Brasil

"Não posso dizer meu nome. É perigoso. Só não quero que ele me ache"

postado em 20/04/2011 08:00
;Não posso dizer meu nome. É perigoso. Não tenho mágoas. Só não quero que ele me ache. Já fui Clarissa, Maria, Teresa; Também me identificavam por DF/02 no Programa Nacional de Proteção à Testemunha. Hoje ? Ainda não sei bem quem sou. A minha história divide-se em fases. Começou quando ainda vivíamos todos juntos: eu, ele (o companheiro de mais três anos) e meu filho (fruto de outro casamento). Foram várias agressões e ameaças. Tudo virava um problema dentro de casa. Fiz quatro boletins de ocorrência e nenhuma providência foi tomada. Descobri que estava grávida e a notícia, que era para ser boa, virou um pesadelo. Ele repetia de manhã, de tarde e de noite que iria me matar. Suportei até a hora em que a minha filha nasceu. Sai de casa fugida. Passei alguns meses na casa da minha mãe em outro estado e, depois do período de amamentação, voltei para buscar nossas coisas. Quando ele (o marido) me viu, parecia alegre e fez planos para a noite. Saímos para encontrar alguns amigos e, logo que chegamos ao lugar marcado, ele arrastou uma cadeira para que eu pudesse me sentar. Uma pedrada na cabeça veio em segundos. Fiquei um pouco tonta, mas vi quando ele molhou meu corpo com gasolina. Fez questão de jogar uma quantidade ainda maior no meu cabelo, que era bem longo. Só ouvi o barulho do isqueiro. Fiquei calma, entreguei meu espírito. Quando as chamas tomaram conta do meu corpo, ele se afastou e consegui correr. Rolei na grama. Uma pessoa que estava passando pela rua viu a cena e chamou o Corpo de Bombeiros. Tive mais de 40% do corpo completamente queimado, perdi parte da mão direita tentando abafar o fogo. Passei dias e dias internada. Em seguida, entrei no programa de proteção (à testemunha). Mudei com meus filhos para bem longe. Não foi fácil acostumar com a nova rotina nem com o novo rosto no espelho. Aos poucos, ele descobriu meu paradeiro. Conseguia informações ameaçando amigos e familiares. Foi chegando cada vez mais perto. Entrei em pânico. Não conseguia levar meus filhos para a escola ou mesmo fazer um supermercado. Mudei mais uma vez. É preciso coragem para reconstruir uma vida. Tem horas que é mais fácil desistir. Agora, estou presa em um abrigo, enquanto ele, condenado a 14 anos de prisão, está no regime semiaberto. Mandou recados dizendo que vai terminar o que começou. Tenho medo, mas também não quero viver para sempre uma vida institucionalizada. Foram duas passagens por abrigos, duas vezes no programa de testemunha em dois estados diferentes. Não quero comodidade. Quero poder trabalhar, levar meus filhos para passear num domingo à tarde. O juiz decretou que ele não pode chegar a 300 metros de mim e dos meus filhos, mas quem vai monitorar os passos deles? O Estado já falhou tantas vezes comigo, por que devo acreditar que desta vez vai dar certo?;

Relato de uma mulher de 37 anos que vive em um abrigo para mulheres vítimas de violência

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