Brasil

Nascentes foram soterradas em Águas Claras e em Vicente Pires

postado em 24/04/2011 08:00
Em Águas Claras, no Distrito Federal, as construtoras ignoraram as nascentes, que insistem em aflorar, escorrendo pelas ruas da cidade
O setor imobiliário ignorou ; e continua ignorando ; o afloramento das nascentes em Águas Claras e em Vicente Pires, cidades a 20km do centro de Brasília. Regiões onde antes moradores apontavam a ocorrência de nascentes foram aterradas e deram espaço a linhas de transmissão de energia, grandes empreendimentos, espigões de concreto. Os atributos naturais dessa região, um chapadão plano e rico em água, com importante função de dreno para toda a imediação, transformaram-se num incômodo. A água verte de pilastras de garagens de prédios de Águas Claras, uma região no Distrito Federal que surgiu exclusivamente para abrigar prédios residenciais. Em Vicente Pires, casas, condomínios e prédios engoliram o Córrego Vicente Pires e soterraram nascentes. Algumas ainda insistem em aflorar. Escorrem por ruas e calçadas.

A imagem do DF como um guarda-chuva, por onde cai e escorre a água para as imediações, resume a função ambiental da região. O DF abriga nascentes de três grandes bacias ; Tocantins, Paraná e São Francisco. Está numa área de planalto, é rico em água, mas, nem por isso, recebe a atenção necessária para a preservação desse potencial hídrico. Para se ter uma ideia, estão catalogadas no DF mais de 1.250 voçorocas, sulcos e erosões.

[SAIBAMAIS]Em Águas Claras, alguns moradores não sabem o que fazer. Alguns deles costumam apontar a rua onde vive Maria de Lourdes Lima, 52 anos, na Colônia Agrícola Vereda da Cruz, como a rua onde brota água ininterruptamente. A água limpa não verte na via. É, de fato, ininterrupta, mas brota de um poço cavado no quintal de Maria de Lourdes, rumo à rua da colônia agrícola. O desperdício já dura 18 anos. Os órgãos ambientais não chegaram a um acordo sobre o destino do poço, segundo Maria de Lourdes. Houve quem mandasse entupir e quem desaconselhasse a proprietária, que usa a água para tudo. ;Antes eu pedia água para o vizinho.; No barracão de quatro cômodos, vivem Maria de Lourdes e quatro filhos. Uma manilha foi construída na rua, para canalizar a água até o Córrego Arniqueiras.

O entulho produzido pelo Setor Habitacional Arniqueiras, vizinho a Águas Claras e em fase de explosão imobiliária, escorre direto para o Rio Vereda da Cruz. Em alguns trechos, o rio virou um filete, tamanho o assoreamento. ;O rio acabou. O que a gente tem hoje é uma tubulação de enchentes;, diz a empresária Isabel Cristina Araújo, 48 anos, que vive numa chácara à margem do rio.

Nas chácaras às margens do Córrego Vicente Pires, brotam minas d;água, apesar de toda a pressão imobiliária na região. ;O chão é fofo. A gente pode afundar na estrada por causa das nascentes;, diz Ana Paula Pereira, 34 anos, que vive numa chácara em Vicente Pires. Nos últimos 15 anos, apareceram os grandes empreendimentos imobiliários. A venda de lotes chegou até a margem do córrego. Por R$ 60 mil, uma família comprou um lote a poucos metros do córrego. A mata foi retirada. O condomínio de casas segue em ritmo acelerado. ;A gente não tem escritura. Só contrato de compra e venda;, diz uma dona de casa ouvida pelo Correio.

Sobrados já estão prontos. Postes fornecem a energia elétrica, o esgoto vai para fossas. A água vem de cisternas. Um lote de 400m;, bem em frente ao que sobrou de mata ciliar, está à venda, como anuncia uma faixa cravada no terreno. Vários trechos dos Córregos Vicente Pires e Samambaia se transformaram em filetes, por causa do assoreamento. Na Vila São José, em Vicente Pires, a margem do rio virou um depósito de entulho. (VS)

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