontem pela Polícia Federal, o secretário de Segurança Pública do estado, José Mariano Beltrame, admitiu o que não havia como esconder: a corrupção no meio é uma realidade latente. Ressaltou, no entanto, que a ação não arranhou a política de segurança, e sim reforçou os rumos de mudança (leia entrevista na página 11). As investigações iniciadas em 2009 culminaram em 45 mandados de prisão e 48 de busca e apreensão. O alto escalão da Polícia Civil foi alvo direto da ação. Horas após o início, a prefeitura do Rio anunciou a exoneração do delegado Carlos Oliveira, que se entregou à polícia no fim da tarde. Acredita-se que ele mantinha relação direta com traficantes.

Além das prisões, houve buscas na 17; Delegacia de Polícia (São Cristóvão) e na 22; DP (Penha). Bingos, residências e estabelecimentos comerciais também foram alvo da operação. Na Rua Araguari, em Ramos, duas casas e uma academia foram revistadas. Os agentes buscavam corpos na região, dominada pela milícia da qual fazem parte 21 pessoas que tiveram a prisão preventiva decretada.

O chefe Polícia Civil no Rio de Janeiro, Allan Turnowski, foi chamado para prestar esclarecimentos sobre a rotina da corporação e negou qualquer envolvimento com os atos ilícitos investigados pela Operação Guilhotina. Beltrame declarou total confiança no chefe da PCRJ. ;Não vou cometer juízo de valor. Vamos analisar e tomar decisão no momento oportuno;, disse, no fim da manhã.

As investigações começaram em 2009, após o vazamento de informações sobre uma ação na Rocinha de busca ao traficante Roupinol, comparsa do procurado Nem. A operação foi uma parceria entre policiais do estado e a Polícia Federal de Macaé e desencadeou duas frentes de investigação que culminariam na Operação Guilhotina.

Segundo a PF, as quadrilhas pediam até R$ 50 mil de propina. Pelo valor, ofereciam em troca segurança a traficantes, a milicianos e à máfia dos caça-níqueis, além de vender informações sobre operações, armas, munição e drogas apreendidas, o chamado espólio de guerra.

A Associação de Delegados do Rio de Janeiro (Adepol-RJ) criticou a forma como a ação foi realizada. A revista de delegacias, ;mobilização excessiva de homens; e ;prisões ilegais de policiais; mostram ;abuso de poder da secretaria e podem até mesmo atrapalhar nas investigações;, segundo Wladimir Reale, presidente da Adepol. ;Não entramos no mérito das acusações. Os envolvidos, se culpados, devem responder pelos atos.;

O procurador-geral de Justiça do Rio, Cláudio Soares Lopes, discorda da associação e afirma que a operação foi um sucesso. ;A instituição sai fortalecida porque preserva e distingue os bons policiais dos ruins;, destacou mais cedo.

PERSONAGEM DA NOTÍCIA
O senhor das armas

Carlos Antônio Luís de Oliveira, delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro, iniciou sua vida na segurança pública do Rio em 2001, quando assumiu a Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (Drae). A convite do prefeito Eduardo Paes, tomou posse como chefe da Subsecretaria Operacional da Secretaria Especial da Ordem Pública (Seop), onde ficou entre janeiro e abril de 2009. Após o período, o delegado foi titular da Delegacia de Repressão às Armas e Explosivos (Drae) ; órgão responsável pela apreensão de material bélico de quadrilhas de traficantes. Oliveira reassumiu o cargo de subsecretário há pouco mais de um mês.

Ele também é considerado um dos maiores especialistas em armas da polícia do Rio. Já ministrouu palestras e cursos promovidos pela Secretaria Estadual de Segurança, pelo Ministério da Justiça e, também, pela Organização das Nações Unidas. (DA e AES)

Secretário diz que problema no serviço público é generalizado

No dia em que a Secretaria de Segurança Pública deflagrou a Operação Guilhotina, cumprindo mais de 90 mandados de prisão, busca e apreensão, o Correio conversou com o secretário José Mariano Beltrame não apenas sobre a ação, mas especialmente em relação ao problema crônico da corrupção entre policiais da cidade. Beltrame admite que a exposição causada por operações dessa amplitude é ruim para a imagem da polícia do Rio, mas defende-se:

;A corrupção está em vários setores do serviço público brasileiro;. O secretário disse ainda que a ocupação do Complexo do Alemão seria mais bem feita sem a presença dos corruptos, e deu a entender que a participação deles na operação era inevitável: ;Fizemos o grande trabalho já com a garantia de que essas pessoas, aqui na frente, seriam presas;.

ENTREVISTA-JOSÉ MARIANO BELTRAME

A expectativa é por mais prisões nos próximos dias?
Para mim, a investigação começou hoje. A expectativa é que cheguem mais pessoas envolvidas e esse material todo irá para a CGU (Controladoria-Geral da União). Depois das denúncias feitas, vamos poder trabalhar lentamente em cima de cada uma.

A Associação de Delegados do Rio de Janeiro classifica a operação como espetáculo e afirma que pode prejudicar a imagem da corporação.

A Associação dos Delegados está no papel dela. Nós, a Polícia Federal e o Ministério Público estamos no nosso. Estamos fazendo as coisas e apresentando provas, não estamos no ;diz que me diz;. O Judiciário não decide as coisas em cima de bravata, mas em cima de materialidade, e isso é que se obteve durante quase um ano e meio trabalhando.

O senhor não considera exagero envolver uma quantidade de pessoas que chega perto do contingente usado para a tomada do Complexo do Alemão, por exemplo?
Imagine entrar em uma delegacia para fazer uma busca com quatro policiais. Vai levar um dia. A gente vai com uma massa, claro, por causa da segurança, mas também porque tem que se fazer uma busca em toda a residência. Entrar só com uma ou duas pessoas demanda muito tempo, uma exposição da própria residência.

Para quem vê de fora, a corrupção policial no Rio parece um problema eterno. Como é a visão interna? Há uma solução?

A corrupção está em vários setores do serviço público brasileiro, isso não é prerrogativa nossa. A solução é uma caminhada. Nunca foi feito um trabalho dessa natureza, e agora está sendo feito. Está bom? Não, mas está muito melhor do que já esteve e a gente tem estrutura para avançar. Não posso garantir que vai terminar. A gente revolveu se expor. Não é bonito, mas eu sei que na frente vamos ganhar. Instituição nenhuma que quer mudar vai se transformar sem cortar a própria carne.

As denúncias de corrupção na polícia podem afetar a imagem da segurança no Rio?

Nós temos índices consistentes e a avaliação positiva da população. Mesmo sendo uma situação desagradável, ela mostra que estamos buscando uma solução. O pior seria nos escondermos.

Ouça entrevista com o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame


Há planos de intensificar as ações para garantir o bom andamento da Copa do Mundo de 2014, além da Olímpiada, em 2016?
Nós não estamos fazendo um trabalho exclusivo para garantir Jogos Olímpicos, mas para a população. Estamos melhorando a cidade e o estado. Dentro desse contexto está o combate à corrupção. Tenho certeza de que em 2014 vamos estar muito melhor do que agora.

O relações públicas da Polícia Militar, coronel Lima Castro, disse que a operação no Morro do Alemão poderia ter sido melhor se não fosse a
corrupção dos policiais;

Teríamos um resultado mais bonito, sem dúvida. Mas primeiro fizemos o grande trabalho que estava planejado para lá, já com a garantia de que essas pessoas, aqui na frente, seriam presas. Esse trabalho a gente fechou bem, mas o ideal é que nada disso tivesse acontecido.

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