O arrependimento já veio há algum tempo, em forma de tristeza, mágoa, revolta e saudade dos quatro filhos que deixou do lado de fora da Penitenciária Feminina do Distrito Federal, conhecida como Colmeia. Entretanto, durante cinco anos, Jani Fernandes de Jesus, 28, ;achava muito fácil entrar com a droga; no Complexo Penitenciário da Papuda, onde levava entorpecentes para o marido, detido por assalto à mão armada. A sensação de impunidade, aliada à oportunidade do lucro e ao que ela defendia ser ;fidelidade amorosa;, alimentou o tráfico. Mas o resultado foi desastroso. Após ser denunciada pela própria sogra, em 2009, Jani foi presa e condenada a seis anos de cadeia.
Casos como o de Jani, segundo as autoridades, são recorrentes. Apenas na Colmeia, existem outras 136 mulheres detidas sob a mesma acusação ; 27% das atuais 524 internas foram autuadas por levarem drogas aos companheiros ou parentes presos em outras instituições. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, esse percentual está em ascensão. Em maio de 2009, a proporção era de 22%. Só no mês passado, segundo a Subsecretaria do Sistema Penitenciário, 63% das mulheres presas no DF foram autuadas por tráfico.
No restante do país, o retrato é parecido. O último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça (MJ), aponta que 42% das 34.807 mulheres detidas em dezembro de 2010 respondiam por tráfico de drogas. De acordo com o MJ, a proporção de presas no país por envolvimento na venda de entorpecentes é maior do que o percerntual de homens (19%). Os números mostram que a tendência é que a quantidade de mulheres detidas por esse tipo de crime cresça cada vez mais.
Apesar do ato da revista, inspeção obrigatória para o ingresso e a saída de estabelecimentos penais, parte dos flagrantes ocorre não apenas por evidências materiais, mas pelo nervosismo ou até a ;inexperiência; das visitantes, relata Jani. ;Só fui presa porque minha própria sogra me denunciou. Mas a maioria das mulheres que levam drogas sabe do risco que correm. Mesmo que não tenham conhecimento no início, elas vão aprendendo na convivência com o companheiro;, afirma.
Jani levava maconha para o marido ;por necessidade;, e a droga acabava sendo vendida para outros internos. Com o dinheiro que recebia nas visitas, ela pagava o aluguel, as contas e as compras de casa. ;Ele estava preso e eu estava sozinha com os filhos. Como a droga é valorizada dentro da cadeia, o tráfico representava um jeito de ganhar dinheiro;, conta.
Segundo a delegada Deuselita Martins, diretora da Colmeia, muitas mulheres se envolvem com a venda de entorpecentes e especialmente no tráfico em área de segurança a partir do relacionamento com um parceiro já vinculado ao crime. ;Elas se deixam levar por um amor doentio e correm o risco por eles. Agora, estão mais espertas, mas muitas que vêm para a penitenciária em função deles continuam se relacionando, mesmo que eles estejam presos também;, diz.
Quando a mulher é presa, mas o companheiro está solto, elas costumam ser abandonadas. ;Na penitenciária feminina, a grande maioria das visitas são de mulheres. Os homens arranjam outras parceiras e acabam deixando as que perderam a liberdade;, conta Deuselita. O marido de Jani Fernandes, por exemplo, que já foi solto, nunca a visitou na Colmeia.
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Obrigação
Antes de ser presa, Jani trabalhava como cabeleireira ; atividade que também exerce na Colmeia. Ela conta que chegou a conseguir sustentar a família legalmente, mas se via obrigada a continuar traficando. ;Meu marido virou um viciado. Não comia sem a droga e teve dois princípios de convulsão no presídio. Tinha medo que ele morresse. Eu era pressionada;, desabafa. ;Não me vejo como criminosa. Na verdade, acho que não sou nem traficante. Sou uma mula, fui usada.;
Outro fator que agrava o problema ocorre sob a vigilância das próprias autoridades: o aliciamento de mulas. Uma visitante que não quis se identificar, abordada pela reportagem do Correio em dia de visita na Papuda, revela que a prática é recorrente: ;Já me ofereceram R$ 1 mil para eu entrar com drogas dentro do presídio. As traficantes de verdade não entram, pagam as mulas para correrem o risco por elas;. Segundo a visitante, ;é mais fácil encontrar entorpecentes dentro do presídio do que fora;.
Apoio ao crime
O sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), lembra que, historicamente, as mulheres são usadas para fazer o transporte de drogas. ;Em geral, a mulher no tráfico tem um papel de complementação, de apoio. A prisão de mulheres no tráfico internacional, por exemplo, é comum porque elas são menos suspeitas e mais recorridas.; De acordo com o sociólogo, as polícias vêm fazendo um esforço de processar as mulheres dos traficantes, ainda que por outros crimes que estejam vinculados à prática. Em relação ao tráfico de substâncias e objetos ilícitos para dentro das penitenciárias, Cano lembra que, mais nociva do que a entrada das drogas é o ingresso de armas e de celulares. (LL)