postado em 09/04/2011 12:06
Rio de Janeiro ; As suposições levantadas de que o atirador da escola de Realengo sofria bullying podem nem mesmo ser confirmadas, mas certamente fazem com que a discussão do tema contribua para a melhoria da relação entre os alunos. A observação é do autor e diretor teatral carioca Francis Ivanovich, que desenvolve, há oito anos, um trabalho que envolve o teatro ligado à educação, numa concepção de ensino mais humanista, que inclua as artes, a filosofia e a sociologia.Ele acredita que essa associação de áreas complementares do conhecimento pode aprofundar a discussão de temas como o bullying e contribuir para a melhoria da relação entre colegas de escola.
Desde o ano passado, a Companhia Teatral EnsinoemCena, que ele dirige, vem encenando, em escolas privadas e públicas do Rio, a peça Bullying, Tô Fora, com texto de sua própria autoria.
Segundo Ivanovich, esse trabalho é resultado de um processo de criação que demandou seis anos. A peça, explica, busca uma linguagem não apenas didática, mas também emocional, para abordar a questão. ;Nossa experiência vem demonstrando que, de fato, a arte realmente contribui muito dentro do ambiente escolar. A gente percebe que a questão do bullying mexe muito com os alunos e que, nesse caso, o teatro faz diferença;, afirma Ivanovich.
Para ele, o teatro, quando associado à educação, proporciona uma reflexão muito mais tocante para os alunos do que as palestras. ;A questão do bullying vem sendo tratada na maioria das escolas apenas com convites a psicólogos e a outros especialistas, mas, muitas vezes, numa linguagem distante do universo da criança e do jovem;, diz.
Nas escolas, após a encenação da peça, os atores promovem um debate com os alunos e, aí, conta Ivanovich, a plateia se transforma. ;Tanto quem pratica o bullying como o que sofre [esse processo de constrangimento] acaba sendo afetado e o resultado tem sido muito objetivo.;
Segundo o diretor teatral, é usado o método criado pelo dramaturgo alemão Bertold Brecht, do teatro épico, que é a técnica do distanciamento. ;A gente coloca em cena tanto o agressor como o agredido, mas de forma crítica. Cada um deles critica e se critica. Para o aluno que assiste à peça, não ocorre apenas um processo de identificação. É como se [ele] estivesse num laboratório olhando a cobaia;.
Declarações dadas à imprensa, por colegas de Wellington Menezes de Oliveira, que disparou contra os alunos da Escola Municipal Tasso da Silveira, dão conta de que o atirador chegou a receber na escola o apelido de Sherman, numa referência ao personagem considerado nerd, interpretado pelo ator Chris Owen no filme American Pie.
Para Ivanovich, esse é um exemplo típico de identificação, no qual a escola tem que trabalhar a crítica e a autocrítica. ;O agressor não percebe o seguinte: Será que o que estou fazendo com o outro está machucando ele? Será que o que estou fazendo com o outro, um dia, vai me ferir? Eu fiquei estarrecido quando li a declaração de um ex-colega dizendo que um dia bateu nas costas de Wellington e disse: ;Olha, eu tenho medo de você porque sei que um dia você vai matar muita gente;. Isso é muito sério. Uma brincadeira, uma frase, um apelido pode marcar a vida de uma pessoa seriamente;.
Para o autor e diretor da peça, a transposição de situações como essa para o teatro desperta as crianças e adolescentes para a seriedade do bullying. ;Quando eles veem isso na peça, a ficha cai. Ficam tocados e começam a perceber que o bullying não é apenas uma brincadeira e que tem consequências e repercussão na vida do agredido e na sua própria vida;, diz Ivanovich.
De acordo com Ivanovich, é na faixa de 9 a 10 anos, a chamada pré-adolescência, que a escola precisa trabalhar mais a questão da crítica e autocrítica, da observação e do respeito ao outro. ;A escola, no Brasil, é muito informativa. Passa muita informação para os alunos, mas pouco espírito crítico. Com um olhar mais humanista, vamos chegar ao ensino médio com uma garotada melhor, com um convívio melhor.;
Bullying, Tô Fora está sendo encenada para alunos de 8 a 16 anos. Com um repertório de textos teatrais sobre diversos temas relacionados ao universo do estudante, a Companhia Ensino EmCena já fez, nesses oito anos, apresentações em mais de 500 escolas de todo o estado do Rio de Janeiro, para um público estimado em mais de 200 mil alunos. Maiores informações sobre o trabalho do grupo podem ser obtidas no site www.teatroemcena.com.