São Paulo - Uma campanha que começou no carnaval pretende intensificar o número de denúncias contra o tráfico de pessoas e reprimir esse tipo de crime no estado. Segundo Anália Ribeiro, coordenadora do núcleo de Enfrentamento do Tráfico de Pessoas da Secretaria de Justiça e da Defesa de São Paulo, a campanha será permanente e tendo como alvo especialmente as mulheres, as grandes vítimas desse tipo de prática criminosa.
Um balanço da Secretaria de Justiça e Defesa, entre os anos 2008 e 2010, apontou que mais de 52% das vítimas de tráfico de pessoas em São Paulo eram homens, usados principalmente para mão de obra escrava. As mulheres representam 40,3% dos casos, seguidas pelos transexuais (7,5%). Do total de mulheres, a maior parte acaba sendo explorada para fins sexuais.
"A gente precisa entender que as mulheres são sempre as vítimas preferenciais desse tipo de prática criminosa, ou seja, do tráfico de pessoas. E principalmente as mulheres negras pela própria vulnerabilidade social e histórica. As mulheres negras sempre foram vistas como objeto de direito. Existe uma cultura e um imaginário, em especial o imaginário masculino, de que as mulheres negras são sexualmente disponíveis;, afirmou Cláudia Patricia de Luna, presidente da organização não governamental Elas por Elas.
De acordo com Cláudia de Luna, as mulheres traficadas para a exploração sexual são geralmente negras, jovens, mães e que já sofreram violência doméstica. ;Pela violência que sofre em casa, a vítima precisa sair [de casa] para buscar seu provento. E em geral ela não está sozinha: ela tem uma família para sustentar. E, a partir daí, ela é uma presa vulnerável para esse tipo de tráfico", afirmou.
Essas mulheres geralmente são aliciadas por pessoas próximas de seu círculo familiar. ;O tráfico de pessoas é um crime extremamente subliminar: o aliciador não tem a característica de uma pessoa violenta, que sequestra, mata ou empunha uma arma para ameaçar as pessoas. Normalmente ele faz parte do núcleo afetivo dessa vítima: ou é o namorado/companheiro ou a madrinha/amiga/irmã que foi aliciada e que está no início desse aliciamento;, explicou Anália Ribeiro.
Segundo ela, o aliciamento ocorre geralmente por meio de falsas agências de modelo e de casamento e ofertas de trabalhos em outros países. ;Essas jovens vão certas de que vão conseguir um emprego e um retorno financeiro rápido. Normalmente elas têm o desejo de ajudar suas próprias famílias. As famílias ficam encantadas com as propostas de emprego e ficam estimulando [a aceitação da proposta], sem terem noção do que está acontecendo", disse.
Ao aceitarem as propostas, essas jovens são submetidas a péssimas condições de vida. Segundo Anália Ribeiro, ao viajarem para o exterior - geralmente para países como a Espanha, França, Alemanha e Portugal - essas mulheres entram numa situação de confinamento, sem direito a entrar em contato com suas famílias e são obrigadas a ingerirem drogas e bebidas alcoólicas e a praticar uma média de 35 programas sexuais por dia. Como estão ;em dívida; com os aliciadores, responsáveis pela compra das passagens, das roupas, da moradia e da alimentação, as vítimas ficam num estado servil, obrigadas a trabalharem para o pagamento dessas despesas.
Rodrigo Vitória, coordenador da Unidade de Governança e Justiça do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) afirmou que o tráfico de pessoas só perde para o tráfico de drogas como tipo de crime organizado mais lucrativo do mundo, movimentando 2,5 milhões de pessoas e mais de US$ 32 bilhões poe ano. A Coordenação de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, com base em dados da Unodc, informou que, em 85% dos casos, a finalidade do tráfico é a exploração sexual e que, em 66% dos casos, as vítimas são mulheres, seguida por meninas (13%), homens (12%) e meninos (9%).
Segundo Anália Ribeiro, não existe uma legislação no Brasil que tipifique o tráfico de pessoas. As condenações, segundo ela, ocorrem por crimes correlatos. O Código Penal só criminaliza o tráfico de pessoa para exploração sexual. Há um substitutivo ao Projeto de Lei 2.845/2003, em tramitação na Câmara dos Deputados, que pretende criminalizar o tráfico de pessoas, incluindo o tráfico para fins de remoção de órgãos e trabalho escravo.
"O grande desafio para o Brasil é ter uma legislação que tipifique esse tipo de crime e que crie um sistema nacional que possa dar conta desse tipo de prática criminosa. O Brasil ainda não tem uma legislação específica. O Brasil também não tem estatísticas oficiais para que se possa ter um diagnóstico preciso da inserção do crime organizado no comércio de vidas", afirmou.
Como medidas de prevenção, Anália Ribeiro defende que, ao receberem propostas de empregos, as pessoas se certifiquem de que se trata de uma empresa idônea e que, ao decidir viajar para trabalhar em outro país ou estado, as pessoas sempre deixem uma cópia da documentação, inclusive do passaporte, com algum parente ou amigo de confiança.
As denúncias de tráfico de pessoas, em São Paulo, podem ser feitas pelos telefones (11) 7 ou na Central 181.