Jornal Correio Braziliense

Brasil

Ação do assassino leva pânico à escola e desespera os pais dos estudantes

; Paula Sarapu - Enviada especial

Rio de Janeiro ;
Uma das estudantes que morreram dentro da Escola Municipal Tasso da Silveira, Karine Lorraine Chagas de Oliveira, de 14 anos, realizava seu sonho há três semanas, quando começou a praticar atletismo em um quartel da Polícia Militar. A vontade de participar de uma Olimpíada levou a menina a se preocupar com os horários e a alimentação. Ontem cedo, antes de ir para o colégio, em Realengo, na Zona Oeste do Rio, comeu uma banana e pediu a bênção da avó, com quem morava desde os quatro anos de idade. ;Deus se esqueceu dela ou essa é a nossa triste realidade?;, questionava-se a vendedora de lanches Nilza da Cruz Ferreira, de 63 anos, sem conseguir conter as lágrimas. ;Aquele rapaz levou minha vida;, repetia.

Boa aluna, Karine cursava o 8; ano do ensino fundamental e gostava de se sentar sempre à frente da sala. Ela levou um tiro na cabeça. ;A criança sai para ir à escola e acaba morta com um tiro na testa. A gente não consegue acreditar no que ocorreu e fica imaginando o susto, o desespero dela tentando escapar daquele perturbado, como as outras crianças;, lamentou a tia Daniele Martins de Jesus, de 29 anos.

A adolescente Laryssa Silva Martins, de 13 anos, já estava morta dentro da sala quando uma coleguinha avisou ao pai da menina pelo celular. Clóvis Martins, em desespero, seguiu até a escola e chegou a pegar a filha nos braços. ;Ele viu que não tinha mais o que fazer. Laryssa foi socorrida em uma Kombi, mas já estava sem vida. Nossa família está desestruturada", afirmou o tio dela, Gerson da Silva Guilherme, de 47. Arrasado, Clóvis não conseguia esconder a dor, na porta do Instituto Médico Legal (IML). ;Meu anjinho de candura foi embora.;

Paredes
Da sala ao lado, o aluno Ricceli Ponce, de 15 anos, ouvia os gritos do assassino e os tiros da arma, que foi recarregada diversas vezes. Ele contou que Wellington usava uma roupa preta, botas e cinturão com balas. ;Pensei que ia morrer, foram 10 minutos de tiros sem parar. Ele falava ;você vai morrer!’. Perdi amigos, vi muitos deles mortos no chão e as paredes sujas de sangue. Um professor de Geografia trancou a porta por fora e mandou a gente deitar no chão. Deus guardou nossa vida dessa vez;, desabafou o aluno do 9; ano, na porta da escola.

Ao ouvir os tiros, o coração da dona de casa Lúcia Regina Silva, de 40 anos, ficou inquieto. Vizinha da escola e mãe de um aluno do 5; ano, ela tentou entrar para procurar o filho, mas foi impedida pela correria das crianças que tentavam escapar do atirador, que só foi detido após a ação de um sargento da Polícia Militar (leia ao lado). Quando viu o menino, Lúcia caiu de joelhos no chão e só conseguiu rezar. ;Entrei em pânico! Fiquei gritando da rua que queria meu filho de volta. Se a polícia demorasse um pouquinho mais, mais crianças iriam morrer.;

Rápido e mortal

Usando um carregador automático, o atirador conseguia colocar seis balas em sua arma em menos de dois segundos

A ferramenta, que não tem restrições à venda, deixa a munição na posição exata dos compartimentos do tambor do revólver

O recarregador funciona como os ;pentes; das pistolas, as balas são inseridas ao mesmo tempo na arma

Duas armas
O assassino usou dois revólveres: um calibre .38, outro calibre .32

Para descartar os cartuchos usados, basta sacudir a arma.

"Nasceu de novo"
Mãe de uma menina da turma 1703, Vilma Silva Brasil, de 38 anos, estava no trabalho quando uma vizinha avisou sobre o ataque na escola da filha. Ela largou tudo e foi até a unidade, mas não encontrou a menina, que havia sido levada por funcionários. ;A agonia foi muito grande, achei que algo de ruim pudesse ter acontecido com ela. Quando a vi, tive uma crise de choro. Minha filha nasceu de novo.;

Em desespero, muitos estudantes pularam o portão entreaberto da casa do carteiro Herciley Antunes, de 44 anos, vizinho da escola. Uma das crianças estava baleada no ombro e sangrava muito. Herciley se arrumava para o trabalho e viu a professora chegar à janela, querendo saber se os tiros vinham da rua. ;Mandei ela se abaixar porque as crianças diziam que havia um louco atirando para todos os lados. Meu desespero era maior porque minha ilha e dois sobrinhos estavam lá dentro. Depois que a polícia entrou, fui com outros pais, cada um atrás de seus filhos. Uma das salas do terceiro andar estava trancada, com mesas, cadeiras e armários atrás da porta;, contou o carteiro, bastante emocionado.

Doação
A coordenadora administrativa do Banco de Olhos de Volta Redonda, Mara Lúcia Miranda de Almeida, disse que oito córneas foram doadas por quatro famílias das vítimas e irão atender oito pessoas que aguardam na fila de 3.300 pacientes em todo o estado do Rio de Janeiro. Os ossos das vítimas, que também foram doados, foram captados pelo Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into). Mara Lúcia afirmou ainda que quando há a paralisação do coração só é possível fazer a doação de ossos, córneas, medula óssea e tecidos. (Fernanda Martins e Paula Sarapu)