Brasil

Pelo menos 18 obras de arte somem da embaixada do Brasil em Paris

Uma sindicância foi aberta a pedido do MRE, mas, como não têm poder de polícia, funcionários estão descrentes com o resgate

Renato Alves
postado em 25/02/2011 07:00
Obras de arte doadas por autoridades e artistas sumiram da Embaixada do Brasil em Paris. Até agora, funcionários da representação deram falta de ao menos 18 peças. São quadros, gravuras e tapetes que ninguém sabe explicar como desapareceram do prédio, pois não há registro de ocorrência policial de roubo em suas dependências. Tratado de forma sigilosa pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) brasileiro, o caso rendeu uma sindicância. No entanto, sem peritos e poder de polícia, os funcionários responsáveis pela apuração estão de mãos atadas. Admitem que dificilmente chegarão aos responsáveis pelos saques e ao destino dos itens.

O Correio teve acesso, com exclusividade, aos documentos internos e restritos do Itamaraty que tratam do sumiço das obras de arte. São telegramas trocados por meio do sistema de comunicação especial usado pela diplomacia em todo o mundo. Por meio deles, são tratados os assuntos mais delicados entre a sede do MRE e seus postos no exterior. Dessa forma, o embaixador do Brasil na França, José Maurício Bustani, avisou a Coordenação de Patrimônio do Itamaraty, em 29 de outubro de 2010, sobre o desaparecimento das 18 peças.

Bustani havia designado um funcionário brasileiro para fazer o inventário de todas as obras de arte e móveis da embaixada e da residência oficial do Brasil na França logo após assumir o posto, em fevereiro de 2008. Medida rara no meio diplomático brasileiro. O novo embaixador tem que assinar o inventário deixado pelo antecessor. No entanto, por cortesia, não é comum conferir os dados contidos no documento. Dessa vez foi diferente e resultou na descoberta das perdas. ;Tais bens não puderam ser localizados após intensos e exaustivos trabalhos de procura e de identificação realizados dentro das dependências da Chancelaria e da Residência;, afirmou Bustani no telegrama enviado à Brasília quatro meses atrás.

Em marcha lenta
Sem saber o que fazer diante de tamanho problema, Bustani pediu orientação ao MRE. ;Não obstante, tendo em vista os valores (sequer atualizados) dos bens faltantes listados, muito agradeceria as instruções de Vossa Excelência;, escreveu no telegrama destinado à Coordenação de Patrimônio do Itamaraty. A resposta foi rápida e incisiva. No telegrama número 828, de 8 de novembro, a coordenação mandou a Embaixada do Brasil em Paris abrir uma sindicância para investigar o sumiço das obras de arte. Desde então, pouco se fez para encontrar as peças e saber quem são os responsáveis pelos prejuízos ao governo brasileiro.

O Correio apurou que funcionários da embaixada contataram alguns artistas, autores das obras doadas e sumidas. Eles se disseram indignados. A embaixada não registrou ocorrência na polícia francesa. Por sua vez, o Itamaraty não comunicou o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o sumiço de parte do patrimônio histórico e cultural pertencente ao governo brasileiro. E esse não foi o primeiro caso parecido na mesma embaixada. Em 2004, o então embaixador Sérgio Amaral, mandou telegrama ao MRE informando o sumiço de dois quadros da embaixada na França. O Itamaraty mandou apurar, mas, da mesma forma misteriosa em que as desapareceram, ninguém investigou a destinação delas.

Mansão centenária
Localizada em um dos pontos mais charmosos da capital francesa, à beira do Rio Sena, a Embaixada do Brasil em Paris ocupa a antiga mansão de 623 metros quadrados construídas, concluída na primeira metade do século 19. O governo brasileiro comprou o imóvel em 16 de julho de 1971, por 14 milhões de francos. Nele, além de móveis de madeira nobre e caras cortinas, há inúmeras obras de arte, principalmente de autores brasileiros. Entre os mais famosos, Di Cavalcanti, que morou em Paris por vários anos. Por falta de espaço em seu apartamento na capital francesa, o pintor, desenhista, ilustrador e caricaturista brasileiro guardou a maioria do acervo criado em Paris na representação brasileira. Em 1966, parte seus trabalhos desaparecidos no início da década de 1940 foram localizados nos porões da embaixada.

Para se ter uma ideia do descontrole do acervo do prédio, como destacou o embaixador em um dos seus telegramas, na ante-sala dele há um quadro de Di Cavalcanti sem qualquer placa de identificação. Portanto, oficialmente, não faz parte do patrimônio do governo brasileiro. Ninguém sabe a quem pertence, se foi doado ou esquecido pelo artista em Paris. Além dessa obra, avaliada em US$ 1,5 milhão, dezenas de outras entregues por artistas de várias nacionalidades não ganharam a plaqueta de patrimônio público. Estão em algum lugar do prédio ou simplesmente foram levadas por alguém. Em uma visita ao trabalho no Brasil, Bustani não foi encontrado para entrevista.

Procuram-se
  • Tapete Boukara, Royal Russo, feito à mão (3,50m x 2,28m)
  • Tapete Mesched, com borda em rosa,
  • fundo azul (2,30m x 1,60m)
  • Quadro de Marilu do Prado Wang, intitulado Enchaté (0,97m x 0,78m)
  • Quadro de Gilda Basbaum, obra Volume I (0,90m x 0,90m)
  • Quadro de Orlando de Magalhães Mollica, intitulado Mulher espichada (1,80m x 0,70m)
  • Quadro de Orlando de Magalhães Mollica, intitulado Homem espichado (1,80m x 0,70m)
  • ; Quadro de Chico Liberato, intitulado A vida é da cor que pintamos (1m x 1m)
  • Quadro de Waltrand, intitulado Rodinha (0,40m x 0,50m)
  • Quadro de Gervásio Teixeira (0,25m x 0,25m)
  • Montagem de João Franck da Costa, intitulada Peixe (1,25m x 0,68m)
  • Litografia antiga, com moldura em madeira dourada, intitulada Quinta da Boa Vista (0,68m x 0,63m)
  • Gravura Ana Letícia, de 1967 (0,77m x 0,59m)
  • Gravura representando mapa antigo, com moldura em madeira dourada e vidro
  • (0,71m x 0,55m)
  • Fotografia do Rio de Janeiro (0,60m x 0,45m)
  • Fotografia do Rio de Janeiro (0,70m x 0,55m)

Há outros três itens não descritos nos telegramas aos quais o Correio teve acesso.

Fonte: Embaixada do Brasil na França

Uma sindicância foi aberta a pedido do MRE, mas, como não têm poder de polícia, funcionários estão descrentes com o resgate

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