Brasil

Mais da metade das agressões sofridas por idosos são cometidas por parentes

postado em 04/04/2011 08:09
Sempre associado à velhice, o medo da morte, para Paulo* e Vanda*, nada tem a ver com o passar do tempo. Aos 66 anos, um a mais que a mulher, o senhor bem vestido, nariz marcado pelos óculos de grau e cabelos cuidadosamente pintados revela, depois de um longo suspiro, que teme ser assassinado pelo próprio filho. Viciado em cocaína, álcool e, por fim, crack, o homem já gritou, empurrou, socou e apontou uma faca para os pais. ;Agora ele está dizendo que vai comprar uma arma para estourar meus miolos;, conta Paulo. Sem forças físicas para se defender do filho, de 45 anos, nem suporte psicológico para aguentar as agressões, o pai apelou à Justiça. Conseguiu, dois anos atrás, uma determinação judicial obrigando o governo local a custear a internação compulsória do agressor para desintoxicação. Até agora nada aconteceu, apesar da insistência de Paulo com as autoridades.

;Toda vida ouvi dizer que decisão judicial não se discute, se cumpre. Pelo jeito isso só serve para o cidadão, não para o governo;, lamenta Paulo, visivelmente abalado. O problema enfrentado por ele, segundo a promotora Sandra Julião, é um dos mais frequentes e também mais complicados casos de violência contra o idoso que chegam, todos os dias, ao Ministério Público do Distrito Federal. ;Não existe solução, porque o Estado se exime da tarefa de oferecer atendimento de saúde. E as vítimas, por outro lado, não querem ver seus filhos ou netos na rua;, afirma Sandra. ;Embora ocorra com pessoas de todas as faixas etárias, a violência praticada por parentes que fazem uso de álcool e drogas se torna mais dramática quando o agredido é um idoso, em função da fragilidade por causa da idade.;

O fenômeno das agressões contra os idosos foi destrinchado pelo doutor em sociologia Vicente Faleiros, que produziu o maior estudo do gênero no país com base em 61.930 denúncias formalmente registradas em todas as capitais do país no período de um ano. Os dados brasileiros se assemelham às estatísticas dos outros países, indicando que cerca de 54% dos agressores são filhos ou filhas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também investigou, por meio de entrevista, e não por ocorrência documentada, o problema, projetando quase 120 mil agressões sofridas por idosos anualmente ; cerca de 10 mil por mês. ;Não temos dúvida da existência da violência. Os registros são apenas a ponta do iceberg, porque denunciar é muito difícil. Há uma espécie de conluio do silêncio. A família silencia e o próprio idoso tem vergonha de denunciar, achando que vai perder o tênue afeto que tem com o filho, além do medo de represálias;, explica Faleiros.

Para Edna*, a barreira do silêncio foi rompida na polícia. A senhora de 75 anos não suporta mais as ameaças da nora, atualmente em processo de separação do único filho dela, que se recusa a deixar o local onde moram. ;Tenho escritura mostrando que a casa é minha, eu comprei. Mas ela diz que a casa é dela, que se eu não sair por bem vou ter que sair no caixão;, conta, angustiada, a baiana que chegou a Brasília há 33 anos e conseguiu criar o filho trabalhando como lavadeira. Além dos próprios problemas de saúde, Edna cuida da mãe, de 95 anos, que fica agitada ao ver o clima de discórdia dentro de casa. ;Tenho que ficar quietinha, não falar nada, com medo de ser agredida. Mas é muito difícil. Tenho medo que ela me mate;, confidencia, num tom mais baixo. Todos os entrevistados tiveram de sair das próprias casas, onde convivem com seus agressores, para encontrar a reportagem. A tensão é companhia constante desses idosos.

Nomes fictícios, em função do risco que os entrevistados correm.


Silêncio e machucados


Recife e Belo Horizonte ; Dentro de um quarto, sem comida, sem amparo, sem companhia, Reginaldo (nome fictício), de 67 anos, é o retrato fiel do tipo de violência mais silenciosa que acomete os idosos: a negligência. Pai de seis filhos, todos de 27 a 33 anos e que moram na mesma rua dele, cada qual com suas famílias, o senhor peleja para sobreviver. Ele mal consegue falar por causa de um tumor na garganta. A comunicação é difícil, por gestos, olhares e gemidos. Também depende de uma cadeira de rodas para se locomover. O salário mínimo que recebe mal dá para bancar os remédios e a comida, além de uma dívida que só termina daqui a cinco anos. Sem outra fonte de renda nem ajuda dos filhos, faz racionamento de alimentos para tentar chegar ao fim do mês. ;Só como papa (mingau) e tomo água. Fico me sentindo fraco, a cabeça dói muito. Aí tento dormir para ver se passa;, relata Reginaldo.

Segundo o homem, os filhos só aparecem na casa dele para agredi-lo verbalmente. Ele afirma que nunca deixou faltar comida em casa, mas titubeia quando é questionado se deu amor aos filhos. Quando foi a um hospital passando mal e nenhum parente apareceu para socorrê-lo, a situação de Reginaldo acabou identificada e encaminhada à Delegacia do Idoso. ;Se houve alguma violência praticada por ele no passado, provocando o rompimento dos laços familiares, isso não justifica que seja abandonado pelos filhos;, afirma o delegado Eronildo de Farias.

Depois de muito adiar, Laura, moradora de Belo Horizonte, procurou a delegacia, encorajada por vizinhos. Chegou ao local com muitos machucados e receio de denunciar os familiares. Mas a rotina de problemas de agressões dentro de casa não deixou outra opção à aposentada de 72 anos. ;A gente acaba ficando desesperada e tem que denunciar mesmo;, diz. Frente às autoridades, Laura teve medo do que podia ocorrer com os parentes, principalmente o marido, que usa a aposentadoria dela sem se importar com as necessidades da mulher. ;Ele toma o que é meu, não ajuda em nada e também é muito agressivo;, denuncia.

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