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Policiais dizem que só cumpriram ordens em operação no Aglomerado da Serra

A incursão resultou na morte de duas pessoas e tornou o Rotam alvo de investigações

Marcelo da Fonseca/Estado de Minas
postado em 18/04/2011 19:29
Policiais acusados de envolvimento no assassinato de dois moradores no Aglomerado da Serra, em 19 de fevereiro deste ano, participaram nesta segunda-feira de audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e negaram participação nas mortes. Eles afirmaram que teriam apenas cumprido ordens de seus superiores no Batalhão de Rondas Táticas Metropolitanas (Rotam).

O sargento da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), Giando Gomes de Lemos, um dos acusados no inquérito da Corregedoria da Polícia Militar de envolvimento indireto no caso, mostrou-se indignado com a falta de individualização no julgamento das ações dos militares. Ele também disse temer ser demitido da corporação por sofrer, juntamente com outros colegas, um processo administrativo disciplinar (PAD) relativo ao caso.

[SAIBAMAIS]O policial afirmou ter recebido, na noite do crime, uma comunicação de pedido de reforço, vinda de militares que estariam fazendo uma incursão no Aglomerado da Serra. Segundo ele, a ordem recebida foi apenas de socorrer um soldado que teria sido baleado no local. " Fiquei no local para dar segurança e prestar apoio à operação", relata. Ele também contou que recebeu ordens do comandante da Rotam, tenente coronel Newton Antônio Lisboa Júnior, para redigir a ocorrência do caso, e que ele teria apenas relatado a versão que lhe fora apresentada pelos militares que faziam a incursão no bairro.

O soldado Adelmo Felipe de Paula Zuccheratte, que também foi indiciado por prevaricação, afirmou não ter conhecimento de detalhes do assassinato, uma vez que não estava próximo do local. Sobre o fato do seu nome constar no boletim de ocorrência como testemunha no auto de resistência, ele disse acreditar que a inclusão de seu nome se deu por uma questão de obrigatoriedade, para que o boletim pudesse ser concluído. O sargento Lemos confirmou que o boletim não poderia ser finalizado sem o registro do nome de uma testemunha de resistência, tendo em vista que a ocorrência relatava a tentativa de homicídio contra policias militares.

Para o diretor jurídico da Associação dos Servidores do Corpo de Bombeiros e Polícia Militar de Minas Gerais (Ascobom) e advogado dos policiais, tenente-coronel Domingos Sávio de Mendonça, o inquérito apresentou uma avaliação tendenciosa, com a intenção de dar uma resposta rápida à sociedade. Mendonça não descartou a possibilidade de uma farsa na montagem da cena do crime e na alegação de que os assassinatos foram precedidos de tiroteios, mas negou o envolvimento dos policiais na farsa. "Eles estavam coordenados e comandados por superiores que deram a eles todas as determinações.

A PM é uma organização que tem hierarquia e disciplina. É possível a um militar ter uma conduta diversa da que foi adotada?", afirma o tenente-coronel ao questionar o fato de o inquérito responsabilizar o sargento Lemos e o soldado Zuccheratte por não terem tomado providências contra os militares que estavam no Aglomerado da Serra. "A nossa expectativa é que o ouvidor de Polícia requisite uma investigação a respeito dos fatos que estão denunciados aqui", comentou.

O deputado Sargento Rodrigues (PDT), ratificou a ponderação feita por Mendonça, alegando que os policiais não teriam autonomia para prender os policiais militares presentes no local do crime, uma vez que outras pessoas hierarquicamente superiores a eles também estariam presentes no local. "Não é possível responsabilizar alguém, sendo que havia vários superiores é que tinham o dever legal. Um soldado não tem o dever de ofício de prender um cabo, um sargento, um tenente que participou de um ato, em tese, criminoso", comenta.

Corregedor de Polícia nega falhas no inquérito

De acordo com o corregedor da Polícia Militar, Coronel Hebert Fernandes Souto Silva, o inquérito observou todas as normas e procedimentos legais. Além disso, ele afirmou que durante a apuração dos fatos, tanto os advogados quanto o Ministério Publico tiveram acesso aos autos, o que demonstraria a transparência na condução das investigações.

O coronel também questionou o fato de o boletim de ocorrência ter sido feito por um subordinado, e não pelo comandante da Rotam. Outro aspecto levantado por Herbert Fernandes foi o fato de a primeira pessoa a ser socorrida no Aglomerado da Serra ter sido um soldado, que, segundo versões de testemunhas, teria saído do local caminhando, enquanto os dois cidadãos, Jefferson Coelho da Silva e Renilson Veriano da Silva, em estado mais grave, teriam sido socorridos apenas posteriormente.

Sobre o processo administrativo disciplinar contra os policiais, ele afirmou que, ao contrário do que relataram os PMs, não há definição de que resultarão, necessariamente em demissões. "Os PADs querem investigar se os PMs têm condições de permanecer na instituição. Temos vários casos de PAD em que o policial não foi demitido", afirma.

O subtenente da PM e coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Associação de Praças da Polícia Militar (Aspra), Luiz Gonzaga Ribeiro, considerou que os policiais tiveram coragem de ir a público para relatar o que consideravam erros no inquérito. Ele disse acreditar que os fatos devam ser apurados com rigor, mas afirma que os "policiais não cometeram ato atentatório ao rigor da classe".

De acordo com o ouvidor de Polícia, Paulo Vaz Alkmin, a instituição vai aguardar a representação que será enviada pelo advogados dos policiais à ouvidoria "Se for o caso, vamos abrir um procedimento e encaminhar à Corregedoria para apurar se houve ou não essas alegadas irregularidades no inquérito", comenta.

Na avaliação do deputado Durval Ângelo (PT), autor do requerimento que originou a audiência, não existem dúvidas de que o boletim de ocorrência feito na ocasião do assassinato no Aglomerado da Serra foi uma farsa. "O que se discute aqui é se os que chegaram depois têm ou não responsabilidade com essa farsa. Mas que a farsa está evidenciada e que nenhum dos que aqui estão discordam que a questão foi montada, isso é evidente", concluiu o deputado.

Durante o debate, a dona de casa Maria de Lurdes Oliveira fez um relato em defesa do sargento Lemos, alegando que ele tirou seu neto e um amigo do neto da experiência com drogas e acrescentando que o policial "não merece essa injustiça".

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